Umas eleições que podem mudar a política europeia deixando tudo na mesma
Sondagens apontam para a manutenção da ordem política vigente, com as três maiores famílias políticas do Parlamento Europeu a manter a sua importância relativa após a votação de Maio. Mas eleitores deverão castigar o centro e trocar a moderação pelas soluções radicais.
As votações que levaram Emmanuel Macron até ao palácio do Eliseu, em França, ou reconduziram Angela Merkel para um quarto mandato consecutivo como chanceler da Alemanha foram apenas um aperitivo: as eleições europeias de 23-26 de Maio de 2019 voltarão a testar a capacidade de resistência da União Europeia depois da sucessão de crises – económicas e financeiras, sociais e políticas – que atingiram praticamente todos os países do continente no rescaldo da grande recessão de 2008.
Como se constatou durante a campanha eleitoral nos dois maiores países da Europa, em 2017, na ida às urnas as populações ajustaram o seu voto, mostrando que não esqueceram os efeitos nefastos da crise das dívidas soberanas e do euro ou o desgaste provocado pelos fenómenos migratórios. Se restassem dúvidas, em 2018 as legislativas italianas provaram que a tradição já não é o que era, e que nada corre como previsto na política europeia.
A cinco meses das eleições europeias, as incógnitas ainda são muitas. Pode o movimento Coletes Amarelos arruinar a carreira da República em Marcha idealizada por Macron? Como irão os eleitores dos países sujeitos a assistência financeira externa avaliar a intervenção das instituições europeias? E os que apoiaram as agora chamadas “democracias iliberais” que podem ser punidas por Bruxelas por desvios no respeito do Estado de Direito? Qual será o impacto do “Brexit”, que ocupou o palco político nos últimos meses e presumivelmente já terá acontecido quando os europeus forem votar?
As perguntas revelam o grau de incerteza no resultado e as respostas não são óbvias. Os estudos de opinião mostram que as preocupações dos eleitores variam muito geograficamente: por exemplo, nos países do Norte parece haver uma maior percepção do risco do extremismo, enquanto no Leste o maior receio diz respeito às migrações e no Sul é a ameaça das alterações climáticas e dos desastres naturais que é vista como o maior desafio.
Além disso, as campanhas das europeias costumam ser marcadas pela associação aos temas da política nacional, e por uma elevada taxa de abstenção. Ainda assim, as sondagens às intenções de voto mostram, para já, que os dois blocos ao centro, formados pelas tradicionais famílias políticas conservadora/liberal e social-democrata/socialista, voltarão a prevalecer no próximo Parlamento Europeu: de acordo com os números coligidos pelo Politico a partir de sondagens nacionais, o Partido Popular Europeu vai manter-se como a maior bancada (186 lugares), com o grupo dos Socialistas & Democratas um pouco atrás (130), seguido pela aliança formada pelos partidos liberais (69 eleitos).
Ou seja, as próximas eleições podem ratificar a mesma ordem política vigente, apesar das parangonas que anunciam uma reconfiguração total da paisagem política europeia.
Mas se os grandes números põem em causa as narrativas mais catastrofistas sobre a radicalização do eleitorado, também mostram que os analistas que insistem em chamar a atenção para o actual contexto/ambiente de polarização e fragmentação política só estão a alertar para o óbvio: que na Europa de hoje, os sentimentos e motivações dos eleitores vão cada vez mais em sentido inverso e muitas vezes contraditório com o dos seus representantes.
Será, por isso, um erro interpretar as sondagens como um sinal de aceitação do statu quo. Como alertava há dias o cientista político holandês Cas Mudde, professor da School of Public & International Affairs da Universidade da Georgia, nos EUA, e especialista no fenómeno do populismo, os partidos tradicionais perderam a iniciativa política, e as indicações até ao momento não são encorajadoras para as suas pretensões.
O imenso bloco central, que dominou a política do continente depois da queda do muro de Berlim e na sua diversidade conseguiu manter-se homogéneo, deverá ser arrasado na próxima votação. Na legislatura que está prestes a terminar o bloco central mais disponível para o compromisso (PPE + S&D + ALDE) bastava para compor uma confortável maioria de 477 votos. Em Maio, segundo as projecções, corre o risco de ficar com menos 90 eurodeputados.
O efeito político dos votos que se vão dispersar a partir do centro – seja por medo, em protesto, ou como forma de resistência – vai ser potente: mesmo que fiquem longe da maioria no número total de eleitos, os partidos mais radicais vão ter uma capacidade de influência como nunca tiveram no Parlamento Europeu, ligeiramente reduzido de 751 para 705 eurodeputados em razão do “Brexit”.
O pêndulo deverá cair mais para a direita: o crescimento dos partidos de extrema-direita não é um fenómeno que corre a Europa de lés-a-lés, mas em países como a França, a Itália e a Bélgica, são os nacionalistas União Nacional, Liga e NVA que lideram as intenções de voto, com mais de 20%. Na Alemanha, a AfD deverá duplicar o seu último resultado e crescer de 7% para 14%. E a Espanha pode enviar para Bruxelas cinco eurodeputados de extrema-direita, eleitos nas listas do Vox.
Como explicou Cas Mudde ao Politico, apesar de não estar na dianteira das sondagens, é a extrema-direita que está a beneficiar com a incapacidade do establishment para oferecer respostas concretas às demandas das populações.
“Não há nenhum debate político verdadeiramente europeu, não há uma visão clara para o futuro da UE, e a maior parte dos políticos tradicionais ou preferem ignorar esse facto, confiando que a baixa participação nas eleições desvalorize o problema, ou copiam a extrema-direita numa tentativa algo primária para suster mais perdas. Enquanto não existir uma alternativa clara, a direita radical será sempre a vencedora, eleitoralmente ou politicamente”, avisou.