Arménio Carlos: "Saltou a tampa da panela de pressão"
O secretário-geral da CGTP avisa António Costa: "Há um conflito aberto entre a CGTP e o Governo". E não esconde a revolta perante a "prenda" que o Executivo deu aos patrões.
O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, não tem dúvidas: "É evidente que conflitualidade vai aumentar". A partir de Janeiro, "vamos ter aí muita coisa a mexer, muitas lutas a fervilhar", explica em entrevista. Não exclui convocação de uma greve geral e acusa o Governo de ter dado "uma prenda de 371 milhões euros" aos patrões.
As centrais sindicais perderam o controlo das greves?
Com excepção da greve cirúrgica dos enfermeiros, as greves que estão a ser realizadas são todas convocadas por sindicatos da CGTP ou que participam regularmente na actividade da CGTP e são os mais representativos - o que se afere pelo número de associados, dirigentes, delegados sindicais e capacidade de intervenção no terreno. Desse ponto de vista, não há grandes novidades. A greve de enfermeiros é também cirúrgica do ponto de vista da mobilização porque é dirigida apenas aos blocos operatórios. Não é por acaso que o SEP já anunciou uma greve para Janeiro de quatro dias para todos os enfermeiros. É necessário que haja uma grande unidade e coesão e que as reivindicações sejam o mais abrangentes possível para responder às expectativas de todos.
A forma como os enfermeiros se organizaram para bloquear os blocos operatórios foi nova. A CGTP não tira daqui algum tipo de lição?
Em relação aos blocos operatórios, pode ser novo. Em relação aos serviços, não. Os trabalhadores da segurança dos aeroportos fizeram uma greve e só eles conseguiram criar um dia de grande instabilidade nos aeroportos. Ou veja o caso da Ryanair e dos trabalhadores de cabine da TAP.
Chegou a considerar irresponsável uma greve destas dirigida aos blocos operatórios.
É legítima a luta dos enfermeiros. Mas, em relação aos serviços públicos, preservamos o bem-estar e a vida das pessoas. Procuramos evitar prejuízos mas também evitar problemas de contestação ou até de crítica da sociedade contra os trabalhadores em greve.
Mas não reconhece que foi eficaz esta forma de pressão?
Eficaz mas tem efeitos contraditórios. Sentimos que há - e fazem-nos chegar emails - contestação por parte da população.
Como viu a campanha de crowdfunding? Acha que os enfermeiros deveriam divulgar, a bem da transparência, quem fez os donativos?
Nós temos uma solução para o problema: não há melhor forma de sermos transparentes quando se desenvolve uma luta que é todos saberem que quando iniciam uma greve e quando a terminam não vão receber, no final do mês, o respectivo número de horas que estiveram paralisados. É também uma forma de responsabilidade pessoal. Ninguém faz a greve pela greve. Só é feita em última instância porque corresponde a uma redução do rendimento no final do mês. Ao contrário do que muitas vezes se fala, não é verdade que os trabalhadores só querem fazer greve porque têm sempre os salários assegurados. Os trabalhadores dos nossos sindicatos, quando fazem greve, têm redução do salário e entendem essa greve como um investimento de curto e médio prazo para melhorar as condições de trabalho. Quanto a outros casos, cada um fala por si. Pelos vistos, também já se transformou num negócio, uma vez que a margem cobrada pela tal empresa é significativa.
Nesta fase final, o Governo mostra ter menos vontade em negociar do que nos anos anteriores?
O Governo priorizou a aprovação dos orçamentos e subestimou a resposta a outros problemas. Tem problemas na administração pública. No quadro em que o país está - melhor economicamente -, constata-se que não há actualização dos salários dos trabalhadores da administração pública. É inadmíssivel. Há problemas de carreiras e progressões em que o Governo teve dois ou três anos para discutir e negociar e sistematicamente foi protelando a resolução dos problemas. Agora, saltou a tampa da panela de pressão. Há outra área que confirma que o Governo não está a ter sensibilidade que é o sector privado. A proposta de legislação para o sector privado que entrou na AR estimula a manutenção da precariedade, promove novos ataques à contratação colectiva, desregula os horários do trabalho. Não é por acaso que a direita é a primeira a dizer que não se deve alterar aquela proposta. Há aqui um problema de fundo e de conflito aberto entre a CGTP e o Governo. Há outras situações: no mesmo dia, à mesma hora o Governo teve dois posicionamentos diferentes sobre o salário mínimo nacional (SMN). Na concertação social, assumiu que iria impor um SMN de 600 euros. No Ministério das Finanças, assumiu que iria aplicar 635 euros. O Governo devia ter um tratamento idêntico para as duas partes e deu, neste caso, uma prenda de 371 milhões euros ao sector privado por não ter passado o SMN para os 635 euros no sector privado. Assim, é evidente que a conflitualidade vai aumentar.
Como vê o ano de 2019? Vai haver alguma greve geral?
