Casa cheia disse "não" aos contentores no Martim Moniz

Responsável pelo projecto disse querer "recriar ambiente de bairro" no meio dos contentores, mas moradores e presidente da junta dizem que o que faz mesmo falta ao bairro é um espaço verde, "de silêncio".

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O aspecto da zona no início de Outubro Nuno Ferreira Santos

Foram unânimes e duras as críticas que a Câmara Municipal de Lisboa e o concessionário do mercado do Martim Moniz ouviram esta terça-feira à noite na apresentação pública do novo projecto comercial para a praça, que, como o PÚBLICO antecipou, prevê a instalação de um recinto de contentores. Nas duas horas que durou a reunião não se ouviu nenhuma intervenção favorável à iniciativa, exceptuando as que foram feitas pelo promotor. O presidente da junta de freguesia fez questão de afirmar que não gosta dos contentores e até o vereador do Urbanismo deu a entender que a ideia não lhe agrada muito.

“Estamos com uma situação difícil neste momento. O nosso problema é que a concessão está válida”, afirmou Manuel Salgado no fim da sessão. “A larga maioria das pessoas prefere mais espaço aberto, prefere [espaços] vazios e prefere um jardim. Isso ficou muito claro no meu espírito e nos meus registos”, resumiu o vereador, comprometendo-se a fazer chegar a mensagem a Fernando Medina. “Ouvi e obviamente que vou discutir isto no executivo. Não vos prometo rigorosamente nada. Registei tudo o que foi dito, é tudo o que vos posso dizer.”

As cerca de vinte pessoas que intervieram, quase sempre com o ruidoso apoio das mais de 120 que encheram uma sala do Hotel Mundial, manifestaram-se todas contra a instalação dos contentores, argumentando que é uma ocupação desadequada para uma praça daquelas, que a multiculturalidade do Martim Moniz pode ficar afectada e que o ruído dos futuros bares e restaurantes pode vir a ser mais problemático do que o actual. Diversos participantes sublinharam a necessidade de ali ser criado um espaço verde e de descanso, no meio de uma Baixa sempre em festa.

No início, Salgado revelou que a solução do mercado de contentores foi apresentada pela primeira vez à câmara em 2016, quando município e concessionário do espaço se sentaram à mesa para resolver as dívidas que este tinha para com a autarquia. “Já em 2017, depois de uma longa negociação, houve uma transferência de concessão e apresentado um estudo mais detalhado. Em Setembro de 2018 foi finalmente fechada uma adenda ao contrato e este passou a ter um prazo mais longo”, explicou o vereador. Vários munícipes quiseram saber qual a duração agora prevista mas ninguém respondeu. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, a concessão está em vigor por mais 14 anos.

O novo concessionário do mercado é a empresa Moonbrigade Lda., que, segundo os documentos disponíveis no Portal da Justiça, foi criada em Julho de 2017 e tem como sócios Arthur Moreno e uma empresa, Bronzeventure Lda., detida por este e pelo irmão, Geoffroy Moreno. Os dois são também os donos da Stone Capital, companhia responsável pela promoção de projectos imobiliários como o Palácio de Santa Helena ou o Hospital da Marinha, entre outros.

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Fotomontagem do projecto de requalificação da praça

Pela Moonbrigade deu a cara Paulo Silva, explicando que o novo mercado visa dar “continuidade ao projecto [anterior] mas com uma proposta mais ambiciosa”. O engenheiro disse que os quiosques da praça, concessionados até recentemente à NCS – Produção, Som e Vídeo, foram “um projecto que teve o seu tempo” e que agora existe “uma oportunidade” com “algum potencial” para reabilitar o Martim Moniz. “É uma praça pouco utilizada pela população de Lisboa, é mais pela população local”, afirmou, acrescentando que ela tem hoje uma imagem “pouco apelativa e pouco favorável”.

Tanto Paulo Silva como João Monteiro, arquitecto a quem a Moonbrigade encomendou o projecto, explicaram que ele procurou inspirar-se no tempo em que a Praça Martim Moniz não existia, quando era apenas a Mouraria a espraiar-se até à outra encosta. Lembrando que aquele amplo espaço público só foi criado em meados do século XX, João Monteiro disse que pretendeu “voltar a dar-lhe uma malha urbana”, a qual “vai voltar a dar ambiente de vida à praça, que ela actualmente não tem”. O arquitecto afirmou que o Martim Moniz é “um espaço demasiado desumano” e que, através da disposição dos contentores, será possível criar “pequenas praças” de encontro e lazer.

Os contentores “permitem de certa forma recriar um ambiente de bairro, com ruas, com praças, todo um tecido urbano”, dissera já Paulo Silva, que explicou que a intenção é ter ali restaurantes com “comida do mundo”, comércio local (“talho, florista, cabeleireiro, conceitos emergentes”, exemplificou), arte urbana e eventos culturais que não excluam as comunidades locais, sobretudo as imigrantes, que há muito consideram o Martim Moniz o seu ponto de encontro.

Oportunidade perdida?

As propostas da Moonbrigade foram mal recebidas pela população na plateia. “As pessoas da Baixa precisam de vazios, de espaços verdes, de silêncio. Nós não precisamos de mais animação”, disse a segunda interveniente, Fernanda Fragateiro, arrancando o primeiro grande aplauso da noite. “Os contentores são objectos lindíssimos mas não é para aqui. Uma praça desta dimensão, em termos políticos, não pode ser dada a um concessionário para ser ele a decidir o que a praça vai ser”, criticou ainda.

Outra munícipe, Paula, quis saber se esta reunião ia servir para alterar alguma coisa ou se era apenas um pró-forma. “As pessoas que moram aqui não têm direito ao seu descanso?”, questionou por sua vez Maria João, opinando: “Só falta ali um carrossel para ser a Feira Popular.”

Xana Campos, arquitecta, declarou que “as praças não são projectos comerciais” e que “este tipo de ocupação é casuístico” e “não tem interesse absolutamente nenhum”. Fábio Salgado, eleito do BE na freguesia de Santa Maria Maior, ironizou que o projecto apresentado mais parecia “um plano de urbanização” e criticou a câmara por alargar o prazo de concessão, quando o anterior contrato “falhou”.

“Porque não usar esta oportunidade para dar à cidade aquilo que ela verdadeiramente precisa? Esta zona não tem um jardim público”, propôs a munícipe Susana. “Nós não temos um espaço onde descansar a cabeça”, corroborou Lurdes Pinheiro, da CDU da freguesia. “A câmara tem aqui uma boa oportunidade de transformar o Martim Moniz num espaço para as pessoas”, disse.

“Só há uma alternativa: o arquitecto Salgado rever este projecto porque não é um projecto que sirva”, declarou Francisco Maia, ex-autarca de Alfama.

Depois de ouvir todas as opiniões, o presidente da junta de Santa Maria Maior levantou-se para afirmar que lhe tinham prometido que “viria para aqui um projecto de alto nível” e que não lhe competia pronunciar-se sobre a qualidade do mesmo. Porém, fê-lo logo de seguida: “Não gosto nada deste projecto, tem um impacto visual muito grande.”

O autarca disse que, caso avance o mercado de contentores, “aquilo que a junta exige aos promotores é que o controlo de todas as actividades públicas seja feita pela junta”, de modo a evitar ruído excessivo e tardio ou ocupações abusivas do espaço público. “Não tive dúvidas nenhumas de que isto ia correr assim”, afirmou, referindo-se à enxurrada de críticas antes ouvidas.

“Não é nossa intenção criar qualquer tipo de ruído ou perturbação no espaço público”, assegurou Paulo Silva, acrescentando que os contratos que celebrar com os lojistas vão ter isso especificado. O responsável da Moonbrigade ainda desmentiu Manuel Salgado, que ao PÚBLICO dissera que “eventualmente” o mercado teria uma vedação à noite, impedindo assim o atravessamento da praça a pé. “O espaço não irá ser vedado, será permeável”, disse.

“Haverá um cuidado criterioso na escolha dos inquilinos”, garantiu ainda, repetindo a vontade de ali “criar um espírito de mercado”. “Aquilo que presidiu à concepção do projecto foi fazê-lo para a população local e para o bairro. Não foi nossa intenção criar um projecto turístico.”

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