Portugal no México à boleia de um verso de Pascoaes
A imagem e a programação que Portugal trouxe ao México, para a ministra da Cultura: é de um país que “olha para o futuro” mas “não se esquiva a uma leitura do passado" e “consegue recriar o que temos de melhor para o afirmar de uma forma contemporânea”.
Portugal como país convidado de honra da Feira do Livro Internacional (FIL) de Guadalajara de 2018 tem por lema “O Futuro é a Aurora do Passado”. Está em todos os cartazes espalhados pela Expo Guadalajara e nos folhetos com a programação portuguesa que se encontram no Pavilhão de Portugal.
Num dos seus ensaios, o professor Eduardo Lourenço cita a frase atribuindo-a a Teixeira de Pascoaes. “É certo que o verso do poeta é: ‘O futuro é o passado que amanhece’, mas sendo este o verso de Pascoaes é sempre citado da outra forma”, lembra a comissária da representação portuguesa na FIL, Manuela Júdice, que já ia com ela na cabeça quando foi assinado em Lisboa o convénio entre Portugal e o México para a participação no evento que começou no sábado e termina no dia 2 de Dezembro.
Nessa sessão, em 2017, ficou surpreendida porque o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, também a utilizou no discurso que fez. “Quando a sessão acabou, disse ao senhor ministro que também eu tinha vindo com aquela frase na cabeça e que poderia ser o nosso lema na Feira do Livro de Guadalajara”, conta Manuela Júdice. “A partir de hoje é você que manda, decida", respondeu-lhe na altura Santos Silva. E assim nasceu o lema de Portugal em Guadalajara.
A frase foi também ouvida durante a cerimónia oficial de abertura da FIL, que aconteceu na manhã de sábado em Guadalajara (menos seis horas do que em Portugal), citada pela ministra da Cultura portuguesa, Graça Fonseca, no seu discurso oficial.
“‘O Futuro é a Aurora do Passado’, é este o verso de Teixeira de Pascoaes que serve de lema à participação portuguesa na FIL. Falemos, por isso, um pouco de passado. Portugal e o México têm um passado conjunto, cujas relações diplomáticas remontam há 154 anos, quando o Coronel Francisco Facio apresentou as suas credenciais como primeiro enviado extraordinário do México em Lisboa, perante o nosso Rei D. Luís”, lembrou Graça Fonseca.
“Mas falemos também de futuro, porque é neste cruzamento entre tempos, nesta abrangência, que Portugal se apresenta aqui em Guadalajara, com os seus autores consagrados mas, também os mais jovens, cuja obra é merecedora de ser conhecida, divulgada e traduzida. O México conhece António Lobo Antunes, galardoado com Prémio Juan Rulfo, ou Nuno Júdice, poeta, professor e tradutor consagrado no universo da língua espanhola. Mas o México deve conhecer também a poesia de Vasco Gato ou Rui Cóias, tal como a prosa de Alexandra Lucas Coelho, que dedicou ao México um dos seus livros de viagens, e de Ana Margarida de Carvalho, já por duas vezes distinguida com o Grande Prémio de Romance e Novela [da Associação Portuguesa de Escritores] e vencedora do Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco.”
Graça Fonseca lembrou que este convite representou para Portugal “um desafio”, foi um “processo longo e complexo” que ultrapassou as fronteiras da cultura, já que exigiu uma visão transversal de cultura que inclui educação, diplomacia e economia. Por isso o Governo vê esta presença “como uma oportunidade, centrada no ensejo de dar início a um processo de contactos e de trocas mais frequentes e mais regulares e, acima de tudo, levar o conhecimento de Portugal a camadas muito mais vastas de público”. A ministra afirmou ainda que a programação que se apresenta no México “olha para o futuro, como quem não se esquiva a uma leitura do passado e consegue recriar o que temos de melhor para o afirmarmos de uma forma contemporânea”.
Mais tarde, já no espaço do Pavilhão de Portugal - que tem 1200 metros quadrados e é bem mais pequeno do que o Pavilhão que Portugal teve na Feira Internacional do Livro de Bogotá, em 2013, quando foi também país convidado e que ocupava 3000 metros quadrados -, depois de Gil do Carmo ter cantado para os convidados, a ministra disse ao grupo de jornalistas portugueses que “já há relações bilaterais com o México há muitos anos mas esta é claramente uma ponte para o futuro para construirmos mais em cima do que já temos.”
