Quem quer tramar o PCP?
Os seus militantes podem até ser particularmente impolutos, mas se os jornais começarem a ir atrás do financiamento e do funcionamento do PCP, vão com certeza ter muito para contar.
Talvez lhe possamos chamar a “bloody Thursday” do Partido Comunista Português. Na quinta-feira, a revista Visão anunciava em reportagem que a Câmara do Seixal andava a pagar “horas extraordinárias aos trabalhadores para fazerem turnos da Festa do Avante!” e garantia que as “suspeitas de promiscuidade começam a ganhar força”. Na mesma quinta-feira, o Observador denunciava em reportagem a existência de uma “rede vermelha”, através da qual “cinco empresas de militantes ganharam mais de dois milhões em adjudicações de autarquias do PCP”. Ainda na quinta-feira, o programa de Ana Leal na TVI afirmava que a Associação dos Inválidos do Comércio, dirigida maioritariamente por militantes comunistas, estava a despejar “idosos para destinar prédios a alojamento local” e que a medida “partiu do pai de João Ferreira, eurodeputado do PCP” (e, já agora, cabeça de lista da CDU nas próximas eleições europeias), “um dos maiores críticos da chamada lei dos despejos e do alojamento local”.
Coincidência gira, não é? Não me entendam mal: tudo aquilo são notícias perfeitamente válidas, e ainda bem que vieram a público. Só que, de facto, são muitas, são muito diferentes, e todas foram divulgadas na mesma quinta-feira. É bizarro. Tão bizarro, que só vejo duas teorias para explicar isto.
1) A teoria conspirativa. As almas mais dadas à maquinação dirão que algum partido anda a soprar informações comprometedoras aos jornalistas. E, com boa probabilidade, um partido de esquerda, já que a direita não tem vantagens eleitorais na fragilização do PCP. Esse partido poderá ser o Bloco, que tem mantido aceso conflito com o PCP (ainda esta semana um membro do Comité Central acusou o Bloco de Esquerda, a propósito da Venezuela, de estar “ao lado dos interesses do imperialismo”); ou poderá ser o próprio PS, que depois de ter ajudado a dar cabo da reputação do Bloco à boleia do caso Robles, está a esforçar-se por demonstrar que não há ninguém a viver numa torre de cristal, nenhum partido puro e intocado, e que o PCP é igual aos outros quando se trata de premiar os seus fiéis.
2) A teoria investigativa. É uma teoria que podemos considerar mais cândida, no sentido em que defende apenas que a série de investigações paralelas às contas e aos procedimentos das câmaras do PCP vem na sequência do caso do genro de Jerónimo de Sousa. Naquela altura, a comunicação social poderá ter ficado particularmente interessada no tema, lançando-se numa série de trabalhos jornalísticos que acabaram por coincidir no timing de divulgação.
O giro destas duas teorias é que, em última análise, vão dar ao mesmo. O caro leitor pode escolher à vontade, porque no fim esbarra nisto: um partido acossado por um conjunto de casos embaraçosos, em relação aos quais o PCP tem reagido com rapidez, mas mal, e em linguagem socrática (título do comunicado dirigido ao Observador: “A propósito de mais uma peça difamatória”; título do comunicado dirigido à TVI: “PCP repudia insistência caluniosa e manipulatória da TVI”). Com mais poder vem maior responsabilidade, e com maior responsabilidade vem mais escrutínio – um dos efeitos colaterais do encosto do PCP ao poder é uma atenção maior às suas actividades, e é duvidoso que o partido esteja preparado para ser minuciosamente examinado, como se está a ver. Os seus militantes podem até ser particularmente impolutos, mas se os jornais começarem a ir atrás do financiamento e do funcionamento do PCP, vão com certeza ter muito para contar.