O Ocidente está cada vez mais desconfiado da chinesa Huawei
Têm-se espalhado suspeitas de que a China utiliza a empresa para espiar outros países. Fundador nega: "O equipamento não tem ideologia."
A gigante chinesa Huawei tem sido alvo de crescente escrutínio de governos de vários países do mundo.
Há alguns dias, a Universidade de Oxford, no Reino Unido, baniu indefinidamente a aceitação de bolsas de investigação ou apoios dados pela tecnológica. A universidade justificou a decisão com base em "preocupações públicas que emergiram nos últimos meses sobre as parcerias do Reino Unido com a Huawei". Semanas antes, os aparelhos da empresa foram proibidos de serem utilizados nos serviços governamentais de Taiwan.
No centro do debate, estão receios antigos de que a China está a utilizar a fabricante de telemóveis e aparelhos de telecomunicações como uma forma de espiar nações rivais. Um dos argumentos é que o fundador da empresa, Ren Zhengfei, trabalhou na área de tecnologia do exercício do chinês ao longo da década de 1970, antes de se juntar ao Partido Comunista Chinês e que, como tal, a empresa será controlada pelo partido. É algo que Zhengfei – que fundou a Huawei em 1987 – desmente.
Em Dezembro, Meng Whanzhou, número dois da empresa e responsável pelas finanças da Huawei, foi detida no Canadá por acusações de fraude nos EUA. Whanzhou, que é a filha do fundador da empresa, é suspeita de ter disfarçado movimentos bancários relacionados com negócios com o Irão, escapando às sanções económicas impostas pelos EUA àquele país do Médio Oriente.
As suspeitas do Ocidente cresceram no começo do ano depois de um empregado da empresa ter sido detido na Polónia por acusações de espionagem (desde então, foi despedido), e de os EUA confirmarem estar a investigar a empresa por roubo de segredos comerciais.
A Austrália e a Nova Zelândia estão entre os países que já impediram fornecedores locais de utilizar componentes da Huawei nos seus produtos e excluíram a empresa chinesa das suas novas redes 5G (a quinta geração de telecomunicações móveis) por receio de espionagem. A Alemanha pondera fazer o mesmo.
Somam-me preocupações da agência nacional de cibersegurança britânica (NCSC) sobre falhas nos processos de engenharia da Huawei que expõem as redes de telecomunicações britânicas a riscos como um ataque cibernético. Em 2018 a Huawei e a ZTE, outra fabricante de tecnologia chinesa, já tinham sido acusadas de representarem uma ameaça à segurança dos EUA num relatório da Câmara dos Representantes.
Equipamento Huawei "não tem uma ideologia"
O fundador da empresa já negou as acusações de espionagem e de controlo por parte do Partido Comunista Chinês. E alertou, numa conferência de imprensa com jornalistas internacionais em Shenzhen, na semana passada, que a pressão contra a tecnológica chinesa nos EUA pode estar a atrasar a chegada de redes móveis rápidas a zonas rurais do país.
"Algumas pessoas no ocidente acreditam que o equipamento da Huawei está estampado com algum tipo de ideologia. Isso é tão ridículo quanto as pessoas que destruíam as máquinas têxteis durante a revolução industrial, porque acreditavam que máquinas avançadas perturbariam o mundo", disse Zhengfei. "Nós apenas fornecemos equipamentos para as operadoras de telecomunicações. Esse equipamento não tem uma ideologia."
“Eu era um técnico para uma empresa nas forças militares, e depois tornei-me o vice-presidente de um pequeno instituto de investigação sobre construção, com um pouco mais de 20 pessoas”, clarificou Zhengfei sobre o seu tempo no exército chinês. “Alguns países decidiram não comprar equipamento da Huawei. Como tal, podemos reorientar o nosso foco para servir os países que aceitam a Huawei."
A transcrição da conversa com o fundador da Huawei foi publicada na integra no jornal de Hong Kong South China Morning Post, que publica em inglês. As perguntas sobre a filha, Meng Whanzhou, ficaram por responder. “Como devem ter noção, o caso com a Meng Wanzhou está actualmente em procedimentos legais. Por isso, temos de deixá-lo aos procedimentos legais. Não posso providenciar grande comentário", disse. E acrescentou: "Como pai da Meng Wanzhou, tenhou saudades dela."
Num comunicado divulgado nesta segunda-feira, a Huawei nota que a empresa é a quinta que mais investiu no sector de investigação e desenvolvimento (R&D) no ano passado. A empresa cita dados do Painel de Avaliação de Investigação e Desenvolvimento da União Europeia.
O PÚBLICO contactou a Huawei para esclarecimentos adicionais. A empresa optou por comentar apenas o caso na Austrália e na Nova Zelândia. "Como um líder global de equipamento de telecomunicações, continuamos motivados a desenvolver soluções seguras e de confiança para os nossos consumidores. O equipamento 5G da Huawei já está a ser implementado por distribuídores em todo o mundo", lê-se num comunicado enviado por email.
Desde Agosto, a Huawei ocupa o segundo lugar do pódio de smartphones mais vendidos em todo o mundo, atrás da sul-coreana Samsung. Até então, a posição era ocupada pela Apple. Os valores são da consultora IDC, que nota que a empresa enviou 52 milhões de aparelhos para o retalho no terceiro trimestre de 2018.
Até agora, apenas a Telus, uma das maiores empresas de telecomunicações no Canadá, falou a favor da empresa.
“É evidente que a Huawei se mantem um participante viável e de confiança no espaço de telecomunicações canadiano, reforçado por liderar globalmente em termos de inovação, medidas de segurança extensas, e actualizações do sistema”, lê-se numa nota interna, assinada por um executivo da empresa, que foi partilhada pelo jornal canadiano Globe and Mail.
Na semana passada, o embaixador do Canadá, Lu Shaye, também alertou sobre as repercussões em bloquear os serviços da Huawei no Ocidente. “Tenho sempre receio que o Canadá tome as mesmas decisões que os EUA, que a Austrália, que a Nova Zelândia. Acredito que não é justo, porque as acusações não são baseadoas em factos”, disse Shaye numa conferência de imprensa.
Na China, já há sugestões a favor da proibição de tecnologia norte-americana no país. É algo com que Zhengfei discorda. “Quando incidentes inesperados deste tipo acontecem, como empresas dos EUA que decidem parar de comprar telemóveis da Huawei, há pessoas na China que dizem que devíamos fazer o mesmo na China com os iPhones da Apple. A minha opinião é de que o Governo chinês não deve fazer isto”, diz o fundador da Huawei. “Mesmo com os percalços que temos encontrado em alguns países do Ocidente, continuamos a querer que a China, como um país, se torne mais aberto. Acho que a China pode ser mais próspera apenas quando se tornar mais aberta.” E rematou: "Eu apoio o Partido Comunista Chinês. Mas nunca farei algo para prejudicar outra nação."
A controvérsia da Huawei no Ocidente está a aumentar desde que a China e os EUA estão envolvidos numa guerra comercial. Em Setembro, os EUA avançaram com taxas alfandegárias mais altas sobre 200 mil milhões de dólares de importações da China. A disputa está temporariamente suspensa, como parte de uma trégua de 90 dias, até dia 1 de Março. O vice-primeiro-ministro chinês vai estar em Washington nos dias 30 e 31 de Janeiro para discussões bilaterais.
Editado 19h40: Clarificado que o South China Morning Post é uma publicação de Hong Kong que é uma região administrativa especial da China.
Editado 23 de Janeiro de 2019, 18h00: Foram acrescentadas as declarações da Huawei.