Um vídeoárbitro para a Justiça
Alguém errou no caso do vistos gold: ou quem promoveu a acusação ou quem a rejeitou da forma que o fez.
Agora que o mundo do Campus da Justiça ganhou forte semelhança com os campos do futebol, venha de lá um videoárbitro para a Justiça. Temos o direito de saber se uma qualquer acusação não ganhou porque a investigação falhou os remates ou se foi o juiz da partida que analisou mal as jogadas. Tal como à volta dos parques desportivos, a discussão sobre o que se passa naqueles edifícios do Parque das Nações é feita mais com emoção do que com a razão, entre acalorados adeptos da defesa e fãs da acusação.
Como vem sendo costume, ao primeiro ponto marcado pelos investigadores logo surgem os palpites sobre o desfecho: isto é uma cambada de corruptos, já se sabia que os vistos gold eram para a negociata, agora fica-se com a certeza. Não esquecer outra boa premissa: agora os poderosos também não escapam.
No final da primeira partida (primeira, porque ainda falta saber se há e quais as decisões dos recursos), com a equipa de acusadores derrotada, as opiniões saíram de rajada: para um dos lados, a contenda terminou numa vergonha para o Ministério Público; mas para os da bancada contrária, afinal foi o tribunal que julgou mal. A ver vamos o que diz a Relação.
Sem se fazerem esperar, as opiniões definitivas surgiram por todo o lado. Não se esperou pelo videoárbitro para melhor ver se a bola passou ou não a linha de golo.
Muito mais do que nos campos de futebol, é importante saber-se se a decisão tomada no Campus foi ou não a correta.
A demonstrar que a credibilidade da Justiça anda por baixo está a declaração do tribunal de que ali “não se fazem fretes”. Porque sentiu o coletivo necessidade de tal afirmação? Por noutros casos haver fretes? Quando se sente necessidade de apregoar o respeito por obrigações básicas, é porque algo vai mal. As virtudes não se proclamam, praticam-se e demonstram-se.
Mas o que ainda inquieta mais é a disparidade entre a acusação feita pelo Ministério Público e considerada suficientemente razoável por um juiz de instrução, ao remetê-la para julgamento, e a decisão do coletivo que julgou o caso, jogando-a quase totalmente para fora das linhas. Em que ficamos? Não chega dizer-se que é assim a Justiça, que uns acusam e outros julgam e que é este o jogo da Justiça. Não chega para os inocentes que vão ou estiveram presos nem para os que têm a vida estragada. E embora sempre seja melhor deixar escapar um culpado do que punir um inocente, não é tranquilizador admitir-se que acusados de vários crimes podem sair pela porta grande, por inépcia (nem é bom admitir que seja por “fretes”) dos julgadores. Quem responde e é responsabilizado pelos erros judiciais?
Venha, por isso, o videoárbitro. Alguém tem de sindicar, de forma credível e compreensível, os magistrados. Alguém tem de saber escolher os procuradores competentes e atribui-lhes os processos complicados e desclassificar os impreparados. Alguém tem de classificar os juízes de forma que casos sensíveis não vão parar a coletivos insensíveis. Alguém tem de ir ver as imagens do videoárbitro e dizer quem errou. Não há só grandes casos, também há pequenos furtos. Escolham os mais competentes (não por tempo de serviço...) para os primeiros, deixem os restantes para os menos aptos. Ninguém vai a neurocirurgião para coser uma cabeça partida.
Correm-se riscos. Estará a nossa democracia suficientemente madura? Quem vigia e quem nomeia os videoárbitros? Quem seleciona e quem diz quem vai a jogo?
Os videoárbitros são uma afronta à independência dos magistrados. Mas pergunta-se: o que se passou com o caso dos vistos gold não é um desprestígio para a Justiça? O que não há dúvida é que alguém errou: ou quem promoveu e deixou passar a acusação, ou quem a rejeitou da forma que o fez.
Nem todos são capazes de jogar na Primeira Liga.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico