No combate à corrupção "o que falha não é a polícia, é a política"
Três perguntas a João Paulo Batalha. O presidente da direcção da Transparência e Integridade alerta para a relação íntima que existe entre o aumento da percepção da corrupção e o recuo das democracias.
João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade — Associação Cívica, lamenta que não exista em Portugal "vontade em assumir a corrupção como um problema nacional que tem de ser combatido nas várias frentes". E alerta para o risco que essa falta de combate representa para a qualidade da democracia, como se vê em tantos outros países do mundo: "É por terem falhado no combate à corrupção que as democracias liberais estão em risco. Os cidadãos desistem da democracia quando sentem que a democracia desistiu deles e que as instituições públicas estão capturadas por interesses privados", afirma.
O que mais justifica a estagnação de Portugal no índice de percepções da corrupção? É a falta de vontade política em combater o fenómeno ou o funcionamento da justiça nos últimos anos, que investigou crimes cometidos por políticos numa escala sem paralelo em Portugal? A maior assertividade da Justiça tem provavelmente feito a diferença entre a estagnação e a queda. O que falha não é a polícia, é a política. Não há vontade em assumir a corrupção como um problema nacional que tem de ser combatido nas várias frentes, quer de sensibilização, quer de prevenção, quer de repressão. Continua a ser um tema tabu. Ora, se o problema não é assumido não pode ser combatido. E se não é combatido, os peritos externos não registam avanços. Ficamos parados, à espera que as coisas mudem sozinhas. A estagnação neste índice nos últimos sete anos é o retrato perfeito da inércia dos poderes públicos em Portugal.
Que recomendações a Transparência Internacional faz às instituições portuguesas para que esta situação possa melhorar significativamente nos próximos anos? E qual tem sido a resposta prática? Todos os investidores olham para este Índice quando decidem investir ou não num país. Não aumentaremos a atractividade da nossa economia enquanto não acabarmos com este marasmo no combate à corrupção. Isso exige medidas em várias frentes, que vimos recomendando desde 2010 — desde melhorar o acesso dos cidadãos à informação até prevenir conflitos de interesses e a captura das instituições pelos grandes lóbis, passando por questões práticas como o combate ao branqueamento de capitais, o reforço da integridade na contratação pública ou a protecção aos denunciantes. Não falta conhecimento nem faltam propostas de soluções. Falta é vencer as enormes reservas que os responsáveis políticos têm em lidar com o assunto. Quando agem, é em resposta ao escândalo do dia e para tentar aplacar a opinião pública sem pensar de alto a baixo um sistema de integridade pública coerente e eficaz. Vamos queimando tempo e queimando oportunidades.
Num momento em que, a nível global, se verifica um retrocesso do número de democracias liberais em todo o mundo, que reflexos tem esse facto na percepção da corrupção nesses países? É precisamente por terem falhado no combate à corrupção que as democracias liberais estão em risco. Os cidadãos desistem da democracia quando sentem que a democracia desistiu deles e que as instituições públicas estão capturadas por interesses privados. Nesse quadro tóxico, um político autoritário que prometa mão firme contra a corrupção torna-se atraente – mesmo que esse político autoritário queira tomar o poder para beneficiar do Estado corrompido. A corrupção combate-se com mais democracia, não é com menos. Mas isso exige que os democratas estabelecidos, nos partidos tradicionais, percebam que é este o combate urgente das democracias liberais contemporâneas.