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Passar o Natal de cabeça para baixo: senhoras e senhores, o circo
O Natal dos artistas circenses é passado na pista, longe de casa. Às vezes, perto da família mas só porque esta também voa com eles, na pista. Até 1 de Janeiro, o circo está de volta ao Coliseu do Porto.
A sala escurece e a arena finge-se adormecida. Mas nas cadeiras do público já ninguém acredita. Senhoras e senhores, isto é o circo e qualquer silêncio, qualquer apagão, imita apenas a calma antes da tempestade. Vlada deve-nos ter ouvido porque saltou da caixa onde se enfiou: rápida, como um raio, sozinha no palco do Coliseu do Porto. Está agora apoiada num pedestal — primeiro no braço esquerdo, os músculos a tremerem e ela a trocar para o direito, as pernas numa linha comprida que parece não terminar nas pontinhas dos pés, cada um a apontar para um sentido diferente.
Vlada é ucraniana, tem 14 anos e o Festival de Monte Carlo à sua espera, já em 2019. Treina desde os quatro anos, agora seis horas por dia, seis dias por semana. Em Kiev, vai à escola mas estaria a mentir se não dissesse preferir “os aplausos do espectáculo”. Ali, de cabeça para baixo — é assim que passa toda a actuação — esforça-se principalmente por “não pensar”. “Porque senão vou imaginar a minha melhor amiga e desatar a rir. Ela tem mesmo piada”, ri-se alto nos bastidores, mais nervosa agora do que antes de abandonar o palco num mortal à jogadora de futebol, executado com a pose de uma artista circense.
Além dela, várias vezes apresentada como “jovem promessa do circo europeu”, há mais seis números no circo do Coliseu do Porto Ageas, para ver até 1 de Janeiro. Incluindo um palhaço sem maquilhagem ou nariz (vermelho, entenda-se) e um jogo de lasers pensado por um lusofrancês que "pela liberdade do circo" abandonou o curso de professor de Filosofia.
Desde 1941 que a tradição natalícia se repete na cidade ao longo do período de festas — e, relembramos, livre de animais desde 2015. Só quando as cortinas se fecham pela última vez e se arrumam os adereços é que começa o Natal dos mágicos, palhaços, acrobatas. “Nós damos o Natal às pessoas. E celebramos a trabalhar, longe de casa.” Mas Valentin, metade da dupla romena de forças combinadas, tem sorte. Ali pode estar sempre de mãos dadas ao irmão mais novo. Ele via-o quase a voar e só pensava: “Quero muito estar ali também.” Agora, actuam juntos e são dos poucos que passam estes dias em família. “Ajuda muito sermos irmãos. Na conexão e em tudo o resto. É o mesmo sangue, sabes?”