Os últimos canhões da costa calaram-se há 20 anos
As peças de artilharia ainda lá estão, vigilantes solitárias sobre as encostas, desde Cascais a Setúbal. Mas, duas décadas após os últimos exercícios de tiro, a maioria das oito batarias que compunham o Regimento de Artilharia de Costa estão ao completo abandono.
“Foi uma coisa monumental.” Naquela manhã, a 10 de Dezembro de 1998, todos os militares que se juntaram na 6.ª Bataria da Raposa, sobranceira à praia da Fonte da Telha, sabiam que aquela seria a última vez que sentiriam a “terra tremer” com o impacto dos disparos das granadas sobre o mar. A extinção do Regimento de Artilharia de Costa (RAC) tinha sido aprovada no ano anterior pelo chefe do Estado-Maior do Exército e o fim oficial da unidade estava marcado para Junho do ano seguinte. Das oito batarias que compunham a defesa dos portos de Lisboa e de Setúbal, apenas duas permaneciam activas. Tinham já tão poucos soldados que os últimos fogos reais da história portuguesa estiveram para não se concretizar.
“A autorização do Governo Militar de Lisboa veio condicionada, porque não havia pessoal suficiente para guarnecer todas as peças de artilharia”, recorda o antigo sargento-ajudante Luís Figueiredo. A solução veio de um grupo de sargentos. Ao almoço, uns dias antes daquela manhã de Dezembro, “ofereceram-se para ir para uma peça sem olhar às tiras que tinham nos ombros”, recorda. Luís Figueiredo foi um deles. Era mais importante aquele tiro de despedida do que deixar intacta a hierarquia militar. O sargento mais novo do grupo foi escolhido para chefiar a peça e “o resto tirou uns pauzinhos” para decidir quem assumia cada função no equipamento de artilharia. A decisão causou celeuma entre alguns oficiais, mas o fogo foi autorizado.
“Foi uma barulheira do caraças”, conta o antigo coronel Nuno Anselmo ao lembrar-se do momento em que fez o disparo. “Naquelas peças, podia ser feito de forma eléctrica ou manualmente. Comigo foi manual.” Colocaram uma corda no manípulo e, ao sinal do chefe de peça, Anselmo “puxou aquilo”. “Não se faz ideia do estoiro que é”, conta, ainda com as mãos a recriar um momento com 20 anos de lonjura. Hoje com 77, o antigo coronel já tinha “feito praticamente tudo no RAC”. Há anos que tinha deixado a carreira militar para coordenar a polícia municipal de Oeiras, mas não falhava presença durante os exercícios de fogo.
Normalmente, estes decorriam duas vezes por ano, no final de cada recruta. Depois do curso de instrução, os militares podiam executar – e sentir na pele – tudo o que haviam aprendido. “Era um momento de grande empolgamento e, ao mesmo tempo, muito stressante e muito intenso, porque depois de se iniciar o tiro, as coisas tinham de acontecer muito rapidamente”, recorda ao P2 o antigo coronel Carlos Alpedrinha Pires, presidente da Associação dos Amigos da Artilharia de Costa. Parte do acesso aos portos e ao espaço aéreo tinha de ser encerrado. E depois havia aquele “sopro” colossal a cada disparo. “A deslocação do ar para trás da peça era brutal”, descreve Luís Figueiredo. Tremia tudo de uma forma “bestial”, “ensurdecedora”. Havia sempre algum soldado que se assustava, fugia ou ficava em estado de choque.
Ao coronel Anselmo faltava apenas assistir aos disparos a partir do navio que rebocava o alvo – na ausência de um inimigo real a tentar forçar a entrada no Tejo, fazia-se pontaria a uma jangada especial da Marinha – e no interior de “uma 23,4”. Foi essa a condição que impôs para estar presente no último exercício: queria ser o servente da culatra numa das peças. E fazer disparar a ignição de um tiro pela última vez. “Ainda tenho lá a escorva em casa”, recorda.
Aquela última sessão de tiro, conta Luís Figueiredo, acabou por ser “monumental”. Os paióis estavam cheios de munições que “tinham de ser gastas” para não ficarem demasiadas em depósito e “aquilo foi um despejar de granadas”, “uma coisa espectacular”. “Estivemos quase uma hora a dar tiro.” No total, quase cem granadas, com mais de 170 quilos cada, foram disparadas pelos três canhões que compõem a Bataria da Raposa, na Fonte da Telha – imponentes paquidermes de metal com o focinho apontado à barra de Lisboa. “Andei quase uma semana a cheirar a pólvora.”
