Ricardinho: “Não vamos adiantar a minha reforma porque tenho coisas para ganhar”

Muito perto de se cumprir um ano após a conquista, por Portugal, do Campeonato da Europa de futsal, Ricardinho conversou com o PÚBLICO sobre o que falta à prática da modalidade no país e lá fora.

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Ricardinho Pedro Nunes

De fora para dentro da quadra e vice-versa. A actual palavra-chave para Ricardinho é “valorizar”. O melhor jogador de futsal do mundo por seis ocasiões, agora a jogar nos espanhóis do Inter Movistar, disse ao PÚBLICO que está apto para continuar a competir e a conquistar títulos colectivos e individuais. Mas reconheceu que já tem uma ideia muito própria do que fazer no futuro, depois de voltar a Portugal: ser embaixador, criar valor e expandir o futsal pelo mundo. No entanto, na visão do português, a FIFA deve trabalhar para o reconhecimento deste desporto como modalidade olímpica, ao mesmo tempo que espera que o futsal nunca seja afectado pelas polémicas que ensombram o futebol.

Participou nos últimos dois particulares da selecção nacional contra o Brasil [derrotas por 1-6 e 0-4]. Como é que se tem sentido fisicamente nos últimos tempos?
Sinceramente, sinto-me ainda muito bem, apesar dos 33 anos. As pessoas vão olhando para a idade, é normal, mas sinto-me bem e útil na selecção e no meu clube, que já falou comigo para renovar contrato. Infelizmente, estes últimos dois jogos não correram tão bem, jogámos contra uma selecção que está num patamar um pouco acima do nosso, mas nesta altura estamos preocupados com aquilo que interessa: o Mundial 2020.

Sente que logo a seguir ao Brasil, Portugal é a melhor selecção do mundo e/ou da Europa?
Temos a Espanha, a Rússia e o Irão, que poucas pessoas falam mas que tem também uma selecção muito forte. Nós quando ganhámos o Europeu criámos também uma expectativa muito alta nas pessoas. É óbvio que tivemos um grande momento ao ganhar a uma das melhores selecções do mundo, a Espanha, mas isso não quer dizer que se ganhas uma vez vais ganhar sempre e vais estar sempre por cima deles. Perdemos dois jogos com o Brasil, mas não quer dizer que eles ganhem à Espanha na terça-feira. Isto não é uma ciência exacta, mas é certo que isto vai dando uns indicativos da forma como está a selecção a preparar-se e o que pode acontecer no futuro.

Na minha opinião, o Brasil está um pouco por cima de nós, a Rússia já está no mesmo nível que o nosso, a Espanha está no mesmo patamar e depois depende da forma de cada um, como jogam e da inspiração. Com o Brasil perdemos o primeiro jogo por 4-0 mas mandámos cerca de dez bolas ao poste. Se a bola não entra, não marcamos golo.

Já foi quase há um ano [10 de Fevereiro] que a selecção nacional conquistou o Campeonato da Europa em futsal. Todas as suas promessas e as da equipa já foram cumpridas?
Quase todas (risos)! Está combinado desde aquele dia que vamos jantar todos os anos. Será num restaurante de um dos cozinheiros da selecção de futsal na altura, que já não está muito tempo connosco. Alguns de Lisboa estão a jogar no norte do país, outros são de lá e jogam em Lisboa, mas vamos encontrarmo-nos todos nesse final de semana para jantar com todo o staff. Acho que é uma data que temos de preservar porque não sei quando é vai voltar a acontecer.

10 de Fevereiro de 2018: que clique acha que o futsal teve depois desta conquista e o que ainda falta melhorar?
Cada vez acho que se dá mais importância ao futsal. Viu-se agora nestes dois jogos da selecção com pavilhões cheios. É óbvio que quando é Portugal mobiliza mais gente. A aposta da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) está a ser cada vez mais importante, especialmente com o Europeu de futsal feminino a acontecer por cá entre dia 13 e 15 de Fevereiro. Com a criação de escalões sub-17, sub-19, sub-21, a aposta está a ser grande. Estamos a crescer. Os jogos contra o Brasil já deram na televisão em sinal aberto e é importante que continuemos a dar na televisão para estarmos mais próximo do público. Se ganhamos uma coisa, como foi o caso do Europeu há relativamente pouco tempo, e depois deixamos de apostar, então, o nosso trabalho não está a servir para nada.

Que papel tem o seleccionador Jorge Braz como coordenador de todas as selecções de futsal incluindo as femininas? Que perspectivas tem sobre o desempenho delas na fase final do Campeonato da Europa?Nós questionámos muito a razão de termos dois jogos com o Brasil em Lisboa e irmos estagiar em Rio Maior, não fazia, entre aspas, muito sentido. Mas quando entendemos o objectivo, abraçámo-lo todos da mesma maneira. Era para transmitir todas as nossas sensações ao futsal feminino, que vai disputar o seu primeiro grande Europeu num pavilhão onde nós também já jogámos e não conseguimos o resultado que queríamos. Perdemos com a Espanha nas meias-finais, nos penáltis, e com a Rússia no jogo de terceiro e quarto lugares. O que nós queremos é que elas joguem e consigam trazer novamente um troféu para Portugal.

Sinceramente, a organização de Jorge Braz nesta estrutura é muito importante. Quando tu organizas toda uma estrutura de selecções a partir dos sub-15, masculinos e femininos, chegas à selecção A preparado. Agora, se não trabalhas nada com os mais jovens e estes chegam à equipa A com 22-23 anos, vão ainda ter de se preparar e ganhar experiência. Se já vens com alguma bagagem acho que é muito importante. É importante trabalhar da mesma forma com os escalões mais baixos até chegar ao A, onde já deves estar preparado e saber o que jogas e o que tens de fazer.

Falou, ao início, sobre os 33 anos de que se falam tanto e também que podia deixar a selecção nacional após o Mundial de 2020. Que futuro sente que pode ter no futsal quando deixar de jogar?
O futuro vai-se preparando a pouco e pouco. Ainda me sinto útil e forte para o desporto. Quero continuar a ganhar. Tenho tido muito feedback positivo do meu clube e da selecção. Aliás, a primeira conversa que tive com o Jorge Braz foi a pensar não ir ao Mundial. Mas ele com palavras e detalhes mostrou que eu ainda era necessário e importante para a equipa e por isso abracei esse projecto com muita alegria.

Claro que me quero sentir útil e quando isso deixar de acontecer, não estou aqui na selecção a fazer nada. É óbvio que ainda me estou a preparar e queria ser embaixador do futsal, não sei se com a FPF, com a UEFA ou a FIFA. Já tive vários convites, trocámos vários e-mails, mas logo veremos. Não vamos adiantar a minha reforma porque ainda tenho umas coisas para dar e para ganhar.

Com essa utilidade que a selecção nacional e o Inter Movistar lhe transmitem, sente que o que faz na sua posição alterou-se ao longo do tempo e da evolução do futsal?
Tenho que me cuidar mais. Ter mais cuidado com a alimentação, o descanso… Aos 33 anos já custa o que tens de recuperar após um jogo. Lembro-me que aos 22-23 anos jogava um jogo e no dia a seguir, na folga, ia jogar à bola outra vez. Hoje em dia já me custa mais. Tenho umas máquinas para me ajudar na recuperação, nas pernas, para não ficar com o ácido láctico que ficamos no dia de jogo.

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Ricardinho IGOR KUPLJENIK/Reuters

É preciso ter cuidado com essas coisas para que os jovens não passem por ti a voar e tu consigas ir atrás dele. Quero continuar a valorizar aquilo que faço bem: jogar, driblar e fazer aqueles golos impossíveis sempre com um grupo de jogadores à volta porque sozinho não dá para nada. No ténis é que dependes só de ti.

E a nível estratégico? O que Jorge Braz ou Jesús Velasco [treinador do Inter Movistar] lhe solicitam para fazer na quadra que antes não fazia?
As minhas funções no clube são totalmente diferentes daquilo que faço na selecção. Na selecção tento fazer acreditar junto dos outros jogadores que é possível, mostrar que eles também são bons. Nós portugueses temos a mentalidade do baixinho e pequeninho. Os de fora são sempre melhores. Temos de ter a capacidade de perceber que “ok, ele está ali, é bom, mas eu também sou, eu tenho as minhas qualidades e tenho de aproveitar”. O que tento mostrar aos meus companheiros é que mesmo que a gente não tenha as mesmas armas que os outros, conseguimos ganhar de alguma maneira, vamos procurar de alguma forma a estratégia e ganhar.

Às vezes é melhor uma má táctica e acreditar em todos do que uma boa táctica e ninguém acreditar e eu acho que foi isso que aconteceu na selecção no Europeu. A minha tarefa com a selecção tem sido essa. Para além de mostrar o meu jogo, ser um líder, fazer acreditar os mais jovens. No meu clube não, as condições são outras. Estamos a falar da melhor equipa do mundo, com os melhores jogadores brasileiros, espanhóis e portugueses. Aí sou mais o jogador que desequilibra, eles procuram ganhar espaços para mim para procurar a minha melhor arma que é o drible, o meu melhor passe. Jogamos de maneiras diferentes, mas sinto-me útil aqui e ali. Sou uma pessoa que se adapta a qualquer coisa.

O Inter Movistar é o crónico candidato a conquistar a Liga dos Campeões e vai reencontrar o Sporting numa fase final. Têm quase sempre vencido os “leões” nesta fase, o que é que lhes falta? Seria o próprio Ricardinho que esteve próximo de se mudar para Alvalade?
Lá está. Não ganhámos sempre ao Sporting porque perdemos com eles nas últimas duas pré-temporadas (risos). O que é certo que nas últimas duas finais ganhámos ao Sporting por 7-0 e 5-2, mas eles vão chegar lá com a aposta forte que estão a fazer na modalidade. Vai chegar a vez deles, mas espero que não seja contra nós. Mas [se isso acontecer] vou ficar feliz pelos meus amigos da selecção, que sei que estão há anos a batalhar para ter essa conquista. Mas se depender de mim adiá-la, vou adiar, seja contra eles, seja contra quem for, porque eu quero ganhar sempre.

A nossa equipa está a lutar sempre para ganhar todos os títulos. Nos últimos quatro anos ganhámos 14 títulos o que é algo incrível e queremos continuar nessa senda, mas sabemos que mais cedo ou mais tarde vai acabar. Quanto à questão do Sporting, sim é certo que eles fizeram a oferta, chegámos a acordo com a duração e valor do contrato. Mas quando estávamos próximos de fechar o acordo, o Inter mostrou tudo aquilo que podia ainda ser importante para eles. Sentia-me bem, com muito para dar e achei que não era a altura certa para sair.

O regresso a Portugal ainda se mantém?
Eu vou voltar a Portugal, não sei quando. Isso é certo. Pode ser aos 40 anos e fazer uma época... Não quer dizer que seja já. Quando digo que quero voltar a Portugal é porque tenho saudades de casa.

Voltando à conquista do Campeonato da Europa, incomodou-lhe mais tarde ter visto as comparações da sua lesão em Ljubljana com a de Cristiano Ronaldo na final do Euro 2016?
Naquele momento só tinha dores (risos). Se tivesse que acontecer outra vez isso para nós ganharmos eu faria o mesmo, não me importava nada. Preferia estar a jogar e estar a desfrutar de todos os minutos de jogo. O que eu gosto é de jogar à bola. Tens de perceber que estás num desporto colectivo e o mais importante é isso mesmo. Ganharmos em conjunto. Por nós termos sido campeões europeus é que eu fui eleito o melhor jogador, porque se não, não o era. Tens de perceber até que ponto o que é mais importante: a equipa ou tu.

Quer queiramos ou não, a lesão mexeu com todos e as pessoas já diziam que ia ser igual ao futebol e nós acreditámos tanto nesse conto que se tornou realidade. Chateado? Ficava chateado se me tivessem comparado a um jogador da esquina que ninguém conhece. Agora ao Ronaldo, que por acaso tem menos bolas de ouro que eu, mas é a nossa bandeira e ícone do desporto... Podem comparar o que quiserem (risos).

Por falar em talento, e não querendo massacrá-lo com a idade, o próximo melhor jogador do mundo de futsal estará em Portugal ou lá fora?
Isso é difícil. Na minha opinião, já tinha estado nomeado em 2008/09 para melhor do mundo e não ganhei. As pessoas falavam que a Liga não era competitiva, apesar de que já olharmos de maneira diferente para a nossa Liga… Eu tive de ir para fora para mostrar. Quase fui obrigado a emigrar. Estava em Portugal, ganhávamos, mas não era competitivo. Fui para o Japão, não era competitivo. Fui para a Rússia, não era competitivo. Tive que ir para a Espanha, ganhámos cinco anos seguidos e afinal já era bom. Parece que é obrigatório ir para lá. Começaram a valorizar as coisas de outra maneira porque vendem a Liga deles como a melhor do mundo.

Acho que o mais importante é continuar fazer a nossa Liga crescer, ter os melhores praticantes, chegar mais vezes às finais da Liga dos Campeões como o Sporting para que as pessoas olhem de outra maneira e comecem a respeitar a nossa Liga. Se chegarmos a esse patamar, vão olhar para os nossos jogadores e valorizá-los mais. Se não criamos esse crescimento, deixarmos de chegar longe com a nossa selecção e as equipas portuguesas deixarem de chegar às finais da Liga dos Campeões vai ser difícil. Eu acho que temos muito talento. Temos o Eric, o Tiaguinho, o Afonso que ainda não foi à selecção A e vários jogadores a aparecer e as pessoas têm que valorizar, ter ambição. Não podemos ser comodistas ao ponto de dizer “já estou no Benfica, vou à selecção, já estou bem e é por aqui que quero ficar”. Não, tem de se querer sempre mais.

Quando fui para o Japão queria ganhar muito dinheiro e ser o melhor lá. Quando saí para ir para a Rússia fui porque queria ser o melhor. E, uma vez mais, para falar sobre a idade, eu não tenho medo da idade. A idade não me assusta. Se me sentir bem fisicamente vou continuar, mas no próximo ano posso sentir-me mal, ter uma lesão e dizer que não quero jogar mais. Enquanto tiver o sentimento de que estou bem e posso ajudar, vou aqui estar.

Passou por outros países, mas Portugal e Espanha são os mais marcantes para si. São alguns dos países que têm presença assídua nas finais. Não será que estamos a criar uma visão muito centrada em poucas nações, tal como por exemplo no hóquei em patins?
Esse é o meu objectivo ao querer ser embaixador de futsal na UEFA. Poder levar o futsal a outros países. Enquanto não formos olímpicos, não vamos ser respeitados a nível mundial. Para sermos olímpicos temos de chegar a outros países. O futsal está a crescer, se calhar devagar. Não temos as mesmas condições financeiras do futebol.

O Ricardinho foi um dos jogadores a protagonizar negócios na casa do milhão de euros no futsal. O que pensa dessa carga financeira que é constante no futebol?
Enquanto não valorizarmos e formos para qualquer lado por qualquer preço, não vamos valorizar o futsal. Vemos jogadores a trocar de equipa constantemente e não há um valor envolvido. Quer dizer que contratas um miúdo, estás a apostar na sua formação, trouxeste-o, vou inventar… da Rússia. Estás a pagar a sua viagem, a sua família, se calhar até também estudos e vem um Benfica ou o Sporting que lhe diz para se juntar à sua equipa. A seguir não podemos fazer nada.

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Ricardinho Pedro Nunes

Então, que valorização estamos a dar ao teu trabalho? Ao teu clube que viu valor nesse atleta? Se tu valorizares isso e se o Benfica ou o Sporting derem 100 mil euros, já tens mais 100 mil euros para o teu orçamento que pode ser pequeninho comparado a Benfica e Sporting, mas onde podes investir para competir contra eles. Enquanto um clube grande contratar um bom jogador a uma equipa pequena sem qualquer compensação, vais sair sempre prejudicado. Não vais fazer crescer os pequenos e os grandes serão sempre mais fortes.

Ao mesmo tempo não deve querer ver que um jogador de futsal seja contratado por mais de 200 milhões de euros como Neymar…
O que eu não quero é que façam do futsal o futebol. É uma empresa. Só pensam em comprar para vender. Não queremos isso. Queremos chegar a um patamar alto, que nos valorizem, que tenhamos o nosso espaço também nos jornais e nas televisões. Valorizem tudo. Treinamos mais que o futebol, nós jogamos tanto durante o ano. Só não entendo por que é que não vendemos tanto. No futsal compras um jogador e não consegues vendê-lo. No futebol investes em 20% nos direitos de imagem do Neymar e no final de um ano ganhas 70% e ainda vais ganhar durante mais não sei quantos anos. Tudo isto é um negócio.

Apesar de tudo, continua a ver futebol?
Sim, continuo.

O que anda a acompanhar?
Mais o Real Madrid (risos). A minha namorada é do Real Madrid, tenho amigos no Real Madrid. Vou a casa deles, eles vão à minha. Ficámos todos amigos e vemos alguns jogos.

É inevitável perguntar se lá fora anda a ver o nosso futebol…
Já evitei responder ao que se passa no futebol português. Não porque não tenha visto e não saiba mais ou menos o que está a acontecer, mas vou estar a opinar sem saber, numa área que não é minha e não me sei mexer bem. Se responder a perguntas à minha maneira sobre esses assuntos vou acabar por ser mal interpretado e prefiro que tudo se resolva por si. Só digo que o futebol português tem muita qualidade, está a ser bem visto lá fora e com essas coisas pode deixar de o ser.

Então por que acha que não há tanta polémica com arbitragem no futsal?
Não há dinheiro. O futsal não é um negócio (risos) e como não o é as pessoas não entrem ali. Não vêem polémicas ou oportunidade de as criar. No dia em que o futsal chegar a esse patamar, que todos nós não queremos, os investidores vão atrás. Vai haver possibilidade de ganhar dinheiro e ter retorno fácil.

Tem receio de uma entrada “séria” e “cega” da UEFA no mundo do futsal?
A minha tristeza é que a FIFA não entre no futsal. A UEFA está a crescer e a fazer a sua aposta. Criou agora a sua primeira Liga dos Campeões de verdade e o primeiro Europeu feminino. Quando é que já viu um atleta de futsal numa gala da Bola de Ouro? Eu tenho seis e nunca fui lá. Qual é a valor que a FIFA dá ao futsal? Se não tivermos esse valor, não vamos conseguir esse respeito. Quando nós conseguirmos, e espero estar a ajudar nesse crescimento, o dia que isso acontecer, vou estar de consciência tranquila com a modalidade.

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