"Não compre este carro" – a nova abordagem da indústria automóvel

Fabricantes apostam nas subscrições. Chegam a clientes que não querem ser donos e eliminam intermediários. Volvo introduz modelo em Portugal em 2020.

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Maguma/Getty Images

A publicidade dos fabricantes de automóveis já não é o que era. Nos anos 80, ainda exaltavam as características dos carros. Nas décadas seguintes, apostaram nos valores da marca e como estes se alinham com estilos de vida. Até que chegou 2018, com uma nova abordagem: se gosta deste carro, não o compre. Subscreva-o.

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Exemplo do anúncio da Volvo na Alemanha: "Não compre este carro. Subscreva-o" DR

Foi com esta mensagem que a Volvo começou a promover em Outubro o programa Care by Volvo na Alemanha. A marca quer colocar os carros que produz directamente na mão do cliente, que paga um valor mensal fixo (a “subscrição”) em vez de comprar o veículo. O pagamento mensal cobre uma série de despesas, num modelo de negócio em tudo semelhante ao que praticam empresas de outros sectores como o Netflix ou Spotify.

“Queremos que, em 2025, metade dos carros da Volvo seja entregue por subscrição”, afirma o chief digital officer (CDO) deste construtor, Atif Rafiq, em entrevista ao PÚBLICO. “É uma meta bastante ambiciosa e por isso estamos a dar passos bastante grandes”, acrescenta este gestor da Volvo, que vendeu 526 mil carros entre Janeiro e Outubro de 2018, cerca de 50% dos quais na Europa, o maior mercado.

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Atif Rafiq, "chief digital officer" da Volvo quer que metade da produção anual da marca será entregue por subscrição em 2025 Rui Gaudêncio

Depois de um teste nos EUA, onde “foi muito bem recebido” segundo garante Rafiq, o programa foi introduzido em diversos países europeus, incluindo Reino Unido e Espanha. Deve chegar ao mercado português em 2020, disse fonte da marca em Portugal ao PÚBLICO.

Para um Volvo XC40, em Espanha, a subscrição começa nos 466 euros mensais. Na Alemanha, começa nos 498 euros, segundo a mesma fonte da Volvo Portugal. No Reino Unido, custa 532 libras (590 euros ao câmbio actual). Todos os preços referem-se àquele modelo, na configuração e com as opções mais baratas. Ou seja, contrato por três anos e limite de 15 mil quilómetros por ano.

O período mínimo de subscrição é de dois anos. A mensalidade cobre impostos, seguros, assistência, manutenção e mais um conjunto de serviços que variam de mercado para mercado mas que podem incluir desde pneus de Inverno à renovação da carta de condução ou levantamento e entrega do veículo em casa após passagem pelas oficinas. Ao fim do primeiro ano, o cliente pode trocar de carro, fazendo uma nova subscrição de dois anos.

Toda a gestão é feita a partir de uma app. O CEO da Volvo acredita mesmo que o modelo de subscrições vai “ajudar a construir relações mais fortes com os consumidores” – traduzindo por miúdos, a Volvo vai saber quem é o cliente - porque pode eliminar intermediários - e vai acumular muito mais dados para o seu perfil, graças à digitalização.

Outras marcas também experimentam

A Volvo não está sozinha nesta aposta. A Ford vende subscrições em São Francisco e Los Angeles, a partir dos 405 dólares (mais impostos) por mês.

A Porsche lançou o Porsche Passport, com preços a partir de 2000 dólares mensais. A Cadillac (do grupo General Motors) tinha uma experiência semelhante, Book by Cadillac, en Los Angeles, Dallas e Nova Iorque, para modelos premium. Mas o insucesso desta abordagem levou a GM a cancelar o programa, que tinha uma mensalidade de 1800 dólares. Tinha sido lançado em Março de 2017, abrindo um caminho que nenhum fabricante tinha desbravado ainda. O seu fim chegou a 1 de Dezembro. Razão? O serviço era mais caro do que a Cadillac esperava.

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A Cadillac (grupo GM) tinha um programa semelhante em teste, mas abandonou-o a 1 de Dezembro, devido aos custos REUTERS/Mike Stone

A BMW também está a testar o Access by BMW. Como outros programas, é ainda uma experiência-piloto, só aplicável em Nashville, EUA. Os preços vão dos 1099 dólares mensais aos 2700 dólares.

A Mercedes, por seu lado, está a testar desde Junho, em Nashville e Filadélfia, o programa Collection. Também funciona por subscrição, apenas para “modelos de luxo”, com preços a começar nos 1095 dólares, segundo uma simulação feita pelo PÚBLICO. Este programa não existe noutros mercados, de acordo com fonte da Mercedes Portugal contactada pelo PÚBLICO.

O cenário actual sugere duas coisas: que os fabricantes vêem o centenário modelo de negócio "vende-e-repara" ameaçado pelas novas empresas globais de partilha de transporte e mobilidade eléctrica; e que o modelo de subscrição ainda está numa fase muito inicial, com experiências geograficamente circunscritas. A Hyundai, por exemplo, tinha começado um programa do género (Hyundai Ioniq Electric Unlimited+) para um modelo eléctrico, mas voltou atrás, prometendo relançar as subscrições num novo programa melhorado.