Lisboa, uma capital vulnerável
Localizada próximo do litoral, a capital portuguesa encontrava-se especialmente vulnerável a ataques vindos do mar. Remontam ao século XIV os primeiros registos da utilização de canhões na defesa da cidade contra uma força naval. Um século depois, D. João II há-de mandar construir as torres de Cascais, de Belém e da Caparica. E reforçar a defesa de Lisboa com um galeão a meio do Tejo. Eram aqueles “canhões clássicos”, armamento de bronze com reparos de madeira, “que não tinham sistema de pontaria”. “O tiro era feito por estimativa, com pouca precisão”, explica Carlos Alpedrinha Pires. As fortalezas foram-se somando ao longo das falésias, mas de pouco serviram contra “a operação militar notável” da armada espanhola durante as invasões de 1580.
“Simularam que iam forçar a entrada na barra do Tejo, mas uma força veio desembarcar ali na Guia, numa pequena enseada de difícil acesso, e depois conquistou a fortaleza de Cascais por terra.” A partir daí, a armada espanhola foi conquistando terreno até à batalha de Alcântara e acabaria por tomar Lisboa. “Foi a única vez que o Exército espanhol veio por mar e a única vez que perdemos a independência.” São do período da Restauração quase todos os pequenos fortes ao longo do litoral, do Norte às ilhas, erguidos depois de portas arrombadas, para que a História não se repetisse.
Na opinião de Carlos Alpedrinha Pires, no entanto, são os insucessos que ajudam a explicar porque é que a esmagadora maioria da população desconhece a história da artilharia de costa em Portugal. “O país teve enormes reveses sempre que esta não foi eficaz ou não provou estar ao nível do estado da arte.” É que a história, afinal, haveria de repetir-se quanto à ineficácia das forças de defesa costeira. Durante a guerra civil (1828-1834), por exemplo, a prisão de uns comerciantes franceses foi utilizada como pretexto para a esquadra francesa, apoiante da causa liberal, forçar a entrada no porto de Lisboa. A artilharia ainda abriu fogo, mas não estava “minimamente preparada” e rapidamente foi negociada a rendição da capital. “Toda a frota miguelista foi levada [pela armada francesa], o que deu liberdade de movimentos a D. Pedro e a supremacia das tropas liberais.” Já o mapa cor-de-rosa não chega a sair do papel, em parte, porque, durante o Ultimato inglês, em 1890, a armada britânica avisa que tem “um cruzador fundeado em Vigo”, pronto para vir atacar Lisboa. O país sabia que não conseguiria defender-se e recua nas intenções de unir Angola a Moçambique.
Disparos contra a própria armada
É entre estes episódios, na alvorada da Primeira República, que começa a desenhar-se o Campo Entrincheirado de Lisboa, uma “estrutura gigantesca”, com uma componente marítima e outra terrestre, apoiada nas Linhas de Torres. Junto à costa deu-se a “introdução em força dos materiais de aço e o começo da construção de obras fortificadas em betão armado” nas dezenas de batarias que compunham o sistema de defesa costeiro. São desta altura alguns dos canhões alemães Krupp que viriam a integrar o armamento do Regimento de Artilharia de Costa, formalmente constituído em 1939. Os únicos que, no século XX, chegam a abrir fogo contra um alvo real. E, num dos casos, contra navios da própria frota portuguesa.
Estávamos na madrugada de 8 de Setembro de 1936. Marinheiros militantes da Organização Revolucionária da Armada sublevaram dois navios, o contratorpedeiro Dão e o aviso de 1.ª classe Afonso de Albuquerque. Era uma tentativa de derrube do regime de Salazar. Falhada a tentativa de golpe contra a ditadura, os revolucionários tentaram sair da barra de Lisboa com os navios para se juntarem às tropas republicanas espanholas que combatiam na guerra civil do país vizinho. “Às 3h, o director-geral da PIDE já estava a telefonar para o Forte de Almada a avisar que ia haver um problema, o que indica que Salazar quis que a revolta acontecesse”, revela Alpedrinha Pires. Às 7h40, o destacamento de Almada abre fogo. Cinco minutos depois lançam-se granadas do Forte do Alto do Duque. Um total de 54 tiros e 12 mortos a bordo ditaram a rendição dos marinheiros. “Foi uma machadada fortíssima nas intenções dos revolucionários naquele período e uma forma de mostrar a capacidade de o regime reprimir qualquer revolta.”
