Repressão não trava manifestantes que pedem o fim do regime sudanês

Aumento de preços de bens básicos coincidiu com planos do Presidente para mudar a Constituição e continuar no poder. Duas semanas de manifestações são já a maior ameaça de sempre a Bashir.

Fotogaleria
A criação do Sudão do Sul, onde estão os poços de petróleo, enfraqueceu a economia do país de Omar al-Bashir, A criação do Sudão do Sul, onde estão os poços de petróleo, enfraqueceu a economia do país de Omar al-Bashir /Mohamed Nureldin Abdallah/REUTERS,/Mohamed Nureldin Abdallah/REUTERS
Fotogaleria
Protestos contra o regime em Cartum Mohamed Nureldin Abdallah/Reuters

Quanto tempo pode um ditador permanecer no poder? Oito anos depois da onda de insurreições em vários países árabes – que começou na Tunísia e chegou a parecer uma vaga essencialmente africana – chegou a vez de Omar al-Bashir, há 30 anos na presidência do Sudão e procurado por genocídio (no Darfur), enfrentar ruas que não param de se encher com gente que grita "demissão, demissão".

Há sempre uma faísca. Depois, quando a resposta é a repressão – oficialmente, Cartum fala em 19 mortos mas a Amnistia Internacional denunciou a morte de 37 manifestantes por balas disparadas por forças de segurança ao fim de apenas seis dias de protestos –, acontece dar-se uma perda de medo colectiva.

Os primeiros protestos aconteceram a 19 de Dezembro, dois dias depois de Bashir se tornar no primeiro líder árabe a visitar Damasco desde o início da revolta contra Bashar al-Assad, em Março de 2011.

O que levou os sudaneses à rua, em protestos até agora sem líderes e marcados através de redes sociais, foi o aumento do preço de um pão, que passou de uma libra sudanesa para três (de dois para seis cêntimos de euro).

Com os cofres vazios, Bashir culpa "conspiradores estrangeiros", "agentes secretos, mercenários e traidores", como antes responsabilizava as sanções internacionais que durante 20 anos e até 2017 visaram o país.

O problema é que 95% das receitas das exportações provinham do petróleo, uma economia disfuncional que a independência do Sul do país, em 2011, pôs a descoberto – 75% dos barris exportados vinham da mais nova nação do mundo. Em 2018, a inflação chegou aos 70% e a dívida externa está nos 50 mil milhões de dólares (quase 44 mil milhões de euros), com os analistas a falarem na pior crise económica desde a independência, em 1956.

Para além disso, muito dinheiro tem sido investido no Exército e nas milícias (como as que participaram no genocídio no Darfur), enquanto os serviços sociais, a educação ou a saúde viam os seus orçamentos a diminuir.

A visita de Bashir a Assad visava cortejar a Rússia e conseguir futuros investimentos externos. A errante política externa de Bashir tem tido sempre esse objectivo: foi por isso que se afastou do Irão, com quem mantinha laços importantes, e aceitou participar na coligação formada pela Arábia Saudita para combater os rebeldes xiitas do Iémen, em 2015.

Frustração a ferver

Os sudaneses acusam as elites de corrupção, num país completamente controlado por Bashir e pelo seu Partido Nacional do Congresso (NCP), que domina o Parlamento e que em Dezembro apresentou uma emenda constitucional para pôr fim ao limite de mandatos e permitir ao Presidente de 75 anos, que chegou ao poder num golpe de Estado em 1989, voltar a candidatar-se em 2020.

As primeiras manifestações aconteceram na cidade de Atbara, berço do sindicalismo e do comunismo, 250 km a norte da capital, Cartum. Em poucos dias, havia mais de dez focos de protesto, com slogans cada vez mais hostis. "O povo quer a queda do regime", ouviu-se um pouco por todo o Sudão, num eco do grito que varreu a Tunísia, o Egipto, a Líbia, o Iémen ou a Síria em 2011.

As maiores manifestações foram as do dia de Natal e da passagem de ano, quando a multidão tentou, sem sucesso, alcançar o palácio presidencial. Sexta-feira, os que se atreveram a marchar depois das orações do meio-dia, as mais importantes da semana para os muçulmanos, foram rapidamente dispersados pelo gás lacrimogéneo lançado pelas forças de segurança. Antes gritaram "pacíficos, pacíficos" e "demissão, demissão".

Os organizadores apelaram a uma nova marcha até ao palácio de Cartum no domingo. O regime bloqueou entretanto o acesso às redes sociais  dos 40 milhões de sudaneses, 13 milhões usam a Internet e mais de 28 milhões têm telemóvel.

Yusuf Elhag, de 29 anos, autor de um vídeo que se tornou viral onde descrevia as manifestações numa "mensagem do Sudão ao mundo", diz à Al-Jazira que a maioria dos que tem participado nos protestos em Cartum tem entre 17 e 23 anos.

"Estamos a assistir à segunda e mais forte onda de protestos que abalaram o Sudão em 2013 [quando mais de 200 manifestantes foram mortos]. A frustração com o aumento do custo de vida tem vindo a aumentar e agora está de novo a ferver", diz à Reuters Muhammad Osman. O analista sudanês não acredita que os protestos vão desaparecer, mas deixa um aviso: "Bashir e o seu círculo próximo não vão desistir sem dar luta".

Sugerir correcção
Ler 1 comentários