Porto. Avenida dos Aliados. O edifício nobre com ar de palacete desenhado pelo arquitecto italiano Michelangelo Soá e construído no ano de 1925 acomodou nos anos 30 um dos mais luxuosos cafés da cidade. O Café Monumental transformou-se depois na Pensão Monumental para, aos poucos, a sua fachada se tornar sombria, quase fantasmagórica aos olhos de quem por lá passou nas últimas décadas. Já foi um stand automóvel, já foi sede de campanha política. Recuperou finalmente a sua monumentalidade graças à visão do empresário Mário Ferreira e ao investimento da cadeia francesa Maison Albar Hotels (MAH), que assim entrega à cidade o Le Monumental Palace, um novo hotel de cinco estrelas, fachada neogótica, em plena Avenida dos Aliados, o palco da cidade.
"Era um lugar de entretenimento, um lugar muito frequentado pelas pessoas na época. Tinha uma orquestra, tinha sala de snooker. Aos poucos foi perdendo essa identidade. Foi-se transformando", aponta Floris Boyen, director do Le Monumental Palace, que sofreu três anos de obras de requalificação desenvolvidas pela Mystic Invest, de Mário Ferreira. O hotel foi depois adquirido pelo grupo Paris Inn, passando integrar a marca Maison Albar Hotels, que opera sob a chancela LHW (The Leading Hotels of the World).
"As obras começaram literalmente do zero", recorda. "Ficou a fachada. Tudo o resto é novo." Os primeiros documentos a que a equipa teve acesso são de 1923, "pequenos anúncios no jornal que mostraram o lettering", agora decalcado, e "fotos antigas espectaculares". O resto passou por uma "investigação" digna de um romance policial, "esquinas e vigas trabalhadas" encontradas entre muros abalroados, "corrimões e pedaços de mármore" escondidos atrás de uma parede ou esquecidos no vão de uma escada. "Respeitou-se muito isso", diz o belga Floris Boyen. "E serviu de inspiração para os decoradores. Um dia à noite, ainda em obra, disseram-me 'somos meio espiões'".
Para quem não conhece a história toda, o Le Monumental Palace, elegante e engalanado, parece que esteve fechado desde os anos 1920 para reabrir as suas portas no século seguinte depois de devidamente espanado. Lá dentro brilham memórias originais, como o corrimão da escadaria ou a grandiosidade do pé-direito, que lhe confere a monumentalidade de outrora. A par da recuperação estrutural, a decoração da dupla Artur Miranda/Jacques Bec, da Oitoemponto, recriou com elegância o espírito e ambiente Art Déco e Art Nouveau, icónico dos anos 30. Se o tempo destruiu o miolo do edifício, quem o restaurou manteve-lhe a alma.
Este é "o sonho" de Mário Ferreira — um investimento de 30 milhões de euros. "Nós colocámos a cereja", assume Boyen, apaixonado por antiguidades e design. A marca indelével da MAH começou a fazer-se sentir na Primavera de 2018 com a revisão dos desenhos, a escolha da cor das paredes pele de pêssego e principalmente com a definição de espaços e de conceito dos mesmos. Nada foi deixado ao acaso — nem sequer os ímanes costurados na bainha das longas cortinas que se unem num passe de mágica. "Detalhes fabulosos", descreve o belga. Um sem-fim de espelhos grandiosos em sulcos de talha dourada, candeeiros exuberantes, longos metros de mármore portuguesa e de tapeçaria com padrões requintados, objectos escolhidos a dedo em diversos antiquários e que dão forma ao glamour da biblioteca e dos corredores de acesso aos quartos que, pela forma, fazem lembrar as carruagens do Expresso Oriente. "Caro hóspede, agora que chegou, aproveite para relaxar. Já preparámos tudo o que é necessário para desfrutar de uma boa noite. Bonne nuit!"
