Projecções demográficas e economia: agir antes que seja tarde de mais!

Se nada fizermos, os padrões de prosperidade que conhecemos em cada escalão etário pura e simplesmente desaparecerão.

A Europa, e muito especialmente Portugal, estão confrontados com um enorme desafio demográfico que urge enfrentar quanto antes, sob pena de nós, cidadãos, sermos esmagados pelas suas consequências no nosso modelo de sociedade e nos níveis de prosperidade de cada um ao longo da vida. A fim de ajudar a despertar consciências para a urgência de o país abandonar a inércia perante o problema e pensar no que pode fazer diferente, o centro de reflexão Cidadania Social promoveu uma conferência no passado dia 11 em torno de quatro temas. Estes temas correspondem às quatro áreas da economia nas quais as projecções demográficas maior impacto poderão ter: território e desenvolvimento, prestação e financiamento de cuidados de saúde, digitalização e envelhecimento activo no mercado de trabalho, e poupança e pensões de reforma.

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A nível nacional, Portugal regista desde 2010 um duplo fenómeno demográfico: perda e envelhecimento populacionais. O Instituto Nacional de Estatística (INE) produz a cada três anos projecções de muito longo prazo que visam antecipar tendências e dar, precisamente, a todos os cidadãos e aos decisores económicos informação útil para prepararem o futuro. A actualização mais recente deste exercício prospectivo consta da publicação Estatísticas Demográficas 2017, divulgada em 15 de Novembro último. Com a devida vénia, evidenciam-se nos gráficos juntos os dois fenómenos acima mencionados. Os dados posteriores a 2017 são as projecções resultantes do cenário central, que corresponde à assunção de hipóteses que não são pessimistas nem optimistas quanto à evolução das componentes fertilidade, mortalidade e migrações. Assim, após o pico atingido em 2009 (10,6 milhões de indivíduos), a população residente em 2017 baixou para 10,3 milhões de habitantes, podendo cair para 7,7 milhões em 2080 (vide Gráfico 1) no cenário central. A queda será substancialmente mais acentuada no grupo etário dos 15 aos 64 anos de idade, que concentra a população activa (Gráfico 2). Actualmente, temos cerca de 155 idosos (pessoas acima dos 64 anos) por cada 100 jovens, definidos como indivíduos com menos de 15 anos — Gráfico 3. Em 2080, este rácio, conhecido como índice de envelhecimento, poderá chegar a 309.

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As projecções são assustadoras, no sentido de que se nada fizermos para mitigarmos a sua concretização nem nada mudarmos na organização social então os padrões de prosperidade que conhecemos em cada escalão etário pura e simplesmente desaparecerão, ainda que lentamente. A nível nacional, o duplo fenómeno demográfico ocorre desde 2010. Porém, custa ainda mais aceitar nada fazermos quando é verdade que temos territórios a perder população e a envelhecer há, pelo menos, 60 anos! Dir-se-á que são meros interstícios do todo nacional e onde habitam poucos eleitores, poucos consumidores, poucos empreendedores e que o país passa bem sem eles. Os fenómenos começaram em meia dúzia de freguesias rurais nas Beiras e em Trás-os-Montes, a seguir à 2.ª Guerra Mundial. Mas, paulatinamente, galgaram fronteiras político-administrativas e hoje poderemos estar já a falar de 60% da superfície nacional. Em 2011, ano do último censo, mais de 60% da superfície nacional tem menos de 45 habitantes por km2, contra a média nacional de 115. Cerca de um milhão de pessoas vive naqueles 60% do território nacional, com um poder de compra inferior a 60% da média nacional. Se não provámos ser capazes de conter espacialmente as tendências demográficas e económicas, como é que seremos capazes de impedir que elas atinjam o litoral e o coração económico do país?

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Ao longo das últimas três décadas, colocámos no terreno dispositivos de política pública com o objectivo de promover a coesão e a competitividade nos territórios demográfica e economicamente mais frágeis. Várias avaliações mostram, à escala NUTS III, que o país progrediu imenso em coesão: mais e mais indivíduos passaram a aceder a bens e serviços de interesse colectivo, como electrificação, saneamento, educação, cuidados de saúde, mobilidade... Porém, o progresso em indicadores de competitividade tem sido espacialmente heterogéneo, havendo cada vez mais territórios de baixa densidade a ficar para trás. Promover a coesão é relativamente fácil. Havendo financiamento (e a UE foi pródiga neste campo) e planeamento público (e Portugal avançou imenso neste domínio), quase que basta espalhar cimento nos territórios para os graus de cobertura da população aumentarem. Incrementar o valor acrescentado pelas empresas, atrair investimento directo, valorizar e reter capital humano, atrair visitantes, são tarefas muito mais difíceis de concretizar e que exigem a mobilização de parceiros privados, sociais e públicos em torno de estratégias de médio e longo prazo orientadas para a criação de valor e adequadas aos recursos e capacidades de cada região.

No painel que moderei, intitulado “População, Território e Desenvolvimento”, os oradores convergiram na necessidade de as políticas públicas com maior impacto estrutural no desenvolvimento (saúde, ambiente, educação, mobilidade, cultura, economia...) não poderem mais ser territorialmente cegas nem desarticuladas. Precisam de um modelo de governança que as coordene ao serviço de uma visão comum de médio e longo prazo para o desenvolvimento das regiões. Neste sentido, a proposta fundamentada [1] que fiz no primeiro artigo que assinei para esta coluna — “Desenvolvimento de Portugal e a orgânica do próximo Governo”, edição PÚBLICO de 5 de Março de 2018 — retém a sua oportunidade. É irrealista pensar que voltaremos a ter o povoamento que tínhamos na economia rural de 1950, nem as pessoas que ainda vivem nos territórios de menor densidade querem regressar a esse tempo, pois hoje estão melhor. Precisamos criar massa crítica nos locais de residência, em torno de vilas e cidades de pequena e média dimensão, mas, ao mesmo tempo, temos de favorecer a produção dos diversos bens e serviços que só pode existir no meio rural e que tanto beneficiam os cidadãos das áreas metropolitanas: qualidade ambiental, património material e imaterial, terra arável, prevenção de fogos florestais, diversidade de habitats naturais, humanos e animais e, claro, a tranquilidade e a paz de espírito que há muito se perderam nas grandes cidades. Com ou sem regionalização político-administrativa, é possível e imperioso fazermos mais e fazermos diferente. Antes que seja tarde de mais...

[1] Baleiras (2016), Rui Nuno, “Bloqueios institucionais e possíveis soluções para a operacionalização de políticas transversais: O caso do desenvolvimento económico em Portugal”, Public Policy Portuguese Journal, Vol. 1, n.º 1, pp. 28-56.

?Cidadania Social – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais – www.cidadaniasocial.pt

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