É já depois da Segunda Guerra Mundial que se dá a última grande reorganização da defesa da costa portuguesa, concentrada na protecção dos portos de Lisboa e de Setúbal, com a execução do Plano Barrow, desenhado pelo general inglês que lhe deu nome. O projecto não chega a ser levado à prática na sua totalidade por dificuldades financeiras e ficaria reduzido às oito batarias que constituiriam o RAC, com o reforço dos edifícios e o rearmamento do regimento com material inglês, peças de artilharia Vickers de 15,2cm e de 23,4cm.
As novas bocas-de-fogo nunca chegaram a disparar contra uma ameaça naval, mas Alpedrinha Pires defende que a sua função enquanto elemento dissuasor não deve ser menosprezada. Durante os fogos reais, conta, eram “convidados oficiais-generais de países amigos e diplomatas” para assistir ao exercício. O objectivo seria demonstrar que o país “tinha capacidade de defesa e eficácia”. E aponta outra consequência, indirecta mas com impacto no perfil urbano da faixa costeira junto a Lisboa. Como as peças de artilharia tinham de “bater todo o espelho de água”, cada bataria tinha “uma servidão de vistas” que impedia a construção em altura acima daquele limite.
Um canhão num hospital
Luís Figueiredo recorda-se de o convívio ter sido rijo no quartel na noite anterior. E de como tudo acabou numa grande almoçarada, como era costume no dia de fogos reais. “Era sempre um dia de festa, porque não se compara o tiro de uma peça daquelas com o de uma G3, Milan ou Glock. Era um momento único.” Naquela manhã, no entanto, o ambiente era sobretudo de tristeza. Por ser o último tiro, claro. Mas não só. “O problema é que a gente já sabe o que vem a seguir: quando há desactivação, há abandono. Isso é que custa.”
Vinte anos depois, apenas as três batarias ocupadas por militares ou cedidas a associações ligadas ao Exército se mantêm minimamente preservadas. Em Alcabideche, da primeira bataria resta uma das três peças de artilharia de 23,4 cm. Faz de rotunda no parque de estacionamento do Hospital de Cascais. “Eram para ser todas destruídas, mas na primeira foram gastos os explosivos que estavam previstos para a construção do hospital todo”, conta Alpedrinha Pires. O projecto foi alterado e o edifício acabou por ser erguido sobre os subterrâneos da restante estrutura defensiva, depois de a propriedade ter sido entregue pelo Ministério da Defesa ao da Saúde e daí cedido à empresa que gere há dez anos uma parceria público-privada.
São precisos dois homens, luvas grossas e ferramentas para abrir a porta do escudo metálico que envolve a única peça que resta. “Já deixaram um bilhete, alguém queria entrar”, comenta-se. Tal como na Raposa, eram precisos dez militares para fazer disparar cada um destes canhões. Quatro ficavam lá em baixo, na sapata, encarregados de trazer as cargas e as munições dos paióis subterrâneos para o elevador. Seis distribuíam-se cá em cima, dentro desta carapaça metálica a descamar ferrugem: junto às pequenas janelas da frente, as únicas, os apontadores de direcção e da elevação mantinham a correspondência de ponteiros com os dados que recebiam do posto central de tiro (ficava noutro edifício, a alguns metros de distância, dependendo da bataria) e, atrás, quatro militares ocupavam as diferentes funções necessárias para carregar o tubo de granadas e ignições. À voz de comando: fogo.