O Monumental, que tem a sua inauguração oficial marcada para o dia 29 de Janeiro, conta com 40 quartos superiores e 23 deluxe, aos quais se juntam nove suítes Audacieuse e quatro outras suítes (os preços começam nos 200 euros), cujas dimensões variam entre os 28 e 87 m2 (a tarifa de balcão assinala 3000 euros por uma noite nesta Suite Monumentale). Para além disso, destacam-se três espaços dedicados à restauração (o Bar Américain, o Café Monumental e o restaurante Le Monument, dedicados ao melhor da cozinha francesa com assinatura do chef Julien Montbabut, proveniente de Paris, onde conquistou uma estrela Michelin no Le Restaurant), assim como o Le Monumental Nuxe Spa (das 9h30 à 20h), o primeiro da marca francesa em Portugal. Estamos rodeados de mármore por quase todos os lados — num é exibida uma parede/cascata de azulejos multifacetados. Piscina interior aquecida, sauna, turco, duas salas de tratamento e um duche Vichy fazem deste recanto com 350 m2 um pequeno paraíso — com especialistas, tratamentos de assinatura, toalha quente nos pés, esfoliante caseiro (à base de mel, aveia e pepitas de cacau), tisana de beterraba, clementina e lima e música na frequência certa. Raro.
Pode dizer-se que a componente gastronómica, de inspiração gaulesa, é uma das grandes apostas do Monumental. Para além da requintada sala de pequenos-almoços (um privilégio dos clientes do hotel), qualquer pessoa pode experimentar os cocktails mais clássicos e de autor do Bar Américain ou sentar-se no Café Monumental, uma brasserie ao estilo parisiense que quase invade a Avenida dos Aliados como uma projecção do prestigiado café que um dia ali marcou presença (a partir da Primavera voltará a ter orquestra a tocar desde a mezzanine). Aqui pode fazer uma refeição completa ou apenas uma visita ao carrinho de sobremesas.
Com formação na École Grégoire-Ferrandi e passagem pelas cozinhas de La Grande Cascade, Julien Montbabut tem como objectivo principal (ainda hoje cita Christian Le Squer, três estrelas Michelin no Restaurant Le Cinq) "impressionar as pessoas com os produtos". Em conversa com a Fugas, assume o terroir como o segredo da cozinha francesa. "Esse conjunto de terras exploradas por uma comunidade rural é que define a nossa cozinha, é essa riqueza dos produtos regionais que faz a riqueza da cozinha francesa. Isso e uma longa história gastronómica", sublinha o agora chef do restaurante Le Monument, que tem mais vontade de conhecer os produtos portugueses do que reinterpretar as receitas locais. "Reinterpretar uma francesinha, que não sei fazer, ou um bom arroz malandro, seria um erro. Prefiro explorar o terroir, os ingredientes, os peixes de Matosinhos e dos Açores (um arquipélago que me interessa muito), os produtores de carne, etc, mais do que as receitas portuguesas. Não é o meu papel reinterpretar a cozinha portuguesa. Seria desajustado, até. Há chefs portugueses que o sabem fazer melhor".
O parisiense Julien, uma gastronomia origami, decomponível, admite que a base da sua cozinha "é a base da cozinha francesa". "Os molhos e condimentos, os sucos e todos os caldos... está no meu ADN", diz o chef que chegou ao Porto em Setembro do ano passado com a esposa e chef pasteleira Joana Thöny (que dá nome a uma grande degustação de sobremesas, a provar no sentido dos ponteiros do relógio). "As pessoas saem muito para comer, mas os hábitos alimentares são completamente distintos dos franceses. Durante as últimas semanas coloco-me na pele de um italiano que vai experimentar restaurantes em Paris." "Concentrado no hotel" e nas 31 pessoas com quem trabalha os diferentes espaços, nos próximos tempos Julien Montbabut quer "conhecer fornecedores", "experimentar restaurantes" e "respirar o mar, o rio e as pontes" do Porto. "Paris é magnífico, mas o mar muda tudo", confessa quem já foi conhecer a costa até aos "grelhadores de peixe em Espinho".
Coisas simples. "Um grande benefício deste espaço", explica Floris Boyen", é a sua história e a importância para a cidade". "Queremos deixar isso bem claro para os locais: há uma porta aberta para vocês. Há pessoas que entram e dizem 'o meu pai vinha aqui tomar café'. Este é um lugar para a cidade. A autenticidade local não se pode perder. Queremos contar essas histórias. Temos que manter esse caminho, o sense of place, local and character. O visitante que chega à cidade tem que ter acesso ao Porto, às coisas simples".
A Fugas esteve alojada a convite do Le Monumental Palace