Ricardo Carvalho ainda não se sentou para pensar na viagem que o espera em Abril. Só isso pode explicar que, quando lhe perguntámos quais as dificuldades que espera enfrentar no Círculo Polar Árctico, responda o seguinte: “Para dizer a verdade, não tenho receios.” Pausa. “Só que me faltem umas meias quentinhas.”
Durante seis dias, o arqueólogo de 33 anos vai deslizar por 300 quilómetros de deserto gelado, passando pela Noruega e Suécia num trenó puxado por seis cães treinados. “Pois, se calhar ainda não pensei muito bem nisto”, ri-se, agora à gargalhada, o terceiro português a vencer o concurso online aberto a candidatos de todo o mundo.
Não vai sozinho, é certo: Ricardo é uma das 20 “pessoas comuns” — leia-se, que tal como ele nunca fizeram nada assim — a participar na expedição Fjällräven Polar. Criado há mais de 20 anos, o desafio promove uma marca de roupa sueca de aventura passando uma mensagem simples: pessoas sem preparação específica conseguem sobreviver em condições inóspitas, salvaguardando que com elas levem o equipamento apropriado (fornecido pela organização, “meias quentinhas” incluídas).
Escuteiro desde pequeno, em Vila Real, e alpinista amador, Ricardo já participou “em muitas actividades nas montanhas e na neve”. “Este é um desafio à minha medida”, atira. Mas, reconhece, “uma coisa são os Picos da Europa, outra é o Circulo Polar Árctico”.
Apresentou-se no concurso de votação online como “mestre em cozinha selvagem”, garantindo ainda que “constrói o melhor abrigo” e que “está sempre feliz”: capacidades necessárias para quem vai ter de tratar dos cães, preparar a comida e montar acampamentos. “Ajudarei sempre os outros quando houver necessidade”, prometeu.
Até 14 de Dezembro, dia em que os 20 vencedores (metade eleitos por votos do público, os outros pelo júri do concurso) foram anunciados, reuniu 17.916 votos. Vai ser ele o representante da região mediterrânica entre 8 e 13 de Abril — em primeiro lugar global ficou Babz Sage, da Índia, com 82.715 votos.
Nos últimos dias de concurso, quando chegou a maior parte do apoio, o arqueólogo quase não dormiu. “Estava fixado em vencer, mas não estava à espera”, confessa. Logo no início foi bloqueado do Facebook, culpa do spam que teve de fazer para pedir votos e, no fim, ia-se “vendo grego” para ganhar. Diz que faz parte da tradição portuguesa do concurso: ser ultrapassado, quase no último minuto, pela Grécia. Tanto Mónica Roldão Almeida, no ano passado, como Pedro Alves, em 2012, perderam contra um candidato grego, mas foram depois resgatados pelo júri, relembra. Foi a Mónica, bióloga, que recorreu a pedir conselhos para a campanha de angariação de votos que durou mais de um mês. Agora, os dois vão começar a falar da expedição.
Ricardo Carvalho diz já ter começado o treino físico. O “espírito de aventura” e a “vontade de arriscar” já tinha. “É isso que preciso. Depois nada de mal se vai passar." Pausa outra vez. "Espero eu.”