Vamos ter um ano em que os trabalhadores vão reclamar respostas aos seus problemas. Não discutimos ainda essa hipótese de greve geral mas, com a experiência, aprendemos que há uma palavra que não deve ser utilizada: o nunca. Uma coisa é certa: a dinâmica reivindicativa da CGTP vai ainda acentuar mais a sua intervenção nos locais de trabalho. Estamos a preparar uma série de lutas no sector privado e no sector público para os próximos meses de Janeiro, Fevereiro e Março. Vamos ter aí muita coisa a mexer, muitas lutas a fervilhar. Não vamos só ter muitas lutas em empresas, na função pública, vamos ter convergência dessas lutas com expressão de rua, ou seja, greves e manifestações. Isto vai avançar.
Transmitimos ao Governo há já dois anos que valorizamos muito aquilo que foi conseguido. Mas o processo na área do trabalho não andou para a frente, está estagnado. Os trabalhadores têm sido o parente pobre, nomeadamente, da política laboral deste Governo. Transmitimos isso ao ministro do Trabalho, que este processo não podia estagnar senão aqueles que ontem o apoiavam eram os mesmos que amanhã o iriam contestar. Veja o que se passa. Se virmos os trabalhadores que estão em luta, é caso para dizer: quantos deles não votaram no PS? Muitos. Quantos dos dirigentes dos sindicatos em luta não são militantes do PS? Vários. Não estamos a dizer que tem que se conseguir tudo amanhã do que foi retirado nos últimos 10 anos. Tem que ser evolutivo. Quando se olha para a legislação do trabalho, aquilo não é evoluir, é regredir.
Essa vaga de contestação que anuncia parece que voltámos ao período da troika.
O quadro é diferente. Antes, era lutar para combater a redução de direitos. Agora, é lutar para repor aquilo que nos foi tirado e melhorar as condições de vida e de trabalho.
Há quem diga que a CGTP contesta mais quando o Governo é do PS do que quando é do PSD.
Contestamos os governos quando eles fazem más políticas. Há três anos éramos acusados de não fazer greves. Quando interessa dizem que a CGTP faz a luta pela luta. Depois disseram que a CGTP tinha ido de férias. Então queriam que nós fossemos masoquistas? Íamos lutar contra a concretização de algumas das reivindicações que apresentámos? Agora, o último OE não tratou bem os trabalhadores.
Os sindicatos tal como estão só se preocupam com a Função Pública?
Se assim fosse, não tínhamos dado este exemplo da legislação laboral nem a referência ao SMN. Essa é outra falsa questão que visa dividir trabalhadores, lançar os do privado contra os do sector público.
É a favor ou não de uma alteração à lei sindical, que diz actualmente que os sindicatos representam “os profissionais que exercem a sua profissão como ocupação principal, permanente e remunerada", deixando de fora a possibilidade de os precários e os recibos verdes se sindicalizarem?
Uma coisa são os trabalhadores independentes e outra os com vínculo precário. A grande questão que se coloca na representação sindical é outra: é resolver o problema de fundo. Uma boa parte dos trabalhadores a recibo verde continua a prestar um serviço que não é independente mas dependente. Esta utilização fraudulenta do recibo verde tem que acabar. Quando foi criado era para profissões liberais. Agora, passámos a ter a liberalização dos recibos verdes para todas as profissões.
É contra a alteração da lei sindical porque isso seria reconhecer uma coisa que não devia existir?
A lei sindical não tem que se preocupar com esta matéria. A lei sindical tem a ver com os direitos dos trabalhadores e no essencial está estruturada. Precisa de ter alguns ajustamentos. Um deles é o facto de um dirigente sindical que não é da empresa não poder entrar na empresa se não tiver sócios declarados nessa empresa ou não ter aí um delegado sindical.
Por que é que os Precários Inflexíveis ainda não assinaram um protocolo de colaboração com a CGTP?
A melhor forma dos trabalhadores com vínculos efectivos ou precários se organizarem é nos sindicatos da CGTP. Não temos um problema rigorosamente com ninguém, mas a questão é: quem tem o dever de defender todos os trabalhadores? Quem negoceia a contratação colectiva? São os sindicatos. Não pomos em causa que outros se organizem em núcleos ou movimentos. Organizar, podem. Pressionar, podem. Agora essa força será tanto maior quanto for integrada na estrutura dos sindicatos. É através da negociação com o Governo e as entidades patronais que os problemas dos precários podem ser resolvidos.
Como viu a fraca adesão às manifestações dos "coletes amarelos"?
Está provado que não basta fazer apelos pelas redes sociais. É preciso envolver as pessoas e fazê-las sentir que o que está a ser proposto é perspectivável de ser concretizado. Confirma que o povo português está preocupado com qualquer tentativa de aproveitamento por parte da extrema-direita. Há um recrudescimento da extrema-direita e mesmo da ideologia neo-fascista em toda a Europa, mas os portugueses não esquecem o que foi a luta pela liberdade e pela democracia.