Há uma nova orquestra que vai levar jovens e música ao interior
Quinta-feira no Porto, e esta sexta-feira, em Lisboa, centenas de jovens de todo o país prestaram provas para a Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa, que vai ficar sediada na Guarda.
O segundo dia de audições ia já longo, e o maestro Osvaldo Ferreira não tinha dúvidas. Temos “muito bons músicos, um nível muitíssimo alto, em cada ano a qualidade é melhor”, descreve o responsável pela selecção dos futuros membros da Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa, que atraiu cerca de 300 interessados às sessões que se dividiram entre o Conservatório do Porto, na quinta-feira, e o Altice Arena, esta sexta-feira.
Na pequena sala de audições do Pavilhão Atlântico, os candidatos treinam o repertório que vão apresentar ao júri. O som de um contrabaixo mistura-se com o da flauta, e ainda se consegue reconhecer a melodia de um violino, tocado por Catarina Andrade.
A jovem de 19 anos é a primeira a candidata do período da tarde. Dedica-se à música desde os nove e estuda na Escola Superior de Artes Aplicadas, em Castelo Branco. “Ainda só trabalhei em orquestras em Lisboa, esta era a oportunidade perfeita para conhecer o resto do país, de aprender com professores e colegas de todo o lado”, explica ao PÚBLICO.
Numa audição, o segredo, conta a violinista, é “não levar as coisas com pressa”, dar tempo à música, e aceitar o “nervosinho expectável”. Além de Catarina, foram cerca de 300 jovens, com idades entre os 16 e os 23, que se candidataram para fazer parte da Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa. “No Porto foi onde veio mais gente, cerca de 170 pessoas, em Lisboa um pouco menos”, explica o maestro Osvaldo Ferreira.
Além das candidaturas presenciais, os estudantes portugueses que vivem e estudam no estrangeiro podem enviar uma gravação onde expõem o seu valor técnico e artístico. “Já recebemos cerca de 60 ou 70 vídeos, que o júri ainda vai analisar nos próximos dias”, diz o maestro, satisfeito por perceber que os jovens se interessam pelas audições para uma orquestra, “e não só para aquelas que são grandes”, como a Orquestra da União Europeia, onde Portugal é o terceiro pais com maior representação - 22 em 118 jovens. “Também nós nos queremos assumir como a grande orquestra jovem de Portugal”, acrescenta.
Cultura no interior do país
O projecto da Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa insere-se na estratégia da candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027. “Este protocolo com a Guarda vai ter a duração de dois anos, e é uma parceria muito boa para ambas as partes. Para nós, que precisávamos de um patrocinador, e para eles, que entenderam que éramos um projecto que ia ao encontro dos objectivos da cidade”, diz Osvaldo.
Entre os 300 candidatos, serão anunciados, entre os dias 17 e 18 de Janeiro, os 80 instrumentistas seleccionados. “Os jovens, que são principalmente das grandes cidades, vão-se reunir nas férias da Páscoa e do verão no interior do país, na Guarda”, explica o maestro. “Vão ter grandes momentos com preparadores ligados a grandes orquestras europeias e com maestros convidados internacionais, como o alemão Tobias Gossmann ou o solista Pavel Gomziakov”.
Fazer com que este projecto aconteça na Guarda é imperativo porque “faz com que cresça a humanização do interior”, insiste. “Além de querermos que a orquestra seja um momento de trabalho intenso, com rigor ao mais alto nível, os jovens podem criar amizades e experienciar a vida na cidade da Guarda”, diz o maestro. E depois do período de ensaios, os novos músicos vão ter oito concertos de Norte a Sul de Portugal e até em Espanha, na cidade de Salamanca.
Sofia Weffort, de 18 anos, toca violino no Conservatório Nacional de Lisboa. Para a jovem, esta é uma oportunidade de estimular a amizade entre os artistas. “Ainda há muito a ideia europeia de ter aulas na casa do professor e depois ir estudar para casa”, explica a jovem. “Este projecto é muito mais inclusivo. Temos oportunidade de estar em palco, de trocar impressões. É mais importante tocar em grupo do que a solo, porque poucos de nós vão ser solistas, é muito difícil”.
Também Mariana Coelho, que partilha o ambiente de espera na sala de audições, valoriza as relações entre os músicos. “Eu gostava muito de entrar porque o trabalho com os músicos é muito individual, mas aqui é interessante falar com colegas de outros instrumentos e aprender novos métodos”, diz a jovem de 20 anos, que toca na Academia Superior de Orquestra, em Lisboa.
Salas sempre cheias
Segundo o maestro Osvaldo Ferreira, os concertos da Orquestra Filarmónica Portuguesa, que completa agora dois anos, deixam sempre as salas “praticamente esgotadas”, seja na Casa da Música, São Carlos, Centro Cultural de Belém ou até no Alice Arena. O interesse pela música tem crescido, nota, e principalmente nos últimos anos. “Há milhares de alunos a estudar música em Portugal, a maior parte dos municípios têm um conservatório de música”, exemplifica.
Maria Delmar, que toca contrabaixo, é a última a apresentar-se. A jovem, de 20 anos, estuda em Castelo Branco, na Escola Superior de Artes Aplicada. Ao contrário das outras candidatas, que já abandonaram a sala, não começou a tocar em criança. “Eu comecei a tocar piano, e só comecei no contrabaixo a nível profissional há dois anos”, conta”. “O mercado está cada vez mais exigente, há cada vez mais pessoas a tocar muito bem. Eu queria muito entrar nesta orquestra, mas também estou a pensar sair de Portugal. Não me vejo a ficar cá, numa primeira fase. Quero abrir horizontes”, diz a jovem.