SNS: um dano colateral da política do Governo Costa
Hoje, o SNS está basicamente ligado à máquina, não numa unidade de cuidados intensivos, mas antes numa unidade de cuidados paliativos, fortemente descontinuados.
1. Os números da mortalidade infantil, revelados no dia de ontem, são deveras preocupantes. Na verdade, o agravamento anual em 26% é enorme e não se mostra imediatamente compreensível. Este índice deixa a todos e a cada um de nós um gigantesco sinal de alarme e de alerta. Um sinal de alarme que não pode passar despercebido. Como pode Portugal regredir tão substancialmente – mesmo que venha a tratar-se de uma singular oscilação anual – num dos critérios que mais diz sobre as suas políticas de saúde? Diante de um dado desta importância e natureza, por mais oportuno que fosse falar sobre a situação política europeia ou nacional, tem de se parar para pensar. Importa, pois, sem fazer qualquer aproveitamento demagógico deste número, olhar, em termos gerais, para a política de saúde do Governo Costa e para as consequências que ela teve e tem sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
2. Tomemos três exemplos recentes, já do consulado da nova ministra, que ilustram bem o estado a que chegámos. Na semana passada, eclodiu a crise da farmácia hospitalar do Hospital de S. João, no Porto, logo seguida do alerta, dado pela Ordem dos Farmacêuticos, para os graves riscos para a saúde dos doentes por ruptura iminente de muitas das farmácias hospitalares. Na primeira semana de Janeiro, deu-se a crise da falta de médicos anestesistas na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa; crise imediatamente coroada pelas declarações escandalosas da Ministra sobre a disponibilidade para pagamentos principescos a médicos. Quinze dias antes, fora revelado o entupimento da cardiologia no Hospital de Gaia, exponenciado pelo encerramento de camas diferenciadas no Hospital da Feira, que deixou sem cuidados próprios um conjunto de casos absolutamente inadiáveis. Estes são apenas três exemplos, em poucas semanas, da situação a que chegou o Serviço Nacional de Saúde.
Não vale a pena fazer o elenco das notícias singulares e esparsas que saem todas as semanas. Mas, sim, importa registar: não há uma única semana em que não venha a lume mais uma grave ruptura, paralisia ou encerramento de um serviço de saúde. Já era assim com o ministro Campos Fernandes, mas tudo se precipitou e acelerou com a posse da nova ministra. A cada semana, do Minho ao Algarve, há um centro de saúde que não funciona, uma enfermaria que não tem enfermeiros, um serviço hospitalar que recusa doentes, aparelhos de diagnóstico que deixaram de funcionar, salas de operação que estão fechadas, camas diferenciadas que foram extintas, consultas sem fim que foram adiadas, cirurgias remarcadas para as calendas gregas. Com a greve dos enfermeiros, muito visível e altamente diabolizada, ainda houve a tentativa desesperada do Governo Costa e da sua ministra de ensaiar uma fuga para a frente: a crise na saúde é da responsabilidade dos enfermeiros. Sim, os enfermeiros, malvados, é que estavam em vias de destruir o SNS em que o Governo PS tanto se empenhara. Pois bem, basta ler as notícias diárias ou semanais, falar com os profissionais e ouvir os utentes e os seus familiares, para perceber que o SNS está num perigosíssimo plano inclinado. Esta gravíssima situação, em alguns casos de desmantelamento e derrocada, foi criada paulatina e conscientemente pelo governo Costa, através de uma espécie de boicote orçamental contínuo.
3. Ao contrário das juras de amor que todos os dias faz, o Governo Costa desferiu o mais rude golpe de que há memória no SNS. Nestes mais de três anos, com uma constância e persistência de que ninguém suspeitaria, conseguiu desmantelar peça a peça, profissional a profissional, unidade a unidade, o SNS.
Nunca nos tempos da troika, o sistema de saúde foi objecto da incúria, do abandono e da secundarização a que o Governo do PS o votou. Ao contrário, durante os anos duros da intervenção externa, o Governo de então, ciente das grandes dificuldades da população, e pela mão do ministro Paulo Macedo, empenhou-se em manter o essencial da qualidade de prestação do SNS. Hoje, o SNS está basicamente ligado à máquina, não numa unidade de cuidados intensivos, mas antes numa unidade de cuidados paliativos, fortemente descontinuados. E tudo isto, porque para a dupla Costa-Centeno, o SNS é e foi apenas um instrumento de gestão – porventura, “o instrumento” – da sua habilidosa política orçamental. Não que sejam malévolos ou maquiavélicos e desejem o seu fim. Mas, para criar a ilusão de que havia mais uns euros no bolso e de que se cumpriam as metas europeias, foi preciso negligenciar e deixar para trás o SNS. O SNS foi encarado, pois, como um puro dano colateral para atingir outro tipo de objectivos políticos. Basta ver o desprezo e indiferença a que foi sujeito o antigo ministro Campos Fernandes para o perceber. E se se olhar então para a ministra Temido, e para a forma ziguezagueante com que anda a tentar tapar o sol com a peneira, está fácil de ver que nada mudou. Bem ao invés. É raro uma ministra, insuflada de sangue novo, estar numa situação tão isolada, tão complexa e tão frágil. Anda sempre sozinha, amiúde com ar sôfrego e desorientado, de quem salta sem rede, a tentar apagar os fogos que por todo o lado deflagram, desdobrando-se em declarações, raras vezes certeiras ou felizes.
Na carta política de Costa e do seu governo, o SNS é instrumental e secundário. Não são os anúncios nem os projectos para nova Lei de Bases que atestam as prioridades políticas. É a ambivalência da política orçamental, que prefere dar 10 merecidos euros mensais a garantir serviços de saúde em tempo, quantidade e qualidade. Porque os 10 euros mensais dão no olho e os serviços de qualidade dissolvem-se na azáfama dos dias. Já em tempos de balanço da legislatura, há algo que se afigura evidente: a saúde não foi apenas o parente pobre da política orçamental ambivalente de Costa-Centeno. A saúde é o dano colateral dessa política. O SNS sai exaurido desta legislatura e, com ele, o que podia aproveitar-se de um são Estado social.
Não. "Brexit". A apresentação do Plano B por Theresa May não augura nada de auspicioso. O impasse e a divisão entre os legisladores britânicos permanece. Ninguém sabe o que esperar.
Não. Mário Centeno. À medida que o horizonte económico internacional vai piorando, começa a perceber-se a causa do crescimento, que se deve basicamente à indução externa.