Benfica ilibado mas Paulo Gonçalves será julgado por corrupção

Tribunal de Instrução considerou insuficientes as provas reunidas contra a SAD “encarnada” e o oficial de justiça Júlio Loureiro na acusação do e-Toupeira

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Paulo Gonçalves (à direita) vai mesmo ser julgado JOSE COELHO/LUSA

Não há provas que sustentem um julgamento da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do Benfica na acusação do caso e-Toupeira. E o mesmo sucede em relação ao funcionário judicial e ex-observador de árbitros Júlio Loureiro. Ambos foram, esta sexta-feira, ilibados pelo Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) de Lisboa que, paralelamente, confirmou parcialmente a acusação referente ao antigo-assessor jurídico “encarnado” Paulo Gonçalves e ao oficial de justiça José Silva.

Ao contrário do que pretendia o Ministério Público (MP), a juíza de instrução criminal Ana Peres não ficou convencida com os indícios recolhidos na investigação em relação à participação da SAD “encarnada” no processo e-Toupeira. No total, a entidade que gere o futebol do Benfica era acusada de 30 crimes: um de “corrupção activa”, outro de “oferta ou recebimento indevido de vantagem” e 28 de “falsidade informática”. Todos caíram por terra.

Na leitura da decisão instrutória, a juíza Ana Peres desmontou a tese do MP, que acusava a SAD de ter tido conhecimento e beneficiado das informações recolhidas pelos oficiais de justiça José Silva e Júlio Loureiro. Para o TCIC, os indícios recolhidos não permitem imputar responsabilidades ao Benfica pelas actividades do seu funcionário Paulo Gonçalves.

Na tese da acusação, o ex-assessor jurídico agiria em nome da SAD, oferecendo, com o conhecimento desta, “prendas” aos dois oficiais de justiça - convites para jogos na zona VIP do Estádio da Luz, acesso a zonas reservadas exclusivas dos jogadores, produtos de merchandising, assim como a oferta de um emprego a um familiar de José Silva -, em troca de informações relativas a processos judiciais envolvendo o nome do clube e respectivos funcionários, assim como os seus rivais, que se encontravam em segredo de justiça.

Ana Peres afastou ainda a possibilidade da SAD incorrer em qualquer sanção desportiva neste caso particular, como a descida de divisão, como também era pedido pelo MP como pena assessória. Em suma, não há provas de que os crimes apontados a Paulo Gonçalves tenham sido cometidos na esfera das suas actividades como funcionário do Benfica.

“Não há qualquer prova sobre a utilização que Paulo Gonçalves tenha dado a essa informação” recolhida junto dos oficiais de justiça, salientou a magistrada, qualificando muitos dos indícios recolhidos como “vagos”, “inconclusivos” e “insuficientes”.

Fortes indícios

“O dirigente [Paulo Gonçalves] responderá a título pessoal pelos ilícitos de natureza criminal que tenha cometido”, indica, contudo, a decisão instrutória, considerando que o jurista terá ultrapassado os limites impostos pelas suas funções na SAD.

Mas o antigo assessor jurídico não se livra de ser julgado por corrupção activa, mesmo tendo visto serem substancialmente reduzidos os restantes crimes de que era acusado, nomeadamente por “oferta e recebimento indevido de vantagem”. Por terra ficaram também os 28 crimes de “falsidade informática”.

Para julgamento seguirá também José Silva que viu igualmente reduzidos o rol de crimes que lhe eram imputados pela acusação. Mantiveram-se a “corrupção passiva”, “violação do segredo de justiça”, “acesso indevido”, “violação do dever de sigilo” e “peculato”. De fora ficaram os crimes de “favorecimento pessoal”, “violação do segredo de funcionário” (por a queixa não ter cumprido os prazos legais) e “falsidade informática”.

“Conclui-se pela verificação dos fortes indícios, em relação ao arguido José Silva e Paulo Gonçalves, para os submeter a julgamento”, refere a decisão instrutória a que o PÚBLICO teve acesso.

Por outro lado, a juíza revogou a medida de coacção aplicada a José Silva – prisão domiciliária com pulseira electrónica -, por considerar que já não existe o risco de perturbação do inquérito. O arguido poderá aguardar o julgamento em liberdade.

Ilibado pelo TCIC foi também Júlio Loureiro, sobre quem incorriam 76 crimes. No seu caso, as acusações estavam relacionadas com as suas funções enquanto oficial de justiça (escrivão), mas principalmente como antigo observador de árbitros.

Para Ana Peres, as supostas informações que comunicaria a Paulo Gonçalves já eram do âmbito público e não seriam susceptíveis de alterar a verdade desportiva: “Não teve influência em qualquer jogo da Benfica SAD.” A magistrada considerou que os indícios não são suportados por factos e que a prova é insuficiente para deduzir uma acusação.

Considerações da juíza que iam deixando visivelmente satisfeito Rui Pedro Pinheiro, defensor de Júlio Pinheiro. No final, o advogado deixou mesmo a hipótese do seu cliente pedir uma indemnização ao Estado pelos danos pessoais e profissionais provocados por este processo.

Resta agora saber se o MP irá recorrer para os tribunais da relação deste despacho do TCIC. Até ao fecho desta edição, o procurador-adjunto Valter Alves, que conduziu o inquérito não se tinha pronunciado. Já a Sporting SAD, que se constituiu assistente no caso, pondera recorrer da decisão instrutória. Numa nota oficial distribuída aos jornalistas, o clube de Alvalade assume que "analisará os fundamentos da decisão, reservando o direito de recorrer do teor da mesma". Quem não o pode fazer são Paulo Gonçalves e José Silva, que vão ser mesmo julgados em processo comum no Tribunal Central da Comarca de Lisboa, em data a assinalar.

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