Grande reestruturação em Riad quase três meses depois do assassínio de Khashoggi

O rosto da defesa do príncipe herdeiro no mundo sai de cena e assume um papel mais recatado, como ministro do Estado para os Negócios Estrangeiros, cargo que não implica visitas a outros países.

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O novo ministro dos Negócios Estrangeiros do reino, Ibrahim al-Assaf LUKAS BART/EPA

A retirada da pasta dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita a Adel al-Jubeir, a mudança mais sonante numa reformulação governamental abrangente, pode ser lida de várias formas. É possível ver aqui uma despromoção, mas pequena: de chefe da diplomacia, Jubeir passa a ministro do Estado para os Negócios Estrangeiros. Também é certo que actual liderança herdou Jubeir neste cargo da era do rei Abdullah, que o nomeou em 2015, meses antes de morrer.

A interpretação que faz mais sentido é ver em Jubeir um novo bode expiatório dos ecos do assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado a 2 de Outubro por um “esquadrão da morte” enviado de Riad ao seu encontro, no consulado de Istambul. Muitos líderes mundiais apontaram directamente o dedo ao príncipe herdeiro (e rei de facto), Mohammed bin Salman (ou MBS, como gosta de ser tratado), e um relatório da CIA concluiu que Khashoggi, que vivia há um ano exilado nos Estados Unidos, não poderia ter sido morto sem que a ordem viesse de MBS, que controla de perto todas as áreas importantes da governação no reino.

“Já esperávamos que Jubeir saísse, mesmo antes do caso Khashoggi. Mas agora acho que está a ser usado como mais um bode expiatório neste assunto”, diz Marwan Kabalan, director de análise política no think tank Centro Árabe para a Investigação e os Estudos de Política, ouvido pela Al-Jazira. “Penso que ele sai agora – talvez no melhor momento possível para o príncipe Mohammed bin Salman”, afirma Kabalan. “O príncipe herdeiro precisava de culpar alguém e como o cônsul geral de Istambul esteve muito envolvido na morte de Khashoggi, isso cai no pelouro de Jubeir.”

Khashoggi era especialmente respeitado pela sua moderação, e já tinha sido conselheiro de vários membros da família real e dirigido jornais no seu país. Com a chegada ao poder de MBS, filho do rei Salman, começou a temer pela vida e mudou-se para Virgínia. Assinava uma coluna regular no diário The Washington Post.

Pela natureza do seu cargo, Jubeir teve de assumir publicamente a defesa de MBS – que o Senado americano responsabilizou pela morte do jornalista, numa provocação ao Presidente Donald Trump. Numa das suas reacções à vaga de críticas, que levaram países, muitas instituições e empresas a faltar a uma importante conferência de investimento na Arábia Saudita, Jubeir chegou a descrever como “histeria” a cobertura que os jornais ocidentais fizeram do assassínio.

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Cartaz com os rostos do príncipe herdeiro e de Khashoggi num funeral simbólico realizado em Istambul Huseyin Aldemir/Reuters

Para o lugar de Jubeir sobe Ibrahim al-Assaf, ex-ministro das Finanças e um dos membros da família real que MBS quis garantir que percebia quem mandava: Assaf fez parte do grupo de dezenas de príncipes, responsáveis do governo e empresários detidos numa suposta “purga anticorrupção”, em Novembro de 2017. Ordenada por MBS, esta operação visou tanto estabelecer o seu poder como extorquir milhões de milhões de euros aos detidos, corruptos ou não, que obtiveram a libertação depois de passarem fundos e bens para nome do Estado.

Entre as muitas outras alterações, o príncipe Abdullah bin Bandar bin Abdulaziz substitui o príncipe Miteb bin Abdullah à frente da Guarda Nacional. O general Khalid bin Qarir al-Harbi é nomeado Director da Segurança Pública e Musaeb al-Aiban conselheiro para a Segurança Nacional.

Há duas semanas tinha sido anunciada uma reestruturação dos serviços secretos na sequência do assassínio de Khashoggi. Oficialmente, os procuradores sauditas acusam o ex-presidente dos serviços secretos gerais, Ahmed al-Asiri, de ter orquestrado a morte do jornalista em conjunto com o conselheiro real Saud al-Qahtani (um dos mais próximos colaboradores de MBS). Ambos foram presos e estão acusados de organizar o “esquadrão” de 15 homens enviados a Istambul.

Uma comissão dirigida precisamente por MBS criou três novos departamentos governamentais – estratégia e desenvolvimento; assuntos legais; e avaliação e inquéritos internos. A ideia será “garantir que as operações dos serviços secretos estão em linha com a política de segurança nacional; a lei internacional e os tratados de direitos humanos” (que Riad não cumpre internamente, sendo um dos estados mais repressivos da região, com presos políticos e as mulheres sujeitas a um estatuto de cidadãos de segunda, assim como as minorias religiosas, principalmente os xiitas).

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