Sair da bruma?
O Governo fez a sua parte: uma proposta coerente, clara na opção política, moderna e com visão de futuro. A partir de agora, a palavra ao Parlamento. Sairemos da bruma?
As avaliações internacionais evidenciam os excelentes resultados do sistema de saúde português. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é considerado a maior realização da democracia portuguesa, poderoso instrumento de inclusão e de coesão social, promotor do combate às desigualdades, pilar essencial do desenvolvimento económico e social do País. A par da sua importância, são também reconhecidas as dificuldades de organização e financiamento, que condicionam e originam uma fraca atractividade para a classe média. A carecer de reformas: estimular as PPP a produzir métodos de gestão hospitalar que possam aproveitar a todos, alargar as formas de remunerar os profissionais em função do desempenho para criar as condições para reter no SNS os melhores e mais competentes, estimular os profissionais das USF a marcar presença no atendimento à doença aguda, dar sustentabilidade à rede de cuidados continuados, tornar habituais e inteligentes as iniciativas de promoção da saúde, responsabilizar as administrações dos serviços, premiando as capazes e expulsando as incompetentes, são exemplos de reformas necessárias e urgentes.
A revisão da Lei de Bases da Saúde trará estas reformas? Seguramente não! Mas será uma boa oportunidade de clarificação política. De um lado, a bruma dos interesses onde se sentem confortáveis os peitos doridos de tanto bater com a mão nas juras de amor ao SNS e os pregadores de frequentes orações de penitência por ofensa ao deus mercado. Exemplo recente deste ambiente nebuloso foi a convenção nacional de saúde realizada em junho passado (curiosamente realizada no mesmo local da recente convenção da direita portuguesa). Como alternativa, uma atitude de clarificação política sobre a forma de encarar a saúde e a prestação de cuidados: sector económico em que o mercado falha exigindo intervenção pública para que o interesse geral possa prevalecer.
O Governo apresentou a sua proposta com posição clara em todos os aspectos essenciais: na relação público-privado, o Estado pode contratar serviços ao sector social e privado sempre que não tenha capacidade de resposta; nas PPP, a gestão dos estabelecimentos de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas; o financiamento do SNS é assegurado pelo Orçamento do Estado, em função de critérios demográficos, sociais e de saúde; aos seguros de saúde é exigida clareza nas condições contratuais e nos limites de cobertura; as taxas moderadoras devem ser limitadas; o estatuto de cuidador informal deve ser preparado através de formação e informação; devem ser criados, de forma progressiva, mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas dos recursos humanos da saúde.
O Governo fez a sua parte: uma proposta coerente, clara na opção política, moderna e com visão de futuro. A partir de agora, a palavra ao Parlamento. Sairemos da bruma?