O antigo ministro britânico e a mensagem de um Facebook adolescente

Nick Clegg, o liberal que foi número dois de David Cameron, está a ajudar a rede social a passar a ideia de que está disposta a crescer e aprender.

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Nick Clegg teve no passado uma postura crítica face ao novo empregador Hannah Mckay/Reuters

Com uma maré de más notícias e um escrutínio crescente, trabalhar nos departamentos de relações públicas e comunicação do Facebook não deve ser tarefa fácil.

Talvez por isso, a empresa recrutou há poucos meses um antigo vice-primeiro-ministro britânico, Nick Clegg, para vice-presidente com a responsabilidade de comunicações e assuntos globais (é um de vários vice-presidentes da multinacional). 

Talvez também por isso, esta semana a multinacional anunciou a saída de duas importantes executivas na área da comunicação. 

A vice-presidente de comunicações, Caryn Marooney, anunciou a decisão de se demitir num post em que diz estar a trabalhar com os responsáveis da empresa na transição e onde a saída é retratada como amigável. “O que torna isto tão difícil é que tenho mais fé no Facebook do que nunca”, escreveu Marooney, que é funcionária da multinacional há oito anos. “Com o Nick Clegg instalado no Facebook, senti que esta era a altura certa para começar a transição”. Por seu lado vice-presidente de comunicações globais e assuntos públicos, Debbie Frost, decidiu reformar-se. 

A contratação de Clegg fez a imprensa no Reino Unido lembrar os episódios menos felizes do ex-político. É algo que provavelmente seria inevitável para um antigo governante que se instala numa mansão milionária com um salário a condizer, após decidir trabalhar para aquela que se tornou uma das empresas mais criticadas nos tempos recentes, por questões que vão dos impostos ao impacto na própria democracia. 

Clegg teve uma educação de elite, trabalhou como jornalista no Financial Times e foi eurodeputado antes de se tornar líder dos Liberais Democratas britânicos, em 2007. Três anos mais tarde, conquistou a opinião pública, em parte graças a boas prestações em debates televisivos. Em 2010, o seu partido acabou por conseguir 57 lugares no Parlamento, o que lhe valeu uma coligação com os conservadores de David Cameron. Clegg tornou-se então o número dois do Governo. 

Nas eleições seguintes, em 2015, os liberais tiveram uma derrota estrondosa e o número de assentos parlamentares que tinham caiu para oito. Os conservadores, por seu lado, conseguiram uma inesperada maioria absoluta e a coligação deixou de ser necessária para Cameron. Clegg demitiu-se de líder do Partido Liberal. Permaneceu como deputado até 2017, ano em que não conseguiu a reeleição.

Foi em Outubro do ano passado que o Facebook anunciou a contratação de Clegg. O antecessor no cargo, um advogado e gestor americano chamado Elliot Schrage, foi “a cabeça que rolou” na sequência de uma notícia de que o Facebook tinha contratado uma agência de comunicação próxima do Partido Republicano para criar narrativas negativas e disseminar notícias falsas sobre a concorrência. Numa demonstração das nuances da actividade de relações públicas, Schrage admitiu o objectivo de criar uma narrativa negativa em torno dos concorrentes, mas negou a técnica das notícias falsas.

Aprender com os erros

No passado, Clegg foi crítico do Facebook. Num artigo para o jornal inglês Evening Standard, em 2016 (e já após o referendo do Brexit), tinha opinado que as multinacionais tecnológicas não pagavam um nível de impostos adequados – mas punha a responsabilidade nos Governos, que não tinham sido capazes de pôr em vigor o necessário quadro legal.

“Não estou particularmente deslumbrado pelo Facebook. Embora tenha bons amigos que trabalham na empresa, na verdade acho algo irritante a cultura messiânica da Califórnia de simpatia para com o mundo novo”, escreveu então Clegg, numa altura em que muitos casos de más práticas ainda estavam por vir à tona. 

Entre as responsabilidades de Clegg está agora a revitalização da imagem danificada do Facebook. É uma tarefa particularmente espinhosa na Europa, onde muitos legisladores e reguladores olham de soslaio para os gigantes americanos da Internet.

A narrativa adoptada tem sido a de que o Facebook é uma empresa recente (fez 15 anos esta semana), que sofreu dores de crescimento, teve um alcance para lá do que alguém poderia imaginar, que está disposta a aprender com os erros do passado e que já está a mudar – no fundo, um adolescente preparado agora para entrar na vida adulta. 

“O que vi no Facebook no meu curto espaço de tempo foi uma empresa jovem (…), que cresceu a um ritmo incrível, que sem dúvida cometeu erros, e que está agora a entrar numa nova fase de reforma, responsabilidade e mudança”, disse Clegg, numa palestra em Bruxelas, no final do mês passado.

Também argumentou que os problemas não são exclusivos do Facebook e que fazem parte do mundo mais vasto da tecnologia, que trouxe alterações muitas vezes imprevistas e nem todas positivas: “Todas as empresas que gerem dados de pessoas têm de aprender a adaptar-se a novas circunstâncias. No final, nenhuma empresa, grande ou pequena, consegue prosperar a menos que funcione com o consentimento vasto da sociedade. E isso requer mudança constante.”

Numa entrevista recente à BBC, Clegg adoptou novamente uma postura crítica face à multinacional americana. E prometeu mudanças: "Sou novo no Facebook, tenho uma consciência aguda da responsabilidade que empresas como o Facebook e o Instagram têm. Gostaria de ter soluções e respostas instantâneas. Não ficará surpreendido se lhe disser que não tenho. Posso dizer-lhe que, em primeiro lugar, vamos olhar para isto de cima a baixo, mudar tudo o que fazemos, se for necessário." 

Também reconheceu que as regras fiscais e de regulação precisam de ser ajustadas para as grandes empresas tecnológicas, uma opinião que encontrará mais adeptos em Bruxelas e Estrasburgo do que em Silicon Valley.

O jornalista da BBC que o entrevistou fez uma análise à curta conversa. “Quando é entrevistado, alguém a começar um novo emprego tem uma vantagem sobre os colegas que têm mais antigos no trabalho: podem dizer de forma plausível que os erros históricos não são culpa sua”, escreveu Amol Rajan, editor de Media da BBC. “Mas a fica a sensação que a incrível inovação de Mark Zuckerberg deu azo a algo que nem ele nem a sua equipa podem controlar.”

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