PPP: ponto de situação da Psicologia em Portugal
A Psicologia vive ainda assombrada por mitos dos quais só se libertará quanto se afirmar como ciência merecedora de mais espaço público e mais valorização. Quer pelas pessoas, quer pelo legislador. Um dia, espero que para breve, ir ao psicólogo será tão natural como ir ao médico de família.
Foi na década de 60 que se criou e leccionou o primeiro curso de Psicologia em Portugal. Desde aí, foi preciso chegarmos à década de 80 para que a Psicologia fosse considerada uma licenciatura, tal como já eram na altura as outras ciências. Desde então, os avanços da ciência psicológica em Portugal têm sido tímidos e feitos de conquistas importantes, mas que passam muitas vezes despercebidas à sociedade civil.
Fomos contribuindo nas escolas, nos hospitais, nos centros de saúde, nas prisões. Recentemente, fomos chamados a prestar apoio às vítimas de Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, na sequência dos fogos que devastaram as regiões.
Autênticos agentes da mudança, os psicólogos contribuem de forma activa na e para a sociedade, através, por exemplo, da promoção a saúde mental, do sucesso escolar, de novas formas de recrutar, de orientar carreiras, de prevenir comportamentos, de actuar sobre conflitos ou aconselhar e avaliar.
Hoje em dia, não é por falta de profissionais competentes que faltam nos estabelecimentos prisionais psicólogos de acompanhamento ou para contribuir para uma bem-sucedida reinserção profissional.
Hoje em dia, não é por falta de profissionais competentes que faltam nas escolas psicólogos para orientação profissional para os alunos em transição, ajudar a lidar com emoções, motivação ou insucesso.
Hoje em dia, não é por falta de profissionais competentes que as pessoas não usufruem de serviço de psicologia em hospitais ou centros de saúde, para puderem viver sem sofrimento.
Então, se não será por falta de profissionais, por que é que as respostas continuam a ser insuficientes? Que espaço falta à psicologia reivindicar? Por que é que continua a existir um psicólogo por agrupamento escolar? Por que é que os centros de saúde e as administrações hospitalares não têm mais margem de manobra para reforçar os seus quadros de pessoal em matéria de saúde mental? Por que é que continuamos a valer-nos de estágio em estágio, em vez de apostarmos em carreiras continuadas e fortalecidas? Carreiras essas que beneficiariam os destinatários das nossas intervenções, pela estabilidade oferecida no acompanhamento.
Segundo dados da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), mais de um quinto dos portugueses sofre com problemas do foro mental, sendo a perturbação de ansiedade a mais prevalente. Sabemos que é cada vez mais difícil conciliar trabalho, vida pessoal e consequentemente tratar da nossa saúde. Temos, então, tempo para ir ao psicólogo?
Recentemente foram anunciadas mais contratações de psicólogos por parte do Estado central, como reforço e aposta na saúde mental dos portugueses (e consequente valorização dos psicólogos). No entanto, como foi sabido, a contratação limitou-se a 40 vagas, para um universo de milhares de profissionais. Segundo notícia do PÚBLICO: “As vagas abertas para psicólogos clínicos são basicamente para o Norte (17) e o Centro (17), sobrando seis para a região de Lisboa e Vale do Tejo. Já no caso dos nutricionistas, a maior parte das vagas (31) é para Lisboa e Vale do Tejo. Para o Norte há apenas duas vagas, enquanto para o Centro e para o Algarve são disponibilizados três lugares para cada, e, para o Alentejo, uma.”
A Psicologia enquanto ciência credível e profissão essencial tem muito com que se preocupar. Cabe, sim, aos psicólogos apostar na dinamização dos seus serviços, das suas mais-valias e dos benefícios de se recorrer a um profissional — seja em contexto clínico, educacional, escolar, organizacional, desportivo, de recrutamento e selecção, na justiça, na investigação criminal e em tantos outros contextos. O que falta, então, actualmente, para além de questões contratuais e burocráticas?
Falta a valorização, a aposta no nosso trabalho, uma desmistificação daquilo que é o nosso papel e a nossa razão em intervir. Falta, sobretudo, compreendermos enquanto sociedade que somos movidos sempre por uma dose de emoção, regidos por processos mentais e cognitivos, e que isso também falha de tempos a tempos. É humano, é como somos.
Falta sabermos e termos como actuar sobre os dados que nos indicam que ainda apostamos na solução fácil e rápida do comprimido, que temos tendência para descurar a aposta nas soluções estruturais e de longo prazo; falta renegarmos a procura pela “solução imediata” e olharmos para a caminhada como uma oportunidade de crescimento e descoberta de novas realidades; falta, sobretudo, sabermos que, com conhecimento mais informado sobre os benefícios de uma boa saúde mental, todos temos mais a ganhar. Em suma, falta sabermos e entendermos que ir ao psicólogo não é “para malucos”.
A Psicologia vive ainda assombrada por mitos dos quais só se libertará quanto se afirmar como ciência merecedora de mais espaço público e mais valorização. Quer pelas pessoas, quer pelo legislador. Um dia, espero que para breve, ir ao psicólogo será tão natural como ir ao médico de família.