O saco azul dos enfermeiros
O crowdfunding secreto dos enfermeiros, uma espécie de saco azul com contribuições sabe-se lá de quem, é um fenómeno novo que mancha o exercício do direito à greve.
Os enfermeiros são uma trave-mestra do melhor que Portugal construiu nos últimos anos, o Serviço Nacional de Saúde. Têm vidas complexas e ganham muito pouco para a responsabilidade que têm em cima.
Algumas das suas reivindicações parecem inteiramente justas, outras talvez não. Nos tempos que correm, com a subida da esperança de vida que Portugal deve ao SNS e aos enfermeiros, reivindicar, como o fazem os enfermeiros, a reforma aos 57 anos é impensável. Por muito que a profissão de enfermeiro seja desgastante, os 57 anos de hoje não são os 57 anos de há três décadas e o desgaste da vida de enfermeiro não é menor do que uma imensidão de profissões sujeitas a altos níveis de stress.
O Governo decidiu esta quinta-feira avançar para a requisição civil dos enfermeiros. É uma medida dura, mas necessária, tendo em conta o sofrimento que a greve estava a impor às camadas mais frágeis da população. Se as listas de espera do Serviço Nacional de Saúde já são uma impossibilidade do Estado cumprir a obrigação que tem perante os cidadãos – e que acaba por beneficiar a medicina privada –, a greve dos enfermeiros tornou a situação insustentável, já que aparentemente nem os serviços mínimos estavam a ser cumpridos.
Agora, é essencial que governos e enfermeiros voltem à mesa das negociações. O corte de relações com que o secretário de Estado da Saúde decidiu “punir” a Ordem dos Enfermeiros não é uma posição aceitável – os bastonários da Ordem dos Médicos já apoiaram greves, como ainda fez Miguel Guimarães em Maio passado, sem que o Governo enveredasse pela “suspensão de relações institucionais”.
Este extremar de posições é péssimo para o principal “cliente” do Serviço Nacional de Saúde, que é o cidadão comum que não tem acesso a seguros de saúde nem a alternativas no privado. É em nome dos cidadãos que o Governo se deve sentar à mesa das negociações.
Agora, o facto de os enfermeiros em greve estarem a ser pagos por um crowdfunding secreto, uma espécie de saco azul com contribuições sabe-se lá de quem – e quem sabe se dos grupos de medicina privada, que são quem está a lucrar efectivamente com esta greve –, é um fenómeno novo que mancha o exercício do direito à greve. Infelizmente, por muitas razões que tenham – e têm – os enfermeiros em greve estão a sujeitar-se à pior das suspeitas, a de que poderão estar a servir interesses concorrenciais com os do Serviço Nacional de Saúde.
Em nome da transparência, o mínimo era divulgar a lista dos doadores.