Uma farsa com coletes amarelos
Os organizadores ficam mal na fotografia pelo fracasso, a imprensa não sai imune mas quem sai pior desta historieta é o Estado e quem o governa.
As tão temidas “manifestações de grande dimensão” anunciadas para todo o país afinal não passaram da exibição de pequenos grupos de protesto que se distinguiam pelo semblante do fracasso e, claro está, pelos coletes amarelos que envergavam. Entre a expectativa que se foi acumulando ao longo da semana e a realidade desta sexta-feira sobra por isso uma óbvia sensação de exagero e de ridículo que transformou Portugal num país de opereta. Ninguém sai imune deste triste episódio, que prometeu parar o país e acabou a parar meia dúzia de carros sob o olhar tolerante da polícia. Há lições que vale a pena reter nesta mistificação.
Os organizadores ficam mal na fotografia pelo fracasso, embora tivessem a seu favor a honestidade de dizer que se resumiam a um grupo de carolas que, entre parar o país e uma partida de sueca, preferiram a primeira opção. Não sai imune a imprensa que em certos momentos falou de infiltrações, de drones, de bloqueios a pontes com o tom de quem expõe uma profecia destinada a ser cumprida. Mas, e fundamentalmente, quem sai pior desta historieta é o Estado e quem o governa. Se a capacidade de previsão das forças de segurança pública é de facto a que se viu, estamos entregues a agentes secretos incompetentes, a chefes de polícias sem ligação à terra e a governantes medrosos e sem discernimento para distinguir uma formiga de um elefante – como Luciano Alvarez, de resto, descreveu.
Podemos conceber que o Governo foi prudente, que jogou por antecipação para garantir a ordem pública. Mas, mesmo que essas atitudes sejam louváveis, não justificam a forma desastrada como tudo aconteceu. Ao suspender folgas da polícia, o Governo deu a entender que tinha informações classificadas que auguravam uma manifestação gigantesca e criou um quadro de apreensão e alarme. Soubemos hoje que era tudo falso – o que impõe a necessidade de perceber a razão de tanto aparato e preocupação. Era bom, por exemplo, que se averiguasse a competência do SIS ou do aparelho de informações da polícia neste caso.
A revelação de um quadro de alarme acabou por criar uma realidade artificial – porque o mal-estar difuso que se sente nas pessoas com baixos rendimentos que a hegemonia dos sindicatos da função pública tem afastado do debate não se expressa apenas porque meia dúzia de activistas criaram uma página na Internet. Se apareceu mais alguém nas ruas para lá dessa meia dúzia, é porque o Governo os estimulou e porque os jornalistas amplificaram esse estímulo. A meio do dia, a farsa acabou como costuma acabar: algures entre um sorriso complacente e doses elevadas de desdém.