As coisas boas que conhecemos em 2018
Um cruzeiro no Nilo, um roteiro vegan de Berlim, a descoberta de Brooklyn. Apanhar castanhas em Sernancelhe, ver Olhão com outros olhos ou caminhar até Santiago (com batota). Provar o Euskalduna, a comida de tacho dos cozinheiros de mão-cheia e brindar com o Noval Vintage 2016. Este foi o ano que passou, já estamos preparados para o próximo. Eis as escolhas da equipa da Fugas.
Dá Licença, a arte do Norte da Europa numa casa alentejana
Há qualquer coisa de muito especial nesta guesthouse com cinco suítes e três quartos, a poucos quilómetros de Estremoz. Há a paisagem, com algo de lunar na forma como a piscina redonda surge entre as pedras de mármore, há a simpatia dos anfitriões, o francês Franck Laigneau e o português Vítor Borges, e há, sobretudo, uma relação única com o espaço interior, através da presença de uma colecção de arte de duas correntes do Norte da Europa, a Judendstil e o movimento antroposófico de Rudolf Steiner, que aqui se tornam parte da nossa estadia como confortáveis objectos do quotidiano. A.P.C.
O surpreendente sumo dos figos-da-Índia
Sempre andaram por aí, pequenos frutos rodeando os cactos que nasciam selvagens nos campos. Agora, as figueiras-da-Índia e os seus frutos conhecem uma nova vida, com agricultores a apostarem na sua produção e comercialização. Fomos conhecer a plantação de José António e Patrícia, junto à Arruda dos Vinhos, no Ribatejo, para conhecer os figos-da-Índia a partir dos quais se fazem os doces e chutneys da marca Julieta – e encantámo-nos com os sumos, de intensas cores, vermelha ou laranja, conforme o tipo de figo, que se podem fazer com estes frutos tanto tempo injustamente ignorados. A.P.C.
Berlim está cada vez mais vegan
A cidade que não pára de se reinventar está rendida à alimentação vegan. Numa visita que começa pelo Cookies Cream, restaurante vegetariano que conquistou uma estrela Michelin, percorremos Berlim à procura da mais vibrante comida feita com vegetais. E não nos desiludimos: dos portuguesíssimos pastéis de nata vegan aos festivos restaurantes com comida do Médio Oriente (como o Neni), descobrimos também projectos e pessoas que lutam contra o desperdício e que apostam na sustentabilidade. Há muito a descobrir na Berlim verde – e existem até tours especializadas no tema para partir à descoberta. A.P.C.
Goiás, o estado mais doce do Brasil
O estado de Goiás é uma pérola escondida no meio do Brasil. Longe das invasões do turismo de massas, é um espaço meio mágico, onde a poesia se cruza com a arte da doçaria (na cidade de Goiás, terra da poeta Cora Coralina, em cada porta há uma doceira, e muitas delas dizem, e fazem, poesia). E se nos aventurarmos pelas estradas de terra chegamos às fazendas onde os cowboys nos ensinam a fazer a rapadura a partir da cana do açúcar. Foi também em Goiás que encontrámos os alfenins, esses doces que em Portugal só sobrevivem na ilha Terceira, nos Açores, nos quais o açúcar se transforma em pássaros, flores e na pomba do Divino Espírito Santo. A.P.C.
Olhão, a redescoberta da cidade cubista
Olhão é Algarve mas é um Algarve muito próprio, construído ao longo dos tempos a partir de uma rivalidade histórica com Faro, que lhe foi dando uma personalidade muito própria. Muitos estrangeiros estão a descobri-la, a recuperar as casas dos bairros históricos e a animar a vida cultural local. Isso leva também os portugueses a redescobrir Olhão, voltando à renascida Sociedade Recreativa, explorando o mercado e os restaurantes em redor com a ajuda da Joana e do António da Eating Algarve Food Tours, entrando nas lojas e conhecendo os artistas locais, e instalando-se nas novas guesthouses abertas na casas de arquitectura muito particular daquela a que chamam a cidade cubista. A.P.C.
