De Guimarães para Lisboa, a novidade fadista de Miguel Xavier
Nascido em Guimarães, elogiado por Ricardo Pais e Camané, o jovem fadista Miguel Xavier apresenta em Lisboa o seu recém-editado álbum de estreia. Esta segunda-feira, no Teatro Villaret, às 21h30.
Tem apenas 23 anos e na elegante capa do disco de estreia surge numa foto a preto e branco, por detrás de um vidro com laivos brancos que se lhe sobrepõem ao rosto. No interior, um texto assinado por Camané enumera algumas características do fado e diz, a terminar: “Todas estas verdades, que os fadistas aprendem a sentir e a cantar, encontram-se reunidas neste primeiro disco de Miguel Xavier, nascido em Guimarães e que se fez fadista.” Não só ele. Há também um outro texto, assinado por Ricardo Pais, onde este recorda o que sentiu ao ouvi-lo pela primeira vez, tinha então Miguel 19 anos: “Fiquei tão siderado como quando ouvi o Camané então mais ou menos com a mesma idade.” Pois Miguel Xavier apresenta agora ao vivo em Lisboa o seu recém-lançado disco de estreia, intitulado apenas Miguel Xavier, no palco do Teatro Villaret, esta segunda-feira, às 21h30.
A avó, a primeira escola
Nascido em Guimarães, em 17 de Abril de 1995, foi o contacto com a sua avó, também vimaranense, que o despertou para o fado. Os pais também ouviam música, mas menos. “Esse contacto com a minha avó foi essencial. Era uma mulher muito moderna, para a época e para a idade dela, e ouvia muita música. E da música que ela ouvia, não sei porquê aquilo que mais me impressionava era o fado. Não pelo significado das palavras, porque eu era muito pequeno e não o entendia, mas pelo sentimento e pela expressão com que cada fadista cantava.” E ele conseguia distingui-los. “Apesar de serem as mesmas músicas, às vezes até os mesmos fados, cada um tinha a sua forma de cantar. E isso fascinava-me.”
Miguel já não se lembra bem da primeira vez em que cantou um fado. “A minha avó tinha uma voz muito bonita, quando era nova toda a família dela cantava (avós, pais, irmãs, o meu bisavô era poeta popular), e então ela cantava muito. E eu, de ouvi-la, comecei a cantarolar. Não tenho bem presente a idade, mas era muito pequenino.” Aos 14 anos, escreve-se na sua biografia sumária, cantou pela primeira vez acompanhado à guitarra e à viola. E disso, sim, ele lembra-se bem. “Foi quando os meus pais começaram a passar férias em Vila do Conde. Alguns amigos deles frequentavam uma casa de fado vadio e numa das festas que se fez cá em casa, eles pediram aos meus pais para me levarem a essa casa de fado. E foi aí que cantei pela primeira vez com guitarra e viola. Um fado que a minha avó cantava e de que eu gostava muito: a Lenda das algas, da Celeste Rodrigues.”
No Porto, um encantamento
Calhou estar lá nessa noite “um viola natural de Vila do Conde que tinha um grupo de fados”, diz Miguel. “E esse viola pediu-me para eu levar lá o meu pai, na semana a seguir, para lhe pedir autorização para eu fazer parte do grupo de fados dele. Então, dos 14 anos aos 17, cantei com esse grupo todas as semanas, sexta, sábado e às vezes ao domingo.” Mais tarde, ainda Miguel andava na escola, esse viola foi substituir um músico a uma casa de fado profissional, no Porto. “Lembro-me do encantamento o que aquilo teve para mim, ver a fadista entrar, a forma como se apagava a luz, como o fado era cantado ali e daquela forma, para mim aquilo era tudo novo.” Foi aí que conheceu Miguel Amaral, músico e tocador de guitarra portuguesa nascido no Porto em 1982, também precoce no contacto com a música (estudou piano aos 6 anos, e depois guitarra portuguesa, iniciando-se como profissional em 2005). E foi também aí que pensou em ser profissional. Tinha 18 anos.
Miguel Amaral, entretanto, convidou-o a participar num concurso de fado amador. “Era o concurso de Lordelo do Ouro e Massarelos, que já tinha bastante tradição no Porto. Pensei: mais uma aventura, porque não? Fiz as eliminatórias e, quando cheguei à final, ganhei.” A partir do concurso surgiram-lhe vários convites e, estando ele no final do secundário e sem ter a certeza se queria seguir a universidade, decidiu-se pelo fado. Começou então a cantar profissionalmente no Porto e mudou-se para Vila do Conde, onde hoje vive. Primeiro cantou na Casa da Mariquinhas, fez noites noutras casas e agora está no Mal Cozinhado.
