Da alfaiataria se fez uma tasca japonesa

O novo espaço Namban é a cara de Sako e de Miguel: delicado e amável, saboroso e criativo. É caso para dizer que antes-de-ser-bom-já-era-bonito.

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Sako e Miguel conheceram-se em Londres Nelson Garrido

No número 346 da Rua dos Bragas já morou um alfaiate. Não há qualquer vestígio da alfineteira ou riscos de giz pela longa régua de madeira, mas lá dentro trabalha-se da mesma forma artesanal, com delicadeza, agulha e dedal, amabilidade e sustentabilidade.

Os mais atentos lembrar-se-ão das bento box, marmitas biodegradáveis cheias de divisões e de experiências sensoriais, e da mercearia mais pequena do Porto, uma minimontra nas Galerias Lumière onde Sako e Miguel diariamente iam exibindo os seus oniguiri (bolinho de arroz) e outras receitas japonesas que ela, quimono vestido e malga a fumegar no logótipo do projecto, começou a assimilar naturalmente desde criança. "A minha mãe trabalhava dez horas como designer gráfica e o meu pai fazia Arquitectura e Design e leccionava na universidade. Tinham uma vida agitada e por isso comecei aos sete anos a cozinhar para a família", explica Sako Arao, cujo uso da língua portuguesa evoluiu à velocidade de confecção dos seus cozinhados — a marinar, muito lentamente.

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Tudo o que provamos antes-de-ser-bom-já-era-bonito Nelson Garrido

Sako nasceu em Tóquio, Miguel no Porto, Ramalde. Ele foi estudar Planeamento Regional e Urbano na Universidade de Aveiro e trabalhou como desenhador em gabinetes de arquitectura antes de, "frustrado", ter ido para Londres estudar Design. Foi ali que conheceu Sako, que estudava escultura e trabalhava em metal (foi professora primária na capital inglesa cerca de 12 anos).

Durante algum tempo, o projecto Namban teve um espaço com cozinha e algumas mesas na mesma galeria comercial, mas só agora está onde quer — livre do "estigma enraizado" vais-para-uma-galeria-comes-comida-rápida —, com montra de rua, luz natural e um espaço de criatividade que já chamam de "segunda casa". "E quem é que nós levamos a casa? Os nossos amigos. E os teus clientes, mais tarde, se forem assíduos, tornam-se teus amigos. Somos tão pequenininhos que os dois temos tempo suficiente para falar com eles e para partilhar experiências. No tempo dos nossos avós era isso que acontecia", diz Miguel.

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Sako ganhou tempo e liberdade para experimentar muito mais Nelson Garrido

Da montra rabiscada ao número 346 da Rua dos Bragas foi "um processo". "O crescimento do nosso tipo de negócio, que é pequeno e pessoal, tem que ser sustentável por uma razão económica mas principalmente para não descaracterizar o projecto em si. A forma como a Sako cozinha é muito pessoal. Está enraizada na sua cultura e cresce com as experiências ao longo da vida, as viagens que fizemos, as nuances que vai tirar do outro lado do mundo (como as bolinhas turcas)." "Se fosse um crescimento muito rápido", defende Miguel, "tudo isto se ia perder".

Sako ganhou liberdade para experimentar muito mais. Agradece quem se senta no espaço que parece uma tasca de design onde tudo o que provamos antes-de-ser-bom-já-era-bonito. "Nunca quisemos um espaço onde as pessoas se sentissem intimidadas", justifica Miguel, normalmente de chapéu, muitas vezes feito com as próprias mãos. "Aqui faz-se tudo", avisa. Tirando algumas obras estruturais, Miguel e Sako pensam e executam. Decoração e menu — escrito em português, inglês e japonês.

As mesas com bases de escola do tempo do Estado Novo e tampos de mármore de Estremoz (da centenária casa portuense Felisberto) de raiado simples, os candeeiros feitos de sobras de produção da fábrica de burel ou com tulipas da Marinha Grande, cortiça e pedaços de madeira que sobram de outras peças, os frascos gigantes de ginger ale caseiro, todas as bebidas de fruta da época fermentada a que chamam refrescos ("hoje temos feijoa, mas já tivemos figos verdes, abrunhos..."), as compotas (hoje há frascos de figo verde e gengibre ou de kiwi bebé) e as sobremesas vegan sem açúcar nem glúten (dia de pudim de sementes de sésamo, feijão azuki doce, coulis de kiwi e kiwi fresco ou sensai de maçã, shiratama-mochi, pasta doce de feijão branco e amêndoa torrada).

A lista tem sempre disponíveis dois pratos (um deles vegan) Nelson Garrido
O espaço fecha ao domingo e à segunda-feira Nelson Garrido
Por questões ambientas, o Namban deixou de fazer takeaway
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A lista tem sempre disponíveis dois pratos (um deles vegan) Nelson Garrido

"Aqui temos mais coisas, temos mais tempo", resume Sako, com algumas regras indispensáveis na sua cozinha, onde os produtos frescos são biológicos, onde não se desperdiça nenhuma parte dos vegetais ("usamos desde o caule até à folha") e onde se pratica uma alimentação balanceada para uma digestão balanceada. Não lhe chamam comida macrobiótica, mas Sako assume que cresceu com essa disciplina. Miguel traduz: "A comida é quase como a música, une as pessoas. Em qualquer parte do mundo, se te sentares à mesa e tiveres comida e bebida consegues falar, ainda que não fales a língua."

O Namban Oporto Kitchen Café aceita cães (o Natsumaru não perdoaria os seus donos), não tem multibanco, está fechado ao domingo e segunda-feira e só serve diariamente até às 17h (a cozinha encerra às 15h). Sako começa a preparar tudo às oito da manhã. Às terças-feiras é servido um prato fixo (caril japonês e arroz integral com peito de frango de campo desfiado com opção vegan com abóbora manteiga e leite de coco) e a lista tem sempre disponíveis dois pratos (um deles vegan), bem como opções de pequeno-almoço (torrada de pão sourdough de arroz ou panqueca sourdough de trigo sarraceno; natto, um alimento tradicional japonês feito de soja fermentada, ou omelete japonesa servida com arroz, sopa e pickles caseiros). Por questões ambientas, o Namban deixou de fazer takeaway, usa pauzinhos não descartáveis e vai deixar de ter guardanapos de papel. Em breve, o saguão nas traseiras também ganhará vida (plantas e duas mesas).

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Miguel gosta de ter tempo para os seus clientes Nelson Garrido
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