Euskalduna
No início de 2018 toda a gente falava do Euskalduna, o restaurante de Vasco Coelho Santos, no Porto. Os prémios chegavam de todo o lado, de tal forma que fomos ver o que tinha, afinal, o Euskalduna, para, com apenas um ano de vida, chamar tanto a atenção. E confirmou-se: este é um restaurante especial, um espaço pequeno, onde um jantar é quase um espectáculo de teatro (convém ficar sentado ao balcão), com um atendimento verdadeiramente personalizado e uma cozinha cheia de garra, de sabor e de identidade. A.P.C.
Brooklyn, a Nova Iorque mais genuína
Brooklyn é Brooklyn. Tem vida própria e cada vez mais gosta de se mostrar à vizinha Manhattan. Não apenas um skyline semeado nos últimos anos, mas uma marginal resplandescente, uma história de street art entranhada nas paredes e uma vizinhança que se cumprimenta no alpendre e que cada vez mais tem orgulho em viver do lado de cá do rio. Quem já explorou Manhattan devia experimentar perder-se em Brooklyn, neste bairro gigante onde o passo abranda e o sotaque se torna mais espesso. Há quem diga que Nova Iorque é aqui mais genuína e as pessoas menos estereotipadas, mais disponíveis para nos mostrarem a sua zona. Este é um momento interessante em que é possível ver a vida espalhar-se como sangue nas veias deste bairro gigante. L.O.C.
Sernancelhe merece estar no calendário
“Os castanheiros levam cem anos a chegar ao estado adulto, cem anos a crescer, cem anos no seu ser e cem anos a morrer." Já tínhamos estado nos fornos secretos de Sernancelhe onde, entre termos aquilinianos e lenha lançada no forno, crescem receitas de outros tempos, fálgaros, cavacas e queijadas de castanha. Voltámos este ano em pleno Outono, tempo frio e cores quentes, para vermos com os próprios olhos os frondosos soutos que abraçam a paisagem, os ouriços de três castanhas que fazem muito da cultura — e da gastronomia — popular de uma vila que não se rende às condições do interior. Sernancelhe merece estar no calendário. L.O.C.
Cerveja artesanal tratada como vinho
Confessamos: não bebíamos cerveja, nunca foi o nosso forte. A coisa mudou de figura quando percebemos que em Portugal a cerveja começa a ser tratada como o vinho, que há uma série de pessoas (enólogos, cervejeiros, cientistas, alguns loucos) cuja paixão é juntar ingredientes naturais, fechar tudo em barricas, provar e dar a conhecer as suas experiências, quando percebemos que a cerveja artesanal já tem uma pequena história e muitas marcas que ganham corpo. Esta é uma oportunidade de ouro para desenvolver um produto. Os pequenos produtores estão em todo o lado. E as grandes marcas já mostraram que estão atentas. L.O.C.
Cozinheiros de mão-cheia
No ano em que foram vistas estrelas Michelin longe da A1 — que o digam os irmãos Óscar e António Gonçalves que nos obrigaram a fazer um delicioso desvio até Bragança —, a Fugas decidiu invadir a cozinha e parte da vida de pessoas que não sonham ser chefs, que servem comida simples no tacho e que falam de comida como quem declama poesia ou canta ao desafio. No Porto, madrugámos ao ritmo de Luísa, a menina do Caraças, e de Miguel, que aprendeu os segredos do peixe em alto mar antes de os revelar no Rei dos Galos de Amarante. Partilhámos com eles a paixão que os move, a arte da busca dos ingredientes perfeitos, as técnicas simples que no prato fazem toda a diferença. Continuaremos a ser clientes da casa. L.O.C.
