Diálogo entre bombeiros e Governo ainda não começou e já voltaram as críticas públicas

Ministro da Administração Interna enviou uma carta directamente às corporações de bombeiros que caiu mal na Liga. Marta Soares acusa Eduardo Cabrita de tentar dividir a classe.

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Jaime Marta Soares Rui Gaudencio/ Arquivo

O ministro da Administração Interna dirigiu na quarta-feira uma carta de quatro páginas às corporações de bombeiros (profissionais) do país e de pronto provocou críticas da Liga dos Bombeiros (voluntários). Jaime Marta Soares, em declarações à TSF, diz que o ministro “tenta dividir os bombeiros, tentando incutir-lhes inverdades”.

O verniz estalou depois de, na terça-feira, os bombeiros terem aberto a porta ao diálogo e de, no dia seguinte, o ministro da Administração Interna ter dito que estava disponível para conversar com os representantes dos bombeiros, marcando com a Liga uma reunião para a próxima semana (terça-feira). Mas Eduardo Cabrita fez mais, enviou às corporações de bombeiros uma longa carta de quatro páginas (já iremos ao conteúdo) sobre as várias medidas tomadas pelo actual Governo para melhorar a vida dos bombeiros, garantindo só ter recebido as exigências da Liga há poucos dias e assumindo que pretende retomar o diálogo.

A carta não foi bem recebida pela Liga. Na opinião de Marta Soares, a carta é “inqualificável”, tem “falta de sentido ético” e é “intelectualmente desonesta”. O Presidente da Liga acusa o ministério de Eduardo Cabrita de criar “um mau ambiente no seio dos bombeiros” e “atirar achas para a fogueira” em vez de “procurar soluções”.

"Quando efectivamente se procuram soluções — já com cerca de 20 dias de atraso — e se marca uma reunião para negociarmos e encontrarmos soluções, o senhor ministro tenta dividir os bombeiros portugueses”, insistiu o presidente da LBP à TSF. As novas críticas de Marta Soares devem-se ao conteúdo da carta dirigida às corporações de bombeiros.

O que diz a missiva?

No início da carta enviada na terça-feira, Eduardo Cabrita começa por salientar que os resultados obtidos em 2018 “só foram possíveis com o reforço da capacidade técnica e operacional do sistema, com o incremento da coordenação, com reflexos em todo o tipo de ocorrências” e com o empenho de todos os profissionais onde se incluem os bombeiros, lembrando que estes, “sejam profissionais ou voluntários” são “a coluna vertebral desse mesmo sistema”.

Na missiva, Eduardo Cabrita não faz grande distinção entre bombeiros voluntários, profissionais ou sapadores, lembrando que foi dado “o maior volume de apoio de sempre aos bombeiros” no valor de 65 milhões de euros, com o reforço do número de equipas profissionais, por exemplo.

O ministro lembra que foi este executivo que repos alguns benefícios que tinham sido “suprimidos pelo anterior Governo” como o caso da isenção de taxas moderadoras no SNS. É com este enquadramento que Cabrita recorda que foram aprovados em Conselho de Ministros vários diplomas, que ainda estão, garante, em discussão pública.

Um desses diplomas, insiste, vai ao encontro daquilo que é pretendido pela Liga dos Bombeiros. Cria “um Comando Nacional de Bombeiros, com orçamento próprio, cujo perfil é definido em diálogo com a Liga dos Bombeiros Portugueses, a quem caberá igualmente a participação na designação desse comando”, escreve Cabrita defendendo que é, por isso, “falso que o Governo pretenda regular a organização dos bombeiros”.

É neste ponto que os dois lados não se entendem. Em conversa com o PÚBLICO no início desta semana, Marta Soares dizia que uma coisa era o português que estava na proposta de lei, outra coisa o que ele significava. Ou seja, que estando prevista a criação do tal comando de bombeiros, este ficaria sob a alçada da Autoridade Nacional de Protecção Civil – e essa tutela os bombeiros não aceitam.

Mudança na estrutura

Nesta carta, o ministro explica ainda a opção pela mudança estrutural operacional que quer fazer na ANPC e que tem recebido críticas tanto da Associação Nacional de Municípios Portugueses como do Observatório Técnico Independente. Na prática, o Governo quer acabar com as actuais estruturas distritais de operação de socorro (CDOS) – às quais os bombeiros não estão de momento a reportar ocorrências – e criar uma nova estrutura em sua substituição que coincida com as comunidades intermunicipais.

Os municípios têm dúvidas e os técnicos independentes pediram prudência porque ao mudar a estrutura organizativa, o Governo está apenas a mexer na ANPC e não noutras entidades, como a GNR, o que faz com que as entidades envolvidas não estejam sintonizadas em termos de área geográfica, o que pode causar entropias.

Agora, na carta, Eduardo Cabrita argumenta finalmente em torno do porquê desta opção. Diz que “o modelo de organização territorial proposto dá coerência à organização administrativa do Estado e beneficiará o sector da protecção civil em matéria de acesso a fundos comunitários, processos que hoje se operacionalizam ao nível das comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas”.

Os vários diplomas foram pela primeira vez a Conselho de Ministros no dia 25 de Outubro e ainda não viram a luz do dia. “Há certamente aspectos que estão em discussão e, por isso, recebemos há alguns dias as propostas e comentários da Liga”, assume Eduardo Cabrita. E insiste que quer continuar “esse processo de diálogo natural e construtivo”, diálogo esse que ainda não se fez sentir.

O descontentamento não é exclusivo da Liga de Bombeiros Portugueses. Também o vice-presidente da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários João Marques disse, nesta quarta-feira, que “os bombeiros estão desanimados e descrentes e não se revêem nas declarações que o ministro tem feito” e exige um pedido de desculpas do ministério.

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