Segundo a responsável governamental, o objectivo será cumprido quando daqui a uns anos, se entrar numa livraria na Cidade do México, em Guadalajara ou em qualquer outra cidade e se veja que “existem mais livros de autores portugueses traduzidos à venda, que existem mais pessoas do continente latino-americano a ler autores portugueses, não só os mais consagrados mas conseguirmos impulsionar os novos”, acrescentou. “Mais do que fiquem a conhecer quem é a ministra da Cultura em 2018, é que daqui a dois anos mais autores portugueses estejam numa livraria e essa é a felicidade máxima.”
Portugal já foi país convidado em cerca de uma dezena de feiras internacionais, como Frankfurt, Rio de Janeiro e Bogotá. Questionada sobre a possibilidade de também se investir na internacionalização da literatura portuguesa na China, a ministra disse que é "um mercado difícil”, mas terá de ser trabalhado até pelas relações entre Portugal e China.
“O próximo ano será uma boa oportunidade de o fazer. Vamos ter um programa conjunto Portugal-China, que aliás já começa este ano com uma exposição chinesa em Portugal e será uma boa oportunidade para fazer uma plataforma e ter alguns autores portugueses presentes". Uma afirmação proferida antes de partir para o almoço que Portugal ofereceu a 700 convidados entre os quais a poeta uruguaia Ida Vitale, que recebeu no sábado o grande prémio da FIL de Guadalajara, ou o prémio Nobel da Literatura Orhan Pamuk, o escritor turco que abriu este domingo o salão literário da feira e que mais tarde, numa conferência de imprensa, explicou que além de Fernando Pessoa tem admiração pela obra de José Saramago, em particular pela "atmosfera europeia" do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis.
Para além do fado e de Pessoa
O desenho e a imagem do cartaz de Portugal país convidado em Guadalajara, uma silhueta negra com as cores da bandeira nacional por trás, é da responsabilidade da própria feira e não da equipa portuguesa. Não foi a primeira imagem que enviaram a Manuela Júdice, e a primeira tinha a ver com um “Portugal e uma estética dos anos 40” que levou a comissária da participação portuguesa a explicar que “Portugal já não era aquilo”. A explicar, por exemplo, que a relação com o mar associada ao país passa actualmente mais pelos terminais de cruzeiros de Lisboa ou de Matosinhos e Leça da Palmeira mas também pela onda da Nazaré. Não passa por um farol a piscar para os marinheiros saberem onde está a terra ou com as cores tristonhas de uma figura com uma guitarra portuguesa e um xaile negro.
Em outros tempos, o México teve alguma apetência pela literatura portuguesa, no tempo de Octavio Paz e de Francisco Cervantes, nomeadamente pela relação com Fernando Pessoa. Foram os dois tradutores do poeta português, e a Octavio Paz (1914-1998), Nobel da Literatura em 1990, deve-se ainda o conhecido ensaio Fernando Pessoa, o Desconhecido de Si Mesmo. Por isso, os mexicanos conhecem Pessoa, mas também José Saramago, que várias vezes passou pela feira, e ainda António Lobo Antunes. Também conhecem Eça de Queiroz, mas só estão publicados no México os contos. Nos discursos de passagem de testemunho de Madrid, cidade convidada, para Portugal apareceram alguns nomes actuais como Isabela Figueiredo ou Inês Pedrosa, mas no leque de conhecidos estão ainda José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e o poeta Nuno Júdice.
A comissária quis trazer escritores que não tivessem sido citados, quer nas listas que lhe enviou a organização, quer nas conversas que foi tendo ao longo destes meses. Essa era uma proposta muito redutora. Manuela Júdice quis mostrar aos mexicanos o que se fez em Portugal depois do Pessoa e do Nobel de Saramago.
Por isso, no final do dia de abertura da feira, as conferências foram de Gonçalo M. Tavares, que já tem muitos dos seus livros publicados no México e é bem conhecido e de Ricardo Araújo Pereira, que está a lançar La Enfermedad, el sufrimienti y la murete entran en un bar - Una espécie de manual de escritura humorística. Entre o público há quem conheça da Mixórdia de Temáticas e das manhãs da Rádio Comercial como Teresa Martins Dias que é professora de geografia em Colima e fala português porque viveu em Portugal, onde aliás a sua filha nasceu. Apareceu numa das sessões para conhecer o humorista português e tentar perceber como o humorista cria os seus sketches.
O primeiro dia da feira terminou à noite com um concerto da cantora portuguesa Ana Bacalhau e nos próximos dias actuarão, entre outros, Capicua, com Sara Tavares e Eva RapDiva, os Moonspell, Camané e os Dead Combo.
O PÚBLICO viajou a convite do comissariado para a participação portuguesa na FIL Guadalajara 2018