Cultura de Segurança num mundo de incertezas
Os Serviços de Informações constituem um ativo estratégico de Portugal. Os desafios são enormes, e complexos.
É evidente a velocidade, escala e imprevisibilidade a que as mudanças se sucedem, desde a política à economia, das mentalidades aos comportamentos. A incerteza é, por paradoxo, o elemento estável com que podemos contar.
Estes tempos, voláteis e ambíguos, trazem desafios difíceis para as Democracias, que são campo fértil para agentes promotores da desconfiança e do medo, rastilhos de populismos e de extremismos que visam minar o contrato social que sustenta o Estado de Direito, usando bandeiras como a crise económica, a corrupção e a imigração.
A (in)Segurança assume um lugar central nas preocupações dos cidadãos europeus. A manipulação dos sentimentos de insegurança serve aqueles que visam uma alteração, por meios ilegítimos, do establishment.
Os fatores de risco e as ameaças, com relevo para o terrorismo jihadista internacional, são reconhecidos e apresentam-se com contornos agravantes, porque sendo assimétricos e desterritorializados tornam muito mais exigente a sua neutralização.
A era digital permitiu o acesso generalizado a informação, conhecimento e educação. No seu reverso, serviu de plataforma à difusão de novas formas de terrorismo, de crime organizado, de espionagem e de desinformação como arma política de longo alcance.
A via digital não distingue as news das fake news, a informação da propaganda. O advento da inteligência artificial pode trazer, ainda, novos riscos. Além disso, a auto regulação do ciberespaço está longe de ser conseguida.
Estes fatores têm contribuído para a evolução do próprio conceito de segurança e para a configuração de políticas públicas eficazes num ambiente global que já não se compadece com a divisão clássica entre segurança interna e externa, nem com arquétipos obsoletos de políticas públicas de segurança nacional.
Exige-se uma abordagem abrangente e integrada dos fenómenos com implicações securitárias, a única que permitirá compreender as diferentes dimensões e aumentar a probabilidade de os conter. Tal implica uma visão de largo espetro, englobando temas diversos como alterações climáticas, escassez de recursos, crises humanitárias e grandes ciclos de depressão económica.
Os Serviços de Informações estão na primeira linha da avaliação e da prevenção dos fatores de risco e das ameaças, mas também da definição do ambiente de segurança, dos seus equilíbrios e pontos de rutura. São um pilar essencial para a preservação da soberania e independência nacionais e para a defesa dos interesses e dos cidadãos portugueses. Constituem, por isto, um ativo estratégico de Portugal.
Os desafios são enormes, e complexos. Estamos cientes dos perigos que nos afetam diretamente, ou afetam o contexto internacional onde nos inserimos geográfica e politicamente. Mas é, precisamente, para os contextos de mudança e de incerteza que os Serviços de Informações estão vocacionados, procurando pressentir e interpretar indícios e tendências, de forma a identificar os perigos e a evitá-los.
Não podem fazê-lo de forma isolada. A cooperação é vital, no contexto da comunidade das informações, das forças e serviços de segurança, das forças armadas, das instituições públicas e, também, dos cidadãos. A segurança é – e mais do que nunca – uma responsabilidade coletiva. O conhecimento sobre riscos e ameaças ao país e ao mundo é um direito, mas também um dever, de cidadania.
Enquanto serviços públicos, sujeitos a escrutínio do público, à fiscalização rigorosa e isenta por parte de órgãos próprios e à obrigação de prestar contas em termos custo/benefício, os Serviços de Informações nacionais — o SIED – Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o SIS – Serviço de Informações de Segurança —, integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa, iniciaram, há anos, um caminho de aproximação aos cidadãos, procurando contribuir para a consolidação de uma cultura de segurança comum.
Desde logo, através de iniciativas de sensibilização para o papel das informações na salvaguarda de um espaço de liberdade e de redução de ameaças e, também, para programas dirigidos para o robustecimento das infraestruturas críticas e proteção do conhecimento, por exemplo contra atos de terrorismo ou de espionagem, junto de entidades públicas e privadas.
As transfigurações a que este texto alude têm de traduzir-se por intervenções concretas, seja nas adaptações orgânicas e operacionais dos Serviços de Informações, seja na adequação do seu quadro legal e dos recursos humanos, materiais e operacionais.
Esta premissa não se compadece com uma visão pró-minimalista dos meios de atuação dos Serviços de Informações portugueses, sob pena de estes perderem eficiência e de ficarem em desvantagem perante os seus congéneres — e face a potenciais agentes desestabilizadores. O sucesso dos Serviços de Informações na execução da sua missão, e que assenta predominantemente no pilar da Prevenção, está condicionado pelos meios de que dispõem e pela paridade que assumem no xadrez dos compromissos e alianças internacionais.
Foi iniciado o caminho de capacitação dos Serviços de Informações, face aos desafios enunciados: no plano interno, com aposta séria no reforço de quadros e na modernização das tecnologias de informação; no plano político, com a aprovação e implementação da designada “lei dos metadados”, bem assim com a ponderação de outras iniciativas legislativas que respondam, de facto, às necessidades existentes.
A discussão pública em torno daquele diploma mostra que já se ultrapassaram estigmas do passado e que não há alarme social face à possibilidade do reforço, fiscalizado, e seguindo os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, das competências do SIED e do SIS, sempre norteados pela defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.
Portugal não está imune a nenhum risco ou ameaça, seja qual for a sua origem ou natureza. Na Europa, assistimos a fatores de desagregação em expansão, desde os movimentos antieuropeístas e antissistema, à reemergência de populistas e extremistas violentos e a potenciais agentes terroristas. Os Serviços de Informações estão cientes da responsabilidade que sobre eles recai nestas matérias e mantêm o espírito de missão e a resiliência face à mudança e à incerteza, no âmbito das competências e dos limites que legalmente lhes estão atribuídos. Este é o compromisso para com a segurança e a defesa dos interesses e dos cidadãos nacionais.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico