Trump terá dito ao seu advogado para mentir ao Congresso
Notícia do Buzzfeed acusa Donald Trump de tentativa de obstrução da Justiça. Democratas dizem que vão investigar e que, a ser verdade, o Presidente deve demitir-se.
A pressão de alguns sectores do Partido Democrata para que a sua liderança abra um processo de impeachment contra Donald Trump subiu nas últimas horas, depois de o site Buzzfeed ter noticiado que o Presidente dos EUA instruiu o seu antigo advogado a mentir ao Congresso sobre a construção de um projecto imobiliário de luxo em Moscovo.
Em causa está uma negociação entre a empresa de Trump, representada pelo advogado Michael Cohen, e empresários e políticos russos com vista à construção de uma Trump Tower na capital russa.
Essas conversações decorreram entre Outubro de 2015 e prolongaram-se até ao Verão de 2016, quando já se sabia que Trump ia ser nomeado candidato do Partido Republicano à Casa Branca.
O caso está a ser investigado pela equipa do procurador especial Robert Mueller, que tenta perceber se esse interesse imobiliário (com um possível lucro de 300 milhões de dólares) tem alguma ligação às suspeitas de manipulação russa da campanha eleitoral norte-americana a favor de Trump e contra a sua adversária, Hillary Clinton.
Duas versões
Mas esta sucessão de acontecimentos só foi conhecida no ano passado, quando o FBI fez uma rusga aos escritórios e à casa de Michael Cohen, em Nova Iorque.
Meses antes, ainda em 2017, o advogado tinha contado uma versão diferente às comissões do Congresso que investigam as suspeitas de ingerência russa. Segundo essa primeira versão de Cohen, as conversações com os empresários russos só decorreram entre Outubro de 2015 e Janeiro de 2016, quando ainda nem sequer tinham começado as eleições primárias no Partido Republicano – ou seja, não havia motivos para desconfiar de Trump, porque em Janeiro de 2016 ninguém acreditava que o magnata iria ser o escolhido no seu partido, quanto mais vencer as eleições presidenciais.
Só que Michael Cohen acabaria por ceder à pressão da equipa de Mueller e, em Novembro passado, disse em tribunal que mentiu nas cartas que enviou ao Congresso. Afinal, as negociações com os russos em nome da empresa de Trump, que viriam a ser abandonadas, continuaram durante a campanha.
Para além disso, e ao contrário do que dizia o Presidente, o advogado disse em tribunal que tanto Trump como alguns dos seus familiares foram mantidos ao corrente das negociações com os russos.
Obstrução?
Mesmo depois da admissão de Cohen, em Novembro passado, os defensores do impeachment no Partido Democrata ainda não tinham nada de substancial para justificarem a abertura de um processo formal. Apesar de os democratas estarem agora em maioria na Câmara dos Representantes (o local onde tem de ser votada a abertura do processo de impeachment), a líder da câmara, Nancy Pelosi, tem dito que só avançará nesse sentido com provas muito concretas.
É por isso que a notícia publicada na noite de quinta-feira pelo Buzzfeed é importante: se vier a ser confirmada pelo relatório que vai ser feito pelo procurador especial Robert Mueller, este é o primeiro sinal verdadeiramente importante de que o Presidente norte-americano pode ter tentado obstruir a Justiça – um crime que pode justificar a abertura de um processo de impeachment.
Citando sob anonimato dois agentes federais que fazem parte das investigações, o Buzzfeed diz que a equipa de Robert Mueller tem testemunhas, e-mails e outros registos de que o Presidente Trump instruiu Michael Cohen a mentir nas cartas que enviou ao Congresso em 2017. Ou seja, segundo esta versão, Trump é acusado de tentar obstruir a Justiça.
Durante a campanha eleitoral, Trump garantiu várias vezes que não tinha quaisquer negócios na Rússia. E quando a segunda versão de Michael Cohen foi conhecida, no ano passado, o Presidente norte-americano chamou mentiroso ao seu antigo advogado – uma acusação que repetiu esta sexta-feira, no Twitter, aparentemente em reacção à notícia do Buzzfeed, mas citando o jornalista da Fox Kevin Corke.
"Não se esqueçam, o Michael Cohen já foi condenado por perjúrio e fraude, e esta semana o Wall Street Journal sugeriu que ele até pode ter roubado dezenas de milhares de dólares...", disse Corke.
Depois, em Dezembro, a CNN revelou uma carta assinada por Trump com um acordo preliminar para a construção da torre em Moscovo, mas isso não era suficiente para se dizer que o Presidente se arriscava a ser alvo de um processo de impeachment – afinal, mentir aos eleitores em campanha não é um crime, muito menos um crime passível de destituição.
Divisão sobre o impeachment
Em reacção à notícia do Buzzfeed, o líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, Adam Schiff, do Partido Democrata, disse que vai investigar o caso.
"As alegações de que o Presidente dos EUA pode ter induzido o perjúrio perante a nossa comissão, numa tentativa de cercear a investigação e encobrir os seus negócios com a Rússia, são das mais graves até à data. Faremos o que for preciso para descobrir se é verdade", disse Schiff no Twitter.
Também no Twitter, o congressista Joaquin Castro e o senador Chris Murphy falaram abertamente de um impeachment. Para Castro, "se a notícia for verdade, o Presidente Trump deve demitir-se ou ser alvo de um impeachment", e Murphy deixa um recado aos investigadores: "Mueller não deve concluir o seu inquérito, mas está na hora de ele mostrar ao Congresso as suas cartas antes que seja tarde demais para agirmos."
Estas declarações são importantes porque o Partido Democrata está dividido entre dois grandes grupos na questão do impeachment.
De um lado, no grupo de Nancy Pelosi, estão os congressistas que só querem avançar se o procurador especial Robert Mueller vier a apresentar fortes indícios de crimes graves, já que um processo de impeachment sem uma base sólida pode virar-se contra os seus responsáveis – foi isso que aconteceu quando o Partido Republicano tentou destituir, sem sucesso, o Presidente Bill Clinton, na década de 1990.
Do outro lado estão muitos dos novos congressistas, jovens eleitos em Novembro em nome de eleitorados mais progressistas. Com a notícia de que o Presidente Trump pode ter tentado obstruir a Justiça, estes congressistas estão a pressionar ainda mais os seus líderes no Partido Democrata.
O impeachment é um processo político que se decide no Congresso – um Presidente não pode ser destituído com base em acusações nos tribunais comuns.
Para começar, é preciso que a Câmara dos Representantes vote a favor da abertura do processo, com uma maioria simples. Como o Partido Democrata está em maioria, não será difícil que isso aconteça se os congressistas se unirem.
Depois disso, é preciso que o Senado, no papel de um tribunal, condene o Presidente que está a ser alvo de um impeachment, mas com uma maioria de dois terços – ou seja, para que o Presidente Trump seja efectivamente removido do cargo, é preciso que uma parte dos senadores do Partido Republicano queira derrubar o seu próprio Presidente.
Para que haja alguma possibilidade de isso vir a acontecer, é preciso que o procurador Robert Mueller reúna provas sólidas de crimes muito graves, como traição – muitos analistas não acreditam que os senadores republicanos aceitem destituir o Presidente Trump mesmo que fique provado que ele tentou obstruir a Justiça.
Em toda a História dos Estados Unidos, só três Presidentes foram alvo de processos de impeachment, mas nenhum foi removido do cargo.
Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, chegaram a ser julgados pelo Senado, mas foram ilibados. E Richard Nixon demitiu-se em 1974, depois de a Comissão de Assuntos Judiciais da Câmara dos Representantes ter recomendado o seu impeachment, mas ainda antes de uma votação geral na mesma câmara.