Aos 37 anos, Marco Neves lembra-se bem de ouvir os silvos dos canhões sobrevoarem Cascais. “Tocavam aquela sirene típica dos tsunamis para as pessoas abrirem os estores e as janelas, faziam os disparos e depois tocavam outra vez para avisarem que tinham terminado o ensaio.” As habitações começam logo ali e a onda de choque acabava por fazer sempre estragos. “Montaram um stand de automóveis aqui mesmo ao lado, com aquelas portadas todas em vidro. Ao primeiro ensaio que fizeram com o stand montado, foi tudo abaixo”, recorda Marco, um dos responsáveis pela manutenção do hospital que nos guia pelas salas subterrâneas da bataria. Os pintos do aviário que existia do outro lado da estrada também raramente tinham um final feliz. “Tentávamos avisar sempre para os tirarem dali, porque morriam todos só com o sopro daquilo”, há-de contar ao P2 Nuno Anselmo.
Museu saqueado antes de existir
No final de cada exercício de tiro, havia sempre vidros partidos, tectos falsos caídos, alarmes de carros a apitar. “Depois, uma equipa ia percorrer toda a população para contabilizar os estragos”, lembra Alpedrinha Pires. “Havia sempre uma verba já atribuída para pagar as indemnizações.” Aqui em Alcabideche, mas também na 2.ª Bataria da Parede, onde as casas se abeiram da vedação e o centro de saúde está instalado no outro lado da estrada. A aproximação da malha urbana terá sido, precisamente, uma das razões para a progressiva desactivação do RAC. Na Parede está prometida a recuperação da bataria e a sua conversão no Museu Militar de Artilharia de Costa, com um protocolo de intenções firmado entre o Exército e a autarquia de Cascais em 2014.
Enquanto o projecto não avança, a estrutura está ao completo abandono, cedida ao vandalismo e coberta de graffiti, conta quem tem visitado o perímetro nos últimos anos. Além do antigo comando do RAC, localizado em Oeiras, este foi o único local onde o Exército português não autorizou o P2 a entrar. Do espólio ali reunido para ser preservado e exposto no museu, já pouco ou nada resta. “Foram lá para roubar as culatras e os amortecedores. A Polícia Judiciária Militar foi avisada, montaram uma emboscada e foram apanhados. Quando foram presentes ao juiz, ele libertou-os, [sujeitos] a termo de identidade e residência. Nesse mesmo dia, voltaram lá com as máquinas que precisavam e levaram o que quiseram”, lamenta Nuno Anselmo.
É junto aos canhões da Bataria da Laje, já próximo da praia de Santo Amaro de Oeiras, que o antigo coronel fala da “vergonha” que é entrar numa instalação daquelas e vê-la assim. Um contraste absoluto com esta bataria, a terceira do regimento, uma das que se mantêm em melhor estado de conservação, recuperada ao longo dos últimos anos pela Associação dos Comandos. Tal como no Forte do Bom Sucesso (quarta bataria), onde a Liga dos Combatentes instalou um museu dedicado à acção dos militares ao longo da história do país, também aqui estão a ser criados três “espaços de memória” nos antigos paióis. Um sobre a história dos Comandos, outro sobre a associação e o terceiro sobre a Bataria da Laje, enumera Carlos Matias. O antigo sargento-mor e responsável pela concessão há três anos (entregue à associação desde 2002) espera ter tudo pronto no início de 2019. Até lá, o espaço mantém-se aberto ao público com outras valências: restaurante, arborismo, slide, parque de merendas e de campismo entre os pinheiros. “O objectivo é ser uma zona aprazível para os sócios, mas que seja auto-sustentável”, resume.
Para Carlos Alpedrinha Pires, este é um modelo que pode ser decalcado na Bataria da Raposa, para evitar que esta chegue ao estado de degradação em que as restantes se encontram. Na Raposeira, junto à Trafaria, por exemplo, reinam as silvas, os graffiti e os vestígios deixados por disputas de paintball. No Outão, já no concelho de Setúbal, os edifícios onde ficavam os refeitórios, os bares e os escritórios da sétima bataria – uma das últimas a ser desactivada (juntamente com a da Raposa) – encontram-se vandalizados, com entulho e estilhaços espalhados ao longo das salas. Já os canhões com vista alargada sobre a barra do Sado tornaram-se miradouro popular. No dia em que o P2 lá esteve, cruzámo-nos com três grupos diferentes em poucos minutos.