Egipto, cruzeiro no Nilo
É-nos difícil descrever o primeiro final de tarde a que assistimos desde o Nilo, a bordo de um dos muitos barcos-cruzeiros que o sulcam à vez com as eternas falucas – é feitiço, certamente, o sol afundando-se, o céu a tingir-se de laranja contra as margens desenhadas a palmeiras. Vamos como peregrinos, Nilo abaixo, entre Luxor e Assuão parando nos santuários de outrora para ver a história saltar dos livros e cristalizar-se no presente: todas as maravilhas e mistérios do Antigo Egipto mão a mão com o Egipto de hoje, caótico e esfuziante. E tudo numa orquestra diária bem montada: saídas do barco de madrugada, tardes lânguidas no convés, finais de dia nos mercados fervilhantes. Cinco dias inesquecíveis de cruzeiro no Nilo, que se complementam no Cairo, o grande bazar da civilização. A.M.P.
Istambul atrás dos gatos
Fomos a Istambul atrás dos gatos mas qualquer pretexto serve para conhecer Istambul – incluindo, nenhum. A cidade são várias cidades, dois continentes: entre eles a água, sempre a água, onde a luz não pára de brincar. Sultanahmet é o coração – da cidade e da história de Bizâncio, de Constantinopla, de Istambul – que depois bate a ritmos diferentes em Balat-Fenenr, Kadiköy, Örtakoy, Arnavutköy... sempre a partir da incontornável avenida Istiklal. Não perdemos uma oportunidade de tomar chá e café (turco) em cafés e esplanadas (vista sobre os míticos Bósforo e Corno Dourado), perdemo-nos a olhar o mar de Mármara vendo chegar e partir navios, deambulámos por livrarias, não esqueceremos os cheiros das ruas (flores, castanhas assadas, kebabs e dürüms) nem os sons (música sufi, tradicional, de intervenção, pop, electrónica). Recordaremos sempre as pessoas. E não nos cansaremos de regressar às ruas de Istambul, onde a Europa namora a Ásia numa história milenar que continua a surpreender os visitantes. A.M.P.
A originalidade dos azulejos
Crescemos com eles, entre eles, e damo-los como adquiridos. Os que vêm de fora destacam-nos entre o que mais apreciam em Portugal e está na altura de os portugueses terem consciência da originalidade dos “seus” azulejos. Há cinco séculos que preenchem as nossas paredes, externas e internas, e servem de suporte às mais vanguardistas formas de arte. Artistas de todo o mundo escolhem as fábricas portuguesas como parceiras, há cidades (Ovar e Aveiro, por exemplo) que fazem roteiros à volta dos azulejos, e prepara-se candidatura a Património da Humanidade da UNESCO. Descobrimos que Portugal se vê ao espelho nos seus azulejos e passamos a olhá-los de forma diferente. A.M.P.
Serra da Estrela para todo o ano
Aldeias históricas e de montanha (umas e outras com abundância de história e estórias), paisagens alpinas e mediterrânicas, castelos, praias fluviais e neve. Bem no coração de Portugal, a serra da Estrela não se envergonha em nenhuma altura do ano: podem apreciar-se mais as cores de Outono ou da Primavera, o calor ou o frio, mas há qualquer coisa de único em qualquer altura do ano. No Verão, mergulhamos na água, tanta água, mas não desdenharíamos de uma lareira com vista para paisagens ora amenas ora vertiginosas. E sempre com uma mesa farta por perto: não faltarão queijo e enchidos e com isso já nos servimos. A.M.P.
Varsóvia, a sobrevivente nata
À primeira vez surpreendeu-nos, desta segunda conquistou-nos – e a nossa admiração. Varsóvia é uma sobrevivente nata e isso molda-lhe as feições e o carácter: não é óbvia como Cracóvia, mas se persistirmos as recompensas são imensas. Nós deixamo-nos guiar pela (turbulenta) história do século XX e não saímos incólumes: a cidade que se faz vanguarda no seu “lado B” (o bairro de Praga), assume a sua história negra (ocupação nazi) e areja complexos (comunismo). O resultado pode bem ser entranhável. A.M.P.
