Provedora de Justiça não pede fiscalização da lei que suspende os despejos
Maria Lúcia Amaral não conseguiu formar uma convicção segura sobre a insconstitucionalidade de uma lei que reconhece ser "um elemento estranho na ordem jurídica de um estado de Direito"
A provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral arquivou o processo que a Associação Lisbonense de Proprietário (ALP) lhe endereçou em Julho deste ano e no qual pedia à Provedoria de Justiça que intercedesse junto do tribunal Constitucional para fazer a fiscalização da Lei 30/2018. Trata-se do diploma que suspende até Março de 2019 a possibilidade dos senhorios denunciarem, ou se oporem à renovação, dos contratos celebrados com inquilinos com idade igual ou superior a 65 anos ou com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60% e que residam no imóvel há 15 anos.
Este foi o primeiro diploma a ser discutido e aprovado pela Assembleia da República no âmbito da discussão do chamado pacote da habitação – e que os deputados querem ver discutidos até ao final deste ano – e que o presidente da República promulgou e está em vigor já desde o dia 16 de Julho. Na resposta que enviou à ALP, a Provedora de Justiça explicou que não tinha uma convicção segura sobre a inconstitucionalidade daquela lei, pelo que não poderia requerer uma intervenção a esse título ao Tribunal Constitucional.
A provedora de Justiça reconhece, no entanto, que a publicação daquela lei, e nos moldes cautelares em que foi aprovada, a transformou num “elemento estranho na ordem jurídica de um Estado de Direito”. Maria Lúcia Amaral diz que a singularidade deste acto legislativo está no facto de o legislador pretender assegurar "o efeito útil de uma legislação futura, cuja aprovação e data de aprovação são, desde logo incertas e cujo conteúdo final é ainda desconhecido".
Maria Lúcia Amaral reconhece que as dúvidas da ALP quanto à conformidade constitucional do diploma são “perfeitamente justas e fundadas”, e admite que o diploma em causa “suscita diversas questões, seja no plano infraconstitucional, seja no que respeita à sua conformidade com a Constituição”. Porém, optou por arquivar o processo, por ter ficado com mais dúvidas do que certezas.
A provedora explica que o estudo feito pelo seu gabinete a esta lei demonstrou que se trata de uma espécie de lei cautelar, que tem como objectivo “assegurar o efeito útil de uma legislação futura, cuja aprovação e data de aprovação são, desde logo, incertas e cujo conteúdo final é ainda desconhecido”.
A provedora de Justiça entende que a apreciação jurídica e constitucional deve assentar em valorações concretas e que no caso da lei em apreço tal não será possível.
“Saber até que ponto o peso a atribuir às razões de interesse público que terão determinado a aprovação do diploma poderá ou não, em ponderação, justificar o grau de sacrifício imposto ao senhorio pressupõe, logicamente, que se tenha previamente identificado, com rigor, o grau de afectação da situação jurídica do senhorio. Na medida em que se trata de um elemento essencial a ter em conta na valoração que, em sede de apreciação jurídico-constitucional, haverá a fazer, o que é seguro é que, no quadro de um processo de fiscalização abstracta sucessiva, não disporia o Tribunal Constitucional de todos os elementos em termos de poder declarar ou não, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das pertinentes normas do diploma em questão”, esclarece a provedora.
A ALP reagiu em comunicado, lamentando que os proprietários se vejam, de novo, “sozinhos nas mãos de um legislador que impunemente aprova Leis de protecção social do inquilinato à custa da supressão de direitos constitucionalmente consagrados dos donos de imóveis”.
A associação de proprietários insiste que esta lei é inconstitucional por ferir o princípio da confiança e ainda o art. 20º da Constituição, que garante a todos o acesso aos tribunais e à justiça num prazo razoável. “A ALP transmitiu à Provedora de Justiça e anteriormente à Presidência da República que suspender o acesso à Justiça por parte de milhares de proprietários que firmaram de boa-fé e à luz da Lei contratos de arrendamento a prazo, transformando-os agora, de forma cega e injustificada, em contratos vitalícios, é uma evidente suspensão do Estado de Direito e uma gritante limitação do Direito de Propriedade”, contestam.
A Associação Lisbonense de Proprietários termina dizendo que "perante a contínua omissão dos órgãos do Estado a quem compete fiscalizar a constitucionalidade das leis", resta aos cidadãos recorrer aos tribunais para defesa dos seus direitos. E que pretende fazê-lo.