Sem Planeamento da Mobilidade continuaremos a brincar às alterações climáticas

A realidade mostra-nos um cenário dantesco, onde o automóvel continua a ganhar importância nas deslocações dos cidadãos.

No mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas (ONU) publicava dados de 2017 relativos ao alarmante aumento da emissão de CO2, em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística apresentava os resultados definitivos, desoladores, decorrentes do inquérito à mobilidade realizado em 2017 nas áreas metropolitanas do Porto (AMP) e Lisboa (AML), evidenciando novo aumento na utilização do automóvel, da redução do recurso ao transporte público e parcos resultados nos modos suaves.

Quando se esperava uma alteração da cultura de mobilidade das populações e das suas opções de mobilidade, ainda que ténue, fruto das orientações provindas da União Europeia e vertidas no Portugal 2020, verificou-se, ao invés, um agravamento na opção por modos de transporte poluentes, ineficazes, ineficientes e altamente degradadores da qualidade do ambiente urbano das cidades e vilas, com todas as consequências que este facto acarreta para o meio ambiente e para a saúde pública.

Apesar das estratégias definidas a nível nacional, nomeadamente através dos diversos programas estabelecidos pelo Governo, pela disponibilização de financiamento tendente à melhoria das condições de deslocação em modos sustentáveis de transporte, a realidade mostra-nos um cenário dantesco, onde o automóvel continua a ganhar importância nas deslocações dos cidadãos.

Na AMP, entre 2001 e 2017, a quota de utilização do automóvel subiu de 47% para 68%, e na AML, no mesmo período, aumentou de 38% para 59%, confirmando-se os piores cenários.
A solução passa pela descarbonização das cidades, que só será viável se cada município desenvolver o seu Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS), o que não está a acontecer, e que é obrigatório em quase todos os países da Europa, por forma a dotar as autarquias e seus territórios de documento estratégico, integrador, articulado e coerente, que possibilite tornar consequentes as ações e investimentos nesta matéria.

Recorde-se que o Acordo de Paris (2015) é claro no apelo que faz à necessidade de uma mudança de paradigma nas sociedades, definindo, como medida global e de enorme ambição, a descarbonização praticamente total da sociedade até ao final do século.

Esta necessidade de descarbonização, suportada pelos cenários produzidos pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, assoma já, nos seus últimos relatórios, a necessidade de uma redução drástica na emissão de Gases com Efeito de Estufa (GEE), se pretendermos evitar os danos mais graves das alterações climáticas que se seguirão a uma alteração da temperatura média global no planeta.

A ONU, através do seu programa para o meio ambiente, publicou, em novembro, um relatório onde demonstra que as emissões globais de CO2 para a atmosfera voltaram a aumentar em 2017, após três anos de estabilização.

A emissão de CO2 para a atmosfera tem sido um dos maiores causadores do aquecimento global, com todos os efeitos e riscos para o planeta sobejamente conhecidos. O setor dos transportes é responsável por uma parte significativa dessas emissões, tornando o atual modelo de vida insustentável para as cidades. Este setor contribui em cerca de 30% para o total da emissão de GEE e é, segundo a ONU, o principal contribuidor para as emissões ligadas à energia.

De resto, também em novembro, o Fórum Económico Mundial publicou resultados alarmantes para a saúde pública e para a vida nas cidades, onde se demonstra que as pequenas partículas ingeridas, provenientes da poluição do ar, reduzem a esperança média de vida em dois anos, apresentando impactos maiores do que os provocados pelo tabaco ou pelo álcool.

Efetivamente, os municípios têm efetuado elevados investimentos na área da mobilidade, muitas vezes de forma avulsa e sem uma estratégia de fundo e global. O automóvel continua a ganhar importância para as deslocações dos cidadãos, e todos os modos sustentáveis de deslocação, como o andar a pé, de bicicleta e nos transportes públicos, perderam terreno face a ele, demonstrando, de forma cabal, que as intervenções avulsas no território, algumas decorrentes de programas financiados (PAMUS, PEDU e PARU), não estão a surtir os efeitos necessários.

Ainda assim, acredito que, com um planeamento forte, ágil e assertivo, e agora, pela primeira vez, com a designação “Mobilidade” numa Secretaria de Estado, se conjugarão os esforços necessários para solucionar este grave problema, através da elaboração dos PMUS.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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