Fora das casas de fado, já pisou outros palcos. Como o da Sala 2 da Casa da Música, no Porto, em 2017, apresentando-se nesse mesmo ano no Festival Caixa Alfama, em Lisboa.
Ter repertório próprio
O disco de estreia de Miguel Xavier, que tem por título apenas o seu nome, surgiu por sugestão de Miguel Amaral. “Foi ele que me sugeriu e, mais tarde, que me convenceu. Tive muitas dúvidas, porque tenho perfeita consciência de que gravar um disco de fado é de uma responsabilidade muito grande. E eu não sabia se seria capaz disso.” Mas acabou mesmo por gravá-lo, no Porto, em Maio de 2017, embora só tenha sido lançado em 2018. Com Miguel Xavier (voz) estiveram no estúdio apenas três músicos, que assinam em conjunto os arranjos do disco: Miguel Amaral (guitarra portuguesa), André Teixeira (viola de fado) e Filipe Teixeira (contrabaixo), os mesmo que estarão no palco do Villaret. A produção e direcção musical são do músico que o convenceu a gravar: Miguel Amaral.
“Quando começámos”, diz Miguel Xavier, “eu sabia que havia alguns fados que queria gravar e que fazem parte do repertório dos fadistas que são a minha referência, como o Fui de viela em viela, do Alfredo Marceneiro (Fado Cravo) ou o Fado Raúl Pinto, aqui com letra de Manuela de Freitas [Disse-te adeus]. Mas começámos também a criar o meu próprio repertório, porque uma das coisas que sempre ouvi os fadistas mais antigos dizerem é que no tempo deles tinham de cantar o seu próprio repertório.” Foi assim que, diz ele, começaram a surgir poemas de estrutura tradicional (em quintilhas, sextilhas, decassílabos). “E o Miguel Amaral começou a musicar alguns, de forma livre. Ele e o André Teixeira começaram a fazer fados tradicionais novos, para o disco.”
Entre os originais, há três poemas de Alexandre O’Neill, musicados, respectivamente, por Filipe Teixeira, Carlos Teixeira e Luís Figueiredo: Soneto inglês (a abrir o disco), O Tejo corre no Tejo e, penúltimo tema dos 15 que foram gravados, Um Carnaval. Refira-se que não há ligações familiares entre os três Teixeiras que figuram no disco, “é só o nome.”
Há também um fado com música de Mário Laginha, Graças de Lisboa, com letra de António Vilar da Costa. “O Miguel Amaral tinha lá colectâneas de poetas populares, com poemas que gravados muito poucas vezes ou já esquecidos. E esse tema, apesar de ser de um poeta popular muito antigo, ainda hoje é actual. E o Miguel Amaral teve a inteligência, e a amizade, de pedir ao Mário Laginha para compor um fado tradicional para ele.” Mas há várias letras novas, como a que escreveu o também jovem fadista Marco Oliveira, Nenhum de nós, para a qual Miguel Amaral escreveu um fado que baptizou Alexandrino do Amaral.
Influências antigas e novas
O disco de estreia de Miguel Xavier já teve uma primeira apresentação este ano, no Porto, no Mosteiro de São Bento da Vitória. Foi no Dia Mundial da Música, 1 de Outubro. Agora no Teatro Villaret, também com encenação de Nuno Carinhas, Miguel juntará aos fados do disco outros que vem cantando desde o início da sua carreira. “Vai ter quase todos os fados deste disco, mas terá também outros, como o Fado Rosita [de Joaquim Campos] com um poema de David Mourão-Ferreira, que fazia parte do repertório de Maria do Rosário Bettencourt, um fado que eu canto todos os dias, há bastante tempo [Quatro estações]. O espaço é diferente, porque é uma sala e não um claustro, mas o mote e a ideia estética são os mesmos que presidiram ao espectáculo no Mosteiro de São Bento da Vitória.”
A forma como Miguel Xavier hoje canta, além das audições ainda na infância, é marcada por várias fases. “Há nomes que trago desde pequenino, que eram os que a minha avó punha a ouvir lá em casa, a Amália Rodrigues e o Alfredo Marceneiro. Depois, à medida que fui crescendo, fui pesquisando cada vez mais fadistas, mais fados, e tentando perceber o que é este mundo tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexo.” E foi criando as suas referências. Por exemplo, António Rocha (lisboeta, nascido em 1938): “É das primeiras vozes masculinas que me surgiram e me acompanham até hoje, dizem que tenho muita coisa dele. Mais tarde, o Manuel de Almeida. Depois, da nova geração, à medida que fui começando a cantar, o Camané e o Ricardo Ribeiro. São estas as minhas referências.”