Quem ganha com a construção do “apeadeiro” do Montijo?
Vejamos quais são as nove miragens criadas pelo Governo para suportar a opção do Montijo.
A Associação Peço a Palavra (APP) liderou, com êxito, em 2016, a luta pela reversão da privatização total da TAP. Essa vitória permite agora, desde que o Governo assim o queira, a intervenção do Estado nas orientações estratégicas da companhia, em nome do interesse público.
Em 2018, demos também o nosso contributo, juntamente com diversas associações e movimentos ambientais, autarcas e associações empresariais, para travar a prospecção, pesquisa e exploração de petróleo e gás ao largo da nossa costa marítima. Agora, sentimo-nos na obrigação de alertar os portugueses para a anunciada construção de um novo aeroporto no Montijo, uma decisão tomada sem auscultar os portugueses, desprezando todos os estudos de impacto ambiental realizados até hoje e que apenas favorece uma empresa francesa — a Vinci.
Convém lembrar que o Governo de Passos Coelho decidiu concessionar a ANA — Aeroporto à Vinci, que já era um dos accionistas de referência da Lusoponte, além de deter a Sótecnica, uma empresa para o negócio da construção.
A utilização da Base Aérea n.º 6 do Montijo, como complemento da “Portela”, permitiria, assim, à Vinci, a construção do que já foi considerado um “apeadeiro”, além da requalificação da “Portela” e da construção da terceira travessia do Tejo (TTT) e de novos terminais fluviais.
É bom ter consciência de que este anúncio, apresentado como a melhor solução para o alegado estrangulamento da “Portela”, não passa de uma forma de adiar a discussão sobre a necessidade de construir um novo aeroporto de Lisboa (NAL), o que ocorrerá mais tarde ou mais cedo, visto que o Montijo, além de outros inconvenientes, nunca teria condições para ser mais do que um aeroporto complementar.
O adiamento da construção do NAL permitiria, isso sim, à Vinci aumentar os seus lucros através da construção das infra-estruturas acima mencionadas, do aumento de receita na Ponte Vasco da Gama e da activação da cláusula indemnizatória constante no contrato de concessão.
Não podemos esquecer que o NAL começou a ser estudado em 1969 e que, em 1972, foi apresentado um relatório final — Estudo da Localização do NAL —, com 12 possíveis localizações, tendo a B.A. n.º 6 do Montijo sido liminarmente excluída; e que, em 2007, o Campo de Tiro de Alcochete (CTA) foi a localização escolhida para o NAL.
Vejamos quais são as nove miragens criadas pelo Governo para suportar a opção do Montijo.
Urgência
O Governo afirma que o Aeroporto Humberto Delgado está esgotado, o que é falso. O eng.º Antonoaldo Neves, CEO da TAP, afirmou recentemente que “com o investimento necessário, o Aeroporto Humberto Delgado pode receber mais 15 milhões de passageiros por ano”, referindo que apresentou um estudo que comprova que o aeroporto de Lisboa está subutilizado em 20% da sua capacidade.
Rapidez de construção
O CTA previa a sua construção por fases, faltando demonstrar que a conclusão do “apeadeiro” do Montijo seria mais rápida do que a conclusão da 1.ª fase do NAL no CTA; até porque, para esta localização, já existe aprovação de estudo estratégico ambiental, que, pelo contrário, foi reprovado para o Montijo.
Custos
Os custos para a construção do NAL no CTA são do domínio público, contrariamente aos custos da opção do Montijo. São ainda desconhecidos os custos com terminais fluviais, barcos, equipamento rodoviário e de eléctrico/metro de superfície e as contrapartidas negociadas com a concessionária Vinci/ANA.
Acessibilidades
O Governo argumenta que o Montijo não precisa de uma terceira travessia, nem de TGV, ao contrário do previsto na opção do NAL no CTA. Mas o que não é dito é que a opção pelo Montijo aumentaria a utilização da Ponte Vasco da Gama, o que, para além de gerar lucros acrescidos à Lusoponte/Vinci, iria justificar, no futuro, a construção de uma nova ponte para Lisboa (terceira travessia do Tejo — TTT), a qual, ao abrigo do contrato de concessão, seria atribuída também à Lusoponte/Vinci.
O Montijo é solução para várias décadas
Esta afirmação também é falsa, pois o aeroporto de Lisboa é o concorrente directo de Madrid, como hub entre o Atlântico e o centro da Europa, o que lhe permite ganhar uma hora ao Aeroporto de Madrid, que é o escolhido pelas companhias concorrentes da TAP e da Star Alliance que operam em Lisboa.
Mas, para isso, precisa no imediato de aumentar a sua capacidade para 50 milhões de passageiros/ano. Ora, o conjunto Portela-Montijo tão cedo não atingirá os 30 milhões passageiros/ano e talvez chegasse aos 50 milhões daqui a alguns anos, o que não é, portanto, a solução estrategicamente acertada.
Duplicação dos movimentos
Os anunciados 72 movimentos/hora resultam da conjugação de três factores cumulativos: requalificação do actual aeroporto, novo sistema de gestão do espaço aéreo e construção do “apeadeiro” do Montijo.
É abusivo fazer crer que a opção Montijo, por si só, duplicaria os movimentos, pois esses factores não estão isolados e nem sequer foram divulgados os efeitos de cada um para atingir esse número.
A questão ambiental
O estudo estratégico ambiental tem, obrigatoriamente, que apresentar outra opção, o que não foi feito. Isso implica a comparação do Montijo com outro local, como, por exemplo, o CTA.
Estudos já realizados
Conforme acima referido, os estudos para o NAL já decorrem desde 1969 e, até hoje, nenhum apresentou o Montijo como solução. É talvez essa a explicação para serem agora omitidos, bem como da análise “custo-benefício” efectuado para o CTA, o qual, numa 1.ª fase de construção, poderia ser complementar ao da “Portela”, tal como o do Montijo será para sempre.
Criação de 10.000 postos de trabalho
O Governo pretende fazer passar a ideia de que o Montijo iria criar milhares de postos de trabalho. Acontece que este número surge por comparação com rácios de aeroportos semelhantes ao da “Portela”, que seria sempre um aeroporto principal, ao contrário do Montijo. Ora, conforme foi anunciado, uma vez que o destino do “apeadeiro” do Montijo seria para as companhias low cost (que nem o abastecimento ou catering fazem em Portugal), facilmente se conclui que este número é pura e simplesmente irreal.
Por todas estas razões, a APP denuncia a opção pela construção de um “apeadeiro” no Montijo, que apenas defende interesses privados em detrimento do interesse nacional, mas, principalmente, porque deixa para as novas gerações o ónus da construção de raiz de um novo aeroporto de Lisboa.
Membros da direcção da Associação Peço a Palavra