O pastel de bacalhau
E, se em vez de fazer o meu pastel de bacalhau, tivesse a ousadia (e a trabalheira) de tentar fazer o melhor pastel de bacalhau do mundo lusófono?
Sou um chef e quero dar nas vistas. Pego num pastel de bacalhau e penso em maneiras de deconstruí-lo, revisitá-lo e reinventá-lo. Ou seja: como é que posso tornar este pastel de bacalhau meu, meu, meu?
Acrescento beterraba para que fique cor-de-rosa e assim posso contar a minha história - de como me apaixonei pelos pastéis de bacalhau da minha avó. Mas ela morreu e o meu coração ficou a sangrar de amor. Decidi então pôr esse "sangue" nos meus pastéis como a minha "avomenagem" a ela.
Também estou a proteger-me da concorrência e até de qualquer avaliação comparativa. Como sou o único chef a fazer pastéis de "cabidela de bacalhau" (para provar que tenho sentido de humor) o êxito do meu pastel está garantido.
E, se em vez de fazer o meu pastel de bacalhau, tivesse a ousadia (e a trabalheira) de tentar fazer o melhor pastel de bacalhau do mundo lusófono?
Fá-lo-ia com o melhor bacalhau, a melhor batata para o efeito, cebolas que eu próprio criei, ovos do meu galinheiro, salsa fantástica, frito num azeite que só eu sei.
Assim estou a competir com todos os pastéis de bacalhau. Não estou a fugir. Não estou armado em criador. Ninguém dirá "aquela ali inventou o pastel de cabidela de bacalhau".
Mas dirão, se tudo me correr bem, "olha, esta é aquela que faz os melhores pastéis de bacalhau do mundo". Ou, se eu falhar, como é natural, dirão apenas "esta faz uns pastéis muito bons". Não chega para o ego? Não é suficiente para ganhar a vida? Não é uma maneira mais honrada e honesta de trabalhar?