Mais de metade dos sindicatos que convocam greves são independentes

Entre Dezembro e Janeiro, decorrem, pelo menos, 26 paralisações. Analisando caso a caso, verifica-se que as centrais sindicais não mandam tanto como se julga. E que há várias mudanças - algumas ainda discretas - no mundo sindical

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Mario Lopes Pereira

Mais de metade dos sindicatos que convocam greves este mês e em Janeiro são independentes, ou seja, sem filiação em qualquer central sindical, quer seja a UGT ou a CGTP.

Dos 26 sindicatos que lançaram pré-avisos de greves para este período, 14 são independentes, seis são da CGTP e outros seis da UGT. No lote dos independentes, está um sindicato que a CGTP identificou ao PÚBLICO como "participando na actividade" desta central sindical, o Sindicato de Funcionários Judiciais, e cinco que a mesma central descreve como "integrando a lista de sindicatos com quem a CGTP se relaciona": o dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal, o Sindicato Nacional do Corpo de Guardas Prisionais e o Sindicato Técnicos Superiores de Saúde. Ao PÚBLICO, porém, a ASJP assegura que "não participa nas actividades, não está filiada nem tem qualquer ligação à CGTP, à UGT ou a qualquer outra central sindical". 

Os números revelam, assim, que existe vida sindical para além das grandes centrais. Se atentarmos à dimensão dos sindicatos, porém, os mais representativos - porque são transversais - continuam a ser, por exemplo, a FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos), filiada na UGT, ou FNSTFPS (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais), filiada na CGTP.

Mas alguma coisa está a mudar. Para além dos sindicatos independentes estarem mais activos, surgem cada vez mais novos sindicatos. Segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério do Trabalho, há precisamente oito anos que não se registava um número tão elevado de novos sindicatos: 10. No ano passado, foram nove, entre 2014 e 2016, um ritmo de seis em cada ano. Em 2011 e 2012, bem como em 2008 e 2009, quatro. Curiosamente, no ano em que a troika entrou em Portugal, 2011, não foi criado qualquer sindicato. 

Outra mudança tem a ver com a influência do PSD no movimento sindical. A greve dos enfermeiros teve um grande impulso da Ordem dos Enfermeiros, liderada por Ana Rita Cavaco, até há pouco tempo membro do Conselho Nacional do PSD e ex-adjunta do secretário de Estado da Saúde de Durão Barroso, Carlos Martins, hoje na administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte. E no último debate quinzenal, o PSD foi mesmo porta-voz das reivindicações do sector.

Esta intervenção da Ordem revela também como pode estar a mudar o papel das próprias ordens que não são criadas para agirem como um sindicato mas que muitas vezes os esvaziam. E existem vários pedidos para a formação de novas Ordens pendentes de aprovação na Assembleia da República. O ex-secretário-geral da UGT, João Proença, lembra que “o sindicato dos economistas enfraqueceu quando surgiu a Ordem dos Economistas e o mesmo se passou há vários anos com a Ordem dos Engenheiros”. “Houve uma explosão de corporativismos, não digo que há a mais ou a menos”, acrescenta.

Outro factor em mudança é a forma de mobilização que hoje passa muito pelas redes sociais. Exemplo disso é o sindicato de professores STOP, nascido este ano, e que no mundo sindical tradicional é tratado como “o sindicato das redes sociais”.

“As tecnologias de informação tornaram relativamente mais fácil um conjunto de pessoas organizarem-se, o custo tornou-se menor”, reconhece ao PÚBLICO Ricardo Reis, professor de Economia na London School of Economics. Apesar de anotar esta mudança, o economista não prevê que os sindicatos sejam substituídos por grupos de redes sociais. “É altamente improvável e implausível. É inegável a dolorosa diminuição do número de inscritos nos sindicatos. Mas essa diminuição não está a ser compensada por outros grupos”, defende. Para Ricardo Reis, o fenómeno da globalização está a enfraquecer o poder negocial dos sindicatos e o próprio protesto, restando aos sindicatos concentrarem-se no universo dos funcionários públicos.
Outro problema que aponta é o facto de, tendo havido uma grande mudança no mercado de trabalho, “os sindicatos não terem resposta para os trabalhadores temporários”.

Protesto=voto?

Em véspera de ano eleitoral, é normal o aumento de greves, como o próprio Presidente da República reconheceu. E nem a geringonça travou a CGTP, afecta ao PCP. “O inimigo principal do PCP sempre foi o PS”, diz João Proença, sublinhando que a UGT, que recentemente assinou o acordo de concertação social sobre leis laborais, “prefere a negociação e a CGTP a contestação”.

Mas qual a ligação entre protestos e eleições? Guya Accornero, professora convidada no Instituto Universitário de Lisboa, considera que “não se pode estabelecer uma ligação directa entre estas duas formas de participação política”. “O papel dos movimentos não é exactamente o de se traduzir em votos”, acrescenta. 

Guya Accornero sublinha que as consequências das formas de protesto podem até ser “inesperadas”. Em países como a Espanha e a Grécia, refere, os protestos originaram grupos de compras solidárias, comércio justo, etc. Em França, o protesto dos “coletes amarelos” começou por ser uma queixa dos camionistas sobre o aumento do preço dos combustíveis.

Por cá, pode-se dizer com relativa segurança que o mais certo é as greves e os protestos em ano eleitoral servirem para pressionar os partidos a apresentarem propostas.

com Liliana Valente

Notícia actualizada às 13h30 com posição da ASJP e lista de sindicatos que se "relacionam" com CGTP e que "participam na actividade" da CGTP

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