Uma resposta célere sob enorme pressão
O lance de penálti e posterior correcção para livre directo ocorrido no Santa Clara-Benfica obrigou a um rápido cruzamento de informação, num contexto complexo.
Como costumo fazer neste espaço de opinião, mais do que falar especificamente sobre um determinado lance sob a perspetiva da tomada de decisão do árbitro, acrescentando a minha opinião sobre esse mesmo lance, venho é trazer uma situação que se relaciona com diversas interpretações da lei, das normas e do protocolo, descrevendo assim alguns conceitos teóricos que sustentaram as diversas tomadas de decisão, quer da equipa de arbitragem no terreno de jogo, quer do videoárbitro (VAR).
O jogo ocorreu na passada sexta-feira, entre o Santa Clara e o Benfica. O lance foi ao minuto 40, quando Fábio Cardoso cometeu uma infracção sobre Pizzi e o árbitro assinalou de imediato penálti, por considerar que a infracção ocorreu dentro da área, mostrando cartão amarelo ao jogador do Santa Clara por considerar que nessa infracção ele tinha cortado um ataque prometedor. O VAR, ao “checkar” o lance e por achar que houve um erro claro e óbvio na decisão inicial do árbitro, informou-o pelo intercomunicador e fez com que João Capela fosse ao monitor, ver ele mesmo as repetições.
Na sequência de tudo isto, o árbitro reverteu a sua decisão técnica, transformando o penálti em livre direto, e a sua decisão disciplinar, anulando o amarelo e substituindo-o por cartão vermelho directo.
Face ao que aconteceu, e de forma resumida, vamos então aos pontos de análise deste lance. O VAR tem duas razões principais para poder intervir que estão contempladas no protocolo: por um lado, a análise da parte disciplinar, pois pode intervir quando há lances passíveis de cartão vermelho e, neste caso, o facto de achar que se tratava de uma clara oportunidade de golo e não de um ataque prometedor; e a questão do penálti, por considerar que a infracção sucedeu fora da área e não dentro. Em ambas, ou pelo menos numa delas, ao considerar que houve um claro e óbvio erro, comunicou ao árbitro essa informação (mas não a decisão a tomar) e levou-o a iniciar um processo de revisão no respectivo monitor (on field review).
Relativamente à decisão disciplinar do árbitro, o facto de considerar que se tratava de uma clara oportunidade de golo, foi por ter em conta que as quatro seguintes circunstâncias se verificaram: a distância entre o local da infracção e a baliza era curta (estava sobre o limite da área de penálti, a 16,5m), a direcção da jogada (Pizzi ia na diagonal mas directo ao guarda-redes), a possibilidade de manter ou controlar a bola (neste caso tinha mesmo a bola controlada), e a posição e o número de defensores (só César, central da equipa açoriana, é que eventualmente poderia intervir, mas estava de lado e afastado e o árbitro entendeu que já não teria hipóteses de tentar impedir o jogador do Benfica de finalizar).
Ainda dentro da vertente disciplinar, mais uma referência a propósito da chamada tripla penalização. Até à alteração da lei, sempre que um jogador cometia dentro da sua própria área um penálti e que, simultaneamente, anulasse uma clara oportunidade de golo, ele e a sua equipa sofriam uma tripla penalização, ou seja, penálti, ficavam com menos um em campo e no jogo seguinte esse jogador não poderia actuar. Agora, com a alteração da lei e em determinadas circunstâncias, isso já não acontece.
Assim sendo, quando um jogador comete uma infracção sobre um adversário dentro da sua área de penálti, impedindo a equipa adversária de marcar um golo ou anulando uma clara oportunidade de golo, e o árbitro assinala um pontapé de penálti, o infractor é advertido se a infracção tiver acontecido numa tentativa de jogar a bola. Em todas as outras circunstâncias (por exemplo, agarrar, empurrar, puxar, sem possibilidade de jogar a bola), o jogador tem de ser expulso.
Fábio Cardoso, ao ter usado a mão para travar Pizzi, quer fosse a infracção dentro ou fora da área, seria sempre expulso. A partir do momento que o árbitro entendeu que se tratava de uma clara oportunidade de golo, ou seja, com livre directo (infracção fora) ou penálti (infracção dentro), porque usou a mão na infracção e não os pés ou joelho na tal tentativa de jogar a bola, seria sempre cartão vermelho.
Por último, e olhando para a parte técnica (livre directo ou penálti), as infracções por regra são punidas no local onde tem início a sua acção, com a excepção prevista na lei 12 (Faltas e Incorrecções), que diz: “… Se um defensor começa a agarrar um atacante fora da área de penálti e prossegue a sua acção para o interior da área, o árbitro deve conceder um pontapé de penálti”.
Ora, João Capela alterou o penálti para livre directo com base em uma de duas hipóteses: ou achou que Fábio Cardoso agarrou Pizzi, mas que o largou ainda com este fora da área (e relembro que o que conta neste lance não é a colocação dos pés de quem sofre a infracção, mas a zona da falta, mão no ombro e sua projecção para o solo), ou então considerou que não houve um agarrão propriamente dito, apenas um contacto com a mão que impediu a movimentação e originou a queda. E como isso se deu inicialmente fora da área, mesmo que se prolongasse para dentro, e como não se tratava de “agarrar”, seria sempre punido no início da sua acção.
Um lance cheio de interpretações da lei, que teve de ter por parte do árbitro e do VAR uma resposta célere, sob efeito de enorme pressão de tempo, o que mostra de forma clara o grau de dificuldade de ser árbitro, videoárbitro e sobretudo o de ter de decidir.