Um renting com outro nome?

O que difere este modelo de subscrição de um renting? E justifica-se, em termos financeiros, face a alternativas como a compra a crédito, o leasing ou o aluguer de longa duração (que pressupõe a aquisição do carro no fim do aluguer).

Em relação ao crédito para compra e ao leasing, as diferenças do modelo de subscrições começam logo na propriedade do carro que, na nova opção de negócio, fica sempre nas mãos da marca.

Face ao leasing, a diferença essencial é que este não cobre os custos incluídos na subscrição mensal (impostos, seguros, assistência, manutenção). No fim do contrato de locação, pressupõe-se ainda a aquisição do carro pelo valor residual que é fixado e dado a conhecer ao cliente no início do contrato.

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O XC40 é um dos modelos disponíveis por subscrição. O PÚBLICO pediu uma simulação de "renting" para comparar preços DR

As contas têm de ser feitas com cuidado – e como o modelo ainda não chegou a Portugal, é difícil fazer uma comparação fiável. Mas para se ficar com uma ideia das diferenças, o PÚBLICO contactou uma locadora que trabalha em Portugal e pediu uma simulação para um contrato de renting.

A simulação envolve um Volvo XC40 com motor 1.5 a gasolina com 156 cavalos, também disponível no Care by Volvo. Num contrato de renting a 24 meses, sem opção de compra no final, a mensalidade é de 645,07 euros, mais do que os 568 euros anunciados no programa da Volvo para Espanha.

Porém, a simulação do renting cobre muitos dos mesmos serviços (como impostos, seguro, manutenção e pneus) e permite mais quilometragem: 20 mil por ano, contra apenas 15 mil no programa da Volvo.

Aumentar de 15 mil para 20 mil (o máximo previsto no site da marca) eleva o custo mensal para 580 euros, aproximando a mensalidade do valor mensal fornecido na simulação solicitada pelo PÚBLICO. E se for 25 mil quilómetros por ano, a Volvo cobraria em Espanha 610 euros por mês.

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Atif Rafiq passou pela Amazon, Yahoo, AOL e MdDonald's antes de chegar à Volvo Rui Gaudêncio

Se a opção em Portugal for um renting a 36 meses, sem aquisição da viatura no final, a mensalidade fica em 605 euros, contra 487 euros propostos pela Volvo em Espanha, com o mesmo limite de quilometragem (20 mil/ano).

Para o mercado norte-americano, o site cars.com fez as contas no Verão e chegou à conclusão de que os programas de subscrição então existentes não são alternativas convincentes ao leasing ou renting.

O carro será o próximo telemóvel

“Os primeiros sinais são óptimos”, diz Atif Rafiq, pensando nos resultados: em quatro meses de vigência nos EUA cumpriram-se as projecções feitas para um ano inteiro. Agora, há uma lista de espera pelos XC40. E para os concessionários, esta abordagem ao mercado cria “ansiedades”, porque perdem receitas, além de verem o cliente a dirigir-se directamente à marca.

“Começámos nos EUA, onde disponibilizámos milhares de carros neste programa. Noventa por cento dos clientes são novos na Volvo, por isso consideramo-los conquistas”, continua o CDO da Volvo, alegando que este modelo de subscrição “é mais consistente com a forma como as pessoas hoje olham para certos bens”.

Dá o exemplo dos telemóveis, exalta as capacidades do XC40 para atrair “os millennials” e argumenta que é o modelo certo para chegar a outras faixas de consumidores. “Em termos demográficos, estes novos clientes são em média dez anos mais jovens do que o nosso cliente habitual, que tem em média 50 anos”.

“Estamos a chegar àquelas pessoas que querem conveniência em todos os aspectos da vida delas, incluindo na forma de terem um carro em mãos”, sustenta o mesmo responsável que, antes de chegar à marca sueca (comprada por chineses em 2010), trabalhou na Amazon, na Yahoo, na AOL e tutelou a pasta do digital na McDonald’s.

“Passa-se a encarar o carro como um dispositivo”, prossegue, insistindo na ideia de que este é o caminho para quem acha que ser dono de um carro deixou de fazer sentido. Há outros exemplos. Muitas marcas, como a VW, a Mercedes ou a PSA (Peugeot-Citroën), têm programas de car sharing. É outro modelo de negócio alavancado nas aplicações móveis, que também passa a mensagem de que não é preciso comprar um carro e que é dirigido aos que não querem ser proprietários. 

Atif Rafiq salienta que o mundo está a encarar os carros de outra forma. “Olhamos para o carro como um dispositivo, como qualquer outro, como um telemóvel”, anota. “Há novo hardware e software a sair a cada dois anos. A subscrição é a melhor maneira de beneficiar dessas actualizações. A cada ano ou dois anos podemos renovar o contrato, ou mudar de carro, porque não se fica agarrado a nada.”

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