Regime de caudais no Guadiana permanece no impasse

Ministro do Ambiente afirmou em 2017 ser “obrigação de Portugal honrar o que falta cumprir da Convenção de Albufeira” e comprometeu-se a fazê-lo até ao final de 2018. Não cumpriu.

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evr enric vives-rubio

O ano de 2018 chegou ao fim e o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, não conseguiu alcançar o objectivo que anunciou durante a XX Reunião Plenária da Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC), realizada no Porto em Novembro de 2017: cumprir a Convenção de Albufeira, concretamente a definição dos caudais no troço internacional do rio.

Confrontado, nessa reunião, pelos jornalistas com uma crítica da Zero que visava as autoridades espanholas por não terem assegurado, entre 1 de Outubro de 2016 e Novembro de 2017, os caudais acordados para os rios Douro, Tejo e Guadiana, o governante português fez uma revelação: “Espanha cumpriu a Convenção de Albufeira com pequeníssimas excepções e fez um grande esforço para poder cumprir”. O mesmo não se poderia dizer de Portugal por “ainda não ter definido qual o regime de caudais do troço internacional do Guadiana”, destacou Matos Fernandes, frisando ser uma “obrigação honrar o que falta relativamente à Convenção de Albufeira”, organismo que define as normas para a protecção e o desenvolvimento sustentável das águas transfronteiriças, assinado em 1998.

Neste sentido, disse ter mandatado a CADC para que esse objectivo pudesse ser alcançado em 2018, quando se celebravam os 20 anos da sua assinatura. Mas entrados em 2019, não foi dado conhecimento de que tal tenha ocorrido.

O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao ministro do Ambiente e o seu porta-voz reconheceu não ter sido possível alcançar um acordo bilateral sobre o regime de caudais a aplicar no troço internacional do Guadiana: “Portugal, conjuntamente com as autoridades espanholas, encontra-se a desenvolver diligências no âmbito do Grupo de Trabalho ad hoc sobre o regime de caudais do Guadiana no Pomarão.” Já se realizaram, em 2018, reuniões bilaterais em Portugal, no decurso das quais foram analisadas e discutidas as propostas apresentadas pelos representantes dos dois países. Os trabalhos previstos “não estão concluídos, pelo que ainda não existe acordo nesta matéria” avança o Ministério do Ambiente.

Assim, enquanto os dois países não acordarem no volume de água que deve ser escoado para o Guadiana Internacional, a partir do Pomarão, continuarão a ser debitados 2 metros cúbicos por segundo (m3/s), de caudal médio diário, regime “estabelecido unilateralmente por Portugal em 2005”, volume que Espanha tem relutância em aceitar. Recorde-se que nada ficou definido no texto da convenção sobre o caudal que o Alqueva terá de libertar para o Guadiana. Aguarda-se agora que Matos Fernandes veja consumada, em 2019, uma alteração à Convenção de Albufeira.

Na exposição que fez sobre a Revisão da Convenção de Albufeira na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação da Assembleia da República, em Maio de 2018, Pedro Serra, membro do grupo de trabalho, reconheceu que a convenção “tem sido benéfica” para os dois países “sobretudo para Portugal”, como ficou patente no ano hidrológico 2016/2017. Apesar da severidade da seca meteorológica, "nunca a água deixou de chegar a Portugal ao contrário do que sucedeu em anos semelhantes do passado”, compara Pedro Serra, reportando-se aos registos históricos.

Pedro Serra realçou aos deputados da comissão parlamentar o elevado número de barragens construídas em território espanhol que “fazem parte do problema”, sobretudo pelo impacte que têm no estuário do Guadiana. Do lado de lá da fronteira, é possível armazenar cerca de 9,5 mil hectómetros cúbicos de água enquanto as barragens existentes na bacia do Guadiana em território português retêm cerca 4,5 mil hectómetros cúbicos. Além disso, o efeito barreira retém sedimentos e nutrientes e provoca o assoreamento da foz do Guadiana em Vila Real de Santo António. Mas também fazem parte da solução por ser possível armazenar água em tempo de abundância para utilizar nos períodos de escassez e “domar” um rio que ao longo de milhares de anos se revelou tempestuoso e imprevisível.

O regime de caudais do Guadiana tem alimentado a controvérsia entre os dois países ibéricos. Nem mesmo o acordo assinado na Cimeira de Albufeira em 30 de Novembro de 1998 superou o contencioso. As autoridades espanholas reclamam “um regime de caudais semelhante ao existente em Badajoz” e não os actuais caudais médios diários de 2 m3/s. O que ainda não acontece.     

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