No caso da Raposeira, o perímetro da sexta bataria foi proposto pelo Estado para alienação. Há seis anos, um colectivo de arquitectos portugueses ganhou o prémio principal de um concurso internacional com um projecto de recuperação e conversão do espaço num centro de observação e estudo das condições da faixa costeira. Mas o desenho nunca chegou a sair do papel. Já o Outão, revela Alpedrinha Pires, deverá integrar o programa Revive em 2019. E a oitava bataria, em Albarquel, é a única que já foi vendida pelo Estado a uma entidade privada, que ali pretende construir um projecto imobiliário.
“A infelicidade disto é a forma perniciosa como é gerido e libertado o património”, lamenta o antigo coronel. O interesse das entidades, acusa, parece ser a “degradação do património até à exaustão”, para que “não tenha nenhum valor cultural e histórico” e seja possível “fazerem o que entenderem” com o edifício ou a propriedade em que se insere. “No final, o que importaria preservar daquele espaço já não existe.”
Transformar a Raposa em turismo militar
A Associação dos Amigos da Artilharia de Costa nasceu em 2015, impulsionada por antigos militares do regimento. “Uma vez que a degradação dos materiais e a inacção política é mais do que óbvia, foi considerado importante existir uma associação que pudesse desenvolver trabalho em colaboração com o Exército, realizando diligências de natureza não protestativa até agora”, resume Alpedrinha Pires, presidente do colectivo desde a sua fundação.
Nos últimos anos, têm promovido encontros e visitas a antigas batarias. Agora as ambições estão a tornar-se maiores: querem alargar a base de associados à população em geral (actualmente conta com cerca de 160 sócios), promover a classificação de todas as batarias, a musealização da única peça de artilharia de Alcabideche e preservar o “património humano valiosíssimo” que persiste, ao nível do conhecimento, das experiências e das memórias de quem esteve colocado no regimento. Têm ainda um plano a três fases para transformar a Bataria da Raposa num projecto de turismo militar. “É uma das mais valiosas em termos de estrutura, de dimensão e de preservação”, justifica o responsável. “Uma bataria completa como esta, no estado de conservação que mantém, é única no mundo.”
Vinte anos depois, a entrada mantém-se imaculada, com o letreiro do RAC a reluzir junto ao portão e os invólucros de antigas munições, pintados de vermelho e negro, a pontuar o estacionamento. É a única bataria onde permanecem militares em serviço: um antigo sargento-ajudante e quatro jovens soldados. Joaquim Castanheira, de 77 anos, nem sequer chegou a servir no Regimento de Artilharia de Costa. Estava aquartelado na Trafaria. “Mas como pediram um sargento para vir para aqui tomar conta disto e eu morava aqui pertinho, candidatei-me”, recorda. “Gostei disto de tal maneira que passei à reforma e continuei aqui, já lá vão 18 anos.”
Para quem se considera um “homem chave de parafusos”, este era o posto ideal. “Tem de ser uma pessoa polivalente, porque aparecem problemas de todo o feitio.” Sem orçamento, é com a prata da casa que tudo tem de ser resolvido. Desentupir esgotos, mudar lâmpadas e fechaduras, adaptar infra-estruturas para os acampamentos que os escuteiros aqui fazem quase todos os fins-de-semana. O que surgir. “As pessoas começaram a dizer que isto estava bonito, tal e qual como era e eu fiquei todo orgulhoso.” No entanto, Castanheira revela estar “muito próximo” de se ir embora. “Acho que está na altura.”
O objectivo da associação é avançar com o projecto turístico antes que a saída do sargento possa ditar o abandono da bataria por parte do corpo do Exército. A ideia é transferir para aqui a sede da associação, instalar salas de exposições e de reuniões num dos edifícios e criar um circuito visitável aberto ao público, que passe pelas peças de artilharia, pelos paióis, pelo posto central de tiro e pelo posto de observação. Numa segunda fase, pretendem adaptar as antigas casernas para alojamento turístico. E, mais tarde, transformar o antigo refeitório num projecto de restauração.
Daqui a seis meses, quando a 30 de Junho se assinalar duas décadas desde a extinção formal do Regimento de Artilharia de Costa, talvez Joaquim Castanheira já não esteja a morar na antiga casa do comandante da bataria. Recebeu recentemente a autorização que esperava para começar a construir no terreno que tinha comprado há uns anos. “Quando a minha casinha estiver pronta, vou sair daqui.”