Criticadas ou ignoradas, as obras no Martim Moniz arrancaram
Obras na praça arrancaram esta semana. O projecto, que mereceu fortes críticas da população, parece estar a passar ao lado dos comerciantes que têm os seus negócios voltados para a praça. Poucos sabem o que será o novo Martim Moniz.
É certo que a Pastelaria Capelo é pequena, mas Carlos Capelo, 68 anos, não tem mãos a medir para tirar todos os cafés que os clientes lhe pedem no fim de almoço. Está ali há 25 anos e já viu o Martim Moniz mudar várias vezes de cara. Desta vez, ainda não sabe bem o que vai acontecer.
“Não conheço bem o projecto, mas a nós não faz diferença”, começa por dizer, ainda que a intenção de requalificação da praça seja criar uma zona de restauração que Carlos espera que não se torne concorrência.
Entre os comerciantes do Martim Moniz, poucos sabem o que vai acontecer à praça. Os tapumes de obra foram recentemente colocados, o que indica que o projecto que prevê para aquele espaço a instalação de contentores — que substituirão os quiosques que até há uns meses preenchiam a praça —, criando áreas de restauração e comércio, estão mesmo a avançar, mesmo depois de ter estado debaixo de críticas de munícipes e de todos os partidos do executivo, à excepção do PS.
Geoffroy Moreno, accionista da Moonbrigade Lda., empresa que ficou com a concessão da praça, confirmou o início dos trabalhos e a data prevista para a abertura do novo mercado: Junho de 2019. Em Dezembro, depois de conhecido o primeiro projecto e de terem chovido críticas, Moreno anunciou algumas alterações e disse logo que as obras se iniciariam no princípio do ano.
Ainda assim, Carlos espera que seja para melhorar a praça. “Se os contentores forem bonitos pode ficar bonito”, diz.
Teresa Romão, que trabalha nos armazéns Apolo, abertos no Martim Moniz há mais de duas décadas, diz só ter sabido do projecto pelos jornais. “O quê, contentores no meio da cidade? Nem pensar”, critica. Roxana Morshed, que também ali trabalha, diz que só reparou que a praça estaria para mudar quando viram os comerciantes dos quiosques a arrumar as coisas para se irem embora.
Maria Eugénia, que trabalha nas Galerias Mundial, não sabe de nada. Esta seria a resposta mais ouvida nos diversos estabelecimentos em que o PÚBLICO entrou. Ou não conhecem o projecto, ou sabem muito pouco sobre ele. Ainda assim, quem tem uma opinião está contra os contentores: “Não gostei. Acho que descaracteriza muito uma área que tem um contexto clássico”, diz Michel, 31 anos, que trabalha numa loja de artigos de cortiça junto à praça.
Junta e oposição lamentam avanço do projecto
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que desde a apresentação pública do projecto se tem manifestado contra ele, não quis fazer comentários sobre o assunto e remeteu para a mais recente edição da revista da junta, publicada em Dezembro. No editorial, Miguel Coelho defendia que “a população deve ser auscultada e respeitada antes de qualquer decisão definitiva ser tomada” e criticava novamente os contentores. “É mais uma solução confusa, ruidosa e “stressante” que continua o bulício da cidade e da sua zona histórica, quando o que se impunha era um corte, no sentido de tornar o Martim Moniz uma antecâmara agradável para diversas zonas habitacionais. Lamentamos a persistência no projecto, apesar das cosméticas feitas pelo promotor e anunciadas recentemente.”
A posição de Miguel Coelho contrasta com a de Fernando Medina, que dizendo abertamente que o projecto “não é o melhor” e “não é o ideal” para a praça, também afirmou que ele “é bem melhor do que aquilo que lá está hoje”.
O PÚBLICO questionou a autarquia esta sexta-feira sobre o início das obras, tendo fonte do município afirmado que os trabalhos agora iniciados terão em conta as “alterações introduzidas na sequência do debate público e das reuniões entre os moradores e o concessionário promotor”. Que implicam, por exemplo, que “não exista vedação, que haja mais mobiliário urbano e ainda que o revestimento com elementos vegetais” nos contentores seja reforçado.
Segundo aviso de obras colocado nos tapumes que rodeiam agora a praça, a empreitada foi licenciada a 20 de Novembro, no mesmo dia da apresentação pública no Hotel Mundial, que pretendia recolher contributos da população. E o alvará de obras de urbanização foi emitido a 14 de Janeiro, diz a autarquia.
Na câmara, quase todos os partidos criticaram os contentores e o PSD propôs mesmo a realização de um concurso internacional de ideias para decidir o que fazer da praça. João Pedro Costa, vereador social-democrata, lamenta que a proposta do partido ainda não tenha sido agendada para discussão. “O bom senso e o pudor aconselhariam a que se aguardasse pela votação da proposta antes de se começar as obras”, critica, deixando uma pergunta a Medina: “O que é que tenciona fazer se a proposta do PSD for aprovada?”
Para os sociais-democratas, esta “é uma má decisão” e “deve ser a câmara a assumir o desenho da cidade e não o concessionário”. Igual posição manifesta Ana Jara, vereadora do PCP, que diz ter “enormes reservas em relação ao que a câmara de Lisboa está a propor para a cidade”. A vereadora sublinha ainda o facto de o projecto está a ser levado a cabo “à revelia da população e da do restante executivo”. Sobretudo o facto de o projecto de requalificação ter sido licenciado no mesmo dia da sua apresentação pública.
“Aquela participação foi fictícia e fora de prazo”, acusa. “Há aqui uma maneira de fazer cidade que nos levanta as maiores dúvidas, em que os privados decidem sobre um espaço que é público”, nota Ana Jara.
Já João Gonçalves Pereira, do CDS, diz não estar surpreendido. “Medina não tem em conta a opinião das forças políticas e dos lisboetas. É uma marca negativa de ‘quero, posso e mando’”, censura.
Do lado do Bloco de Esquerda — que tem um acordo com o PS para a gestão da cidade —, o vereador Manuel Grilo lamenta que o projecto do novo investidor do actual concessionário “vá para a frente contra a vontade da população”. Numa declaração escrita enviado ao PÚBLICO, o vereador refere que, em Novembro, na sessão pública no Hotel Mundial, a população foi “clara quando se fez ouvir” ao defender que “não quer uma solução de contentores estilizados”. “Quer uma solução aberta e que não obrigue à concessão de toda uma praça a privados. Lisboa e neste caso, o Martim Moniz, merece um urbanismo participado”, defende Manuel Grilo.
Michel admite preferir outros projectos de cidadãos que foram sendo divulgados e dão outro rosto à praça. Quanto aos contentores, não os quer ali. “Por que é que não se faz isso junto ao Tejo?”, sugere.
Artigo corrigido ás 16h30 do dia 21 de Janeiro: Ao contrário do que se lia, o PCP não defendeu a a realização de um concurso internacional de ideias para a praça do Martim Moniz, mas sim um processo participação pública