Óbidos, o coração da literatura
Há cinco anos, a conversão de uma igreja em livraria desencadeou um sonho singular e inesperado: transformar uma vila histórica no coração da literatura em Portugal. Óbidos tem agora recantos de livros um pouco por todo o lado, incluindo museus, o antigo mercado de hortícolas, a escola primária sobre o monte ou nas traseiras da “loja do Américo”. Mas o projecto, que valeu a Óbidos a classificação como Cidade Criativa da UNESCO, expande-se a outros capítulos: festivais literários, residências artísticas ou tertúlias poéticas no Arco da Cadeia. E em ano de celebração dos 20 anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago, a vila ganhou um novo espaço dedicado ao autor. M.G.
Até Santiago com os olhos cheios de mar
Desde meados de 2017 que o Caminho Português da Costa se encontra totalmente reabilitado, com nova sinalética ao longo de percurso, mas só este ano tivemos oportunidade de percorrê-lo – ou parte, quase sempre de carro e com alguma batota à mistura, admitimos. Ao contrário do Caminho Português Central, mais conhecido e tido como o mais antigo em território nacional, esta rota jacobina até Santiago de Compostela começa no Porto e sobe a Valença sempre com os olhos cheios de mar e de rio. Baseado em registos históricos, o trajecto assinalado atravessa serras e muitas povoações, aliando o património arquitectónico ao interesse paisagístico. Para percorrer por devoção religiosa, superação física ou simplesmente pelo passeio. M.G.
O linho de Janeiro de Cima
Há mais de 30 anos que as plantações de linho desapareceram de Janeiro de Cima, mas a aldeia quer recuperar a tradição, do campo ao tear. Não para ressuscitar a dureza daqueles tempos, antes para adaptar a economia e os saberes locais ao turismo de experiências e às novas exigências do design. Este ano, lançaram o projecto-piloto “Laboratório da Terra – O Regresso do Linho”. Além de workshops de tecelagem e de tinturaria natural, estão a plantar as sementes de linho que recolheram junto da população local e a criar um Jardim de Tingir, com índigo e tintureiras autóctones. A ideia, a longo prazo, é criar condições para agarrar as gentes à terra. Porque sem a comunidade, nada persiste. M.G.
Quinta do Noval Porto Vintage Nacional 2016, "o" Vintage
Apesar de ser feito com uvas de uma única vinha (plantada em pé franco já depois da filoxera), quando a tradição dos grandes vintages assenta no lote de vinhos de diferentes propriedades, o Quinta do Noval Nacional é "o" Vintage. Custa bastante mais do que qualquer outro, a sua produção é pequena e só sai em anos especialíssimos. O último, da colheita de 2016 (1230 euros na Garrafeira Nacional), é um daqueles vinhos que se percebe serem extraordinários sem sabermos explicar muito bem porquê. Têm qualquer coisa de único e distinto. São vinhos com uma dimensão sensorial fora do comum, um misto de potência, sobriedade, impetuosidade, elegância e sofisticação. P.G
As vinhas de Waterkloof são o sonho de qualquer produtor
Rodeadas de montanhas e de mar, as vinhas de Waterkloof, junto à cidade de Somerset West, a cerca de 50 quilómetros da Cidade do Cabo, são o sonho de qualquer produtor. Estão no meio de um cenário perfeito e os vinhos que ali se produzem, a partir de práticas agrícolas baseadas nos preceitos biodinâmicos e no respeito pela biodiversidade local, reflectem o prodígio da paisagem. É um lugar que se visita uma vez e que nunca mais se esquece. Os tintos, sobretudo os de Syrah, são belíssimos. Mas o vinho que melhor representa a beleza da propriedade e a frescura das montanhas e do mar é o extraordinário Waterkloof Sauvignon Blanc. P.G.