O fim das propinas: uma opção política
Acredito que este é o momento para, de forma consequente, discutir profundamente a ineficácia e injustiça do modelo de financiamento do ensino superior.
Não existe consenso para acabar com as propinas em Portugal. E porquê? Porque não existe consenso para traçar como objetivo claro a universalização de uma educação pública gratuita.
As propinas voltaram ao debate público por via da descida histórica do valor da propina no OE de 2019, um Orçamento de um Governo do PS, que demonstrou compromisso com a representação das prioridades das gerações mais novas do país, dando voz a uma luta fundamental dos estudantes.
É de uma importância vital relevar que a social-democracia precisa de renovar a sua agenda política e o seu compromisso com o Estado Social, não se colocando à mercê de cedências ideológicas que a colocam num campo pouco distinguível da Direita. As propinas são particularmente paradigmáticas para colocar em discussão o modelo de Estado Social ao qual o PS não pode, nem histórica, nem coerentemente, protagonizar ou aderir, que é o que assenta no conceito de utilizador pagador defendido pelo PSD de Rui Rio – que aponta como injustiça os que não andam na universidade pública terem de pagar pelos que a frequentam. O PSD tenta convencer que esta é uma medida para a elite, não compreendendo que são justamente os mais pobres e as classes médias os cronicamente afetados, ou procurando dizer que quem frequenta o privado não tem que contribuir para a frequência dos que frequentam o ensino público. Num outro plano, sobre a saúde, os socialistas não têm dúvidas em afirmar que todos devem contribuir para o Serviço Nacional de Saúde, incluindo os que optam por apenas usufruir do privado. No que toca à gratuitidade do ensino superior, a nossa ambição deve ser a mesma, porque o ensino é sempre um bem público e um direito de todos.
Acredito que este é o momento para, de forma consequente, discutir profundamente a ineficácia e injustiça do modelo de financiamento do ensino superior: um modelo que coloca as instituições de ensino superior na condição de fazer pressão e oposição direta ao fim das propinas. O CRUP sabe objectivamente que as propinas constituem um bloqueio ao acesso, à conclusão de ciclos de estudo e ao sucesso académico, e que colocam aos estudantes, sobretudo aos que vivem deslocados e aos mais pobres, um entrave real à sua emancipação, a que se somam os custos da habitação e falta de alojamento público.
Sou contra as propinas, e aponto a contradição que o país vive, quando quer atingir até 2030 a meta de 60% de jovens com 20 anos a frequentar o ensino superior, mas corre o risco de passar mais uma década – uma década em que combateremos um brutal défice demográfico – sem formar todos os que o desejam, e não apenas os que podem pagar. Defendo que o PS inclua no seu programa de Governo o fim das propinas do 1.º ciclo na próxima legislatura e limite o teto máximo das propinas dos mestrados. E agora parece que podemos ter fé na ideia de que o Presidente da República até talvez nem vete o fim das propinas no nosso país. É um belíssimo ponto de partida para o PS assumir esta opção política.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico