Morreu Albert Finney, o angry young man por excelência
O actor britânico que simbolizou no cinema uma geração de olhar feroz, sobre uma Inglaterra vista de baixo, morreu esta sexta-feira aos 82 anos.
Albert Finney, um dos principais rostos do novo cinema britânico dos anos 60, morreu esta sexta-feira, aos 82 anos. Foi a família, citada pelo The Guardian, que anunciou a sua morte, causada por uma infecção pulmonar contraída no Hospital Royal Marsden, em Londres, especializado no tratamento de cancro – em 2011 Finney revelara que tinha um cancro nos rins.
Nascido em Salford, Manchester, em 1936, Albert Finney assinalou, como protagonista de Sábado à Noite, Domingo de Manhã (1961), de Karel Reisz, a chegada de uma nova vaga ao cinema britânico, nascida do movimento dos “angry young men” e da literatura da década anterior. Tinha-se notabilizado como actor shakespeariano, com uma formação na Royal Academy of Dramatic Arts, onde foi colega de Alan Bates e de Peter O'Toole.
Os “angry young men” vinham do teatro, mas tomaram de assalto o cinema, com um olhar feroz, “zangado”, sobre uma Inglaterra vista de baixo, do ponto de vista das classes populares, do operariado, de uma juventude a que o futuro só parecia prometer uma de duas coisas: ou a rebeldia total ou um emprego numa fábrica. O corpo e os modos de Albert Finney e os dessa geração, que foram homenageados por bandas como os The Smiths em sucessivas capas, encarnaram isso muito bem nos seus primeiros filmes – sobretudo Sábado à Noite, Domingo de Manhã, numa presença que exibia – e citamos o The Guide to British Cinema – “um misto de desafio e egoísmo revestidos por uma crua sexualidade”.
O outro realizador determinante do princípio da sua carreira, na verdade aquele que o descobriu depois de o ver numa produção de Coriolano de Shakespeare, foi Tony Richardson. Finney estreou-se com ele em O Comediante, de 1960, contracenando com um “monstro” de outra época e de outro meio, Laurence Olivier, numa espécie de antevisão de um confronto de classe social e de classe “teatral” que por esses anos eclodiria.
Finney tinha-se notabilizado como actor shakespeariano, com uma formação na Royal Academy of Dramatic Arts, onde foi colega de Alan Bates e de Peter O'Toole. Como este último, mas também com Richard Burton ou Richard Harris, entre outros, ajudou a abanar o statu quo da pirâmide de talentos no Reino Unido, irrompendo como proletário por uma tradição adentro que cristalizava o drama de forma solene, e de que Laurence Olivier era um dos máximos representantes.
Um crítico decisivo como Kenneth Tynan referir-se-ia a Finney como “um jovem Spencer Tracy a nascer”.
Reisz ofereceu-lhe ainda outro papel notável — Ao Cair da Noite, de 1964 —, mas foi com Tony Richardson que se tornou estrela de primeira grandeza em Tom Jones, Romântico e Aventureiro (1963), filme em que encarnava a personagem icónica criada por Henry Fielding. Valeu-lhe o prémio de interpretação no Festival de Veneza e a primeira das suas quatro nomeações para o Óscar (Tom Jones venceu o Óscar para melhor filme, mas o actor perdeu para o Sidney Poitier de Os Lírios do Campo).
Um ano antes, curiosamente, recusara o papel principal de Lawrence da Arábia porque o estrelato o assustava. “Detesto comprometer-me — com uma rapariga, ou com um produtor, ou com uma certa imagem cinematográfica”, disse, citado pela Variety. Foi também essa a razão que o fez recusar o convite de Olivier para lhe suceder na direcção do National Theatre.
“Co-optado” por Hollywood nos anos 70, período em que foi casado com a actriz Anouk Aimée, vimo-lo ser o nevrótico Poirot de Sidney Lumet em Crime no Expresso do Oriente, de 1974, um all star cast enfiado num comboio – Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Jacqueline Bisset, Sean Connery, John Gielgud, Anthony Perkins, Vanessa Redgrave –, que lhe valeu nova nomeação para o Óscar. O filme é uma das melhores adaptações de Agatha Christie ao cinema. E, para a autora, Finney foi o melhor Poirot. Se calhar, por isso mesmo, recusaria regressar à personagem em Morte no Nilo (seria a vez de Peter Ustinov).
Com John Huston, filmou Debaixo do Vulcão, onde é uma presença notoriamente “vulcânica”. O papel de ex-diplomata alcoólico mereceu-lhe a quarta e última nomeação para o Óscar de Melhor Actor. Antes, houvera a nomeação por O Companheiro, de Peter Yates, em que contracenou com outra figura decisiva do cinema britânico dos anos 60, Tom Courtenay; depois disso, ainda seria nomeado para os Óscares na categoria secundária pelo seu papel em Erin Brockovich, de Steven Soderbergh (2001). Sobre os Óscares, numa entrevista de 2003 ao defunto site Moviehole, citada posteriormente pelo Telegraph, explicou por que razão nunca sequer se dignou ir à cerimónia: “Estava em Londres. Era uma viagem que demorava muito, para depois chegar a uma festa longa e estar ali sentado seis horas sem poder fumar ou beber. Seria uma perda de tempo.”
Na mesma década de 70 fora o aspirante a detective privado de Passos Silenciosos, o filme de estreia de Stephen Frears, e o ambiente neo-noir assentar-lhe-ia também, anos depois, em História de Gangsters, dos irmãos Coen, lançado em 1990.
A partir dos anos 90, foi-se tornando uma espécie de secundário de luxo, recorrente em filmes de Tim Burton ou Soderbergh. O seu último grande papel num grande filme foi na despedida de Sidney Lumet, Antes que o Diabo Saiba que Morreste (2007), como patriarca da aziaga família protagonista, embora a sua carreira cinematográfica tenha durado até 2012, ano em que apareceu em 007: Skyfall, o filme da saga James Bond realizado por Sam Mendes.