Tribunais voltam a fechar as portas a Trump, desta vez sobre o direito de asilo
Juiz de São Francisco suspendeu a mais recente ordem do Presidente norte-americano para negar o direito ao pedido de asilo. Jon S. Tigar disse que Trump não pode passar por cima do Congresso.
Um juiz norte-americano travou a ordem do Presidente Donald Trump que tirava o direito ao pedido de asilo a quem entre no país fora dos pontos oficiais. Numa decisão que vem somar-se a outras derrotas da Casa Branca nos tribunais, em questões como a imigração ou o direito ao aborto, o juiz Jon S. Tigar disse que Trump "não pode reescrever as leis de imigração para impor condições que o Congresso proibiu de forma expressa".
Em causa estava uma proclamação do Presidente Trump, assinada a 9 de Novembro, que na prática tinha como objectivo suspender um direito inscrito na lei dos Estados Unidos – o de ouvir qualquer pessoa que entre no país, seja de que forma for, sobre os motivos que a levam a pedir asilo.
A proclamação da Casa Branca foi assinada três dias depois das eleições no país, e de uma campanha em que o Presidente Trump descreveu a caravana de imigrantes que partiu das Honduras em direcção aos Estados Unidos como um grupo de invasores infiltrado por "criminosos e desconhecidos do Médio Oriente" e "membros de gangues".
Ainda que o Presidente norte-americano tenha mais tarde admitido que não há provas da presença de terroristas e outros criminosos entre os milhares de imigrantes que começaram a chegar nos últimos dias à cidade de Tijuana, a declaração assinada no dia 9 de Novembro é clara: os imigrantes que entrem no país por qualquer outro ponto da fronteira com o México que não seja uma porta de entrada oficial perdem o direito a pedir asilo.
Logo nesse dia houve sinais de que a declaração da Casa Branca seria contestada nos tribunais. E foi isso mesmo que aconteceu, num processo apresentado em São Francisco pela American Civil Liberties Union (ACLU) e outros grupos, em nome da organização sem fins lucrativos East Bay Sanctuary Covenant.
Separação de poderes
Na resposta a essa contestação, conhecida esta terça-feira, o juiz Jon S. Tigar junta-se às dezenas de juízes que travaram ordens do Presidente Trump nos últimos dois anos, com base num argumento comum: ainda que o Presidente dos EUA tenha margem de manobra para mexer na forma como as leis do país devem ser postas em prática, não basta a sua palavra para que as suas ordens sejam legais – é preciso fundamentá-las, explicá-las e defendê-las em tribunal se forem contestadas.
Neste sentido, o juiz considerou que nenhuma pessoa que entre nos Estados Unidos pode ser impedida de explicar aos tribunais norte-americanos por que razão precisa de pedir asilo. E fez uma crítica severa à forma como a Casa Branca quis mudar a lei: "Se o que se pretende dizer é que o Presidente pode, por proclamação, passar por cima de uma intenção legislativa do Congresso expressa de forma clara, apenas porque uma determinada lei entra em conflito com as políticas do Presidente, o tribunal também rejeita esse argumento."
A decisão do tribunal é válida até 19 de Dezembro e abrange todo o território dos Estados Unidos. Nesse dia, o juiz Jon S. Tigar anunciará a sua decisão final, que deverá depois ser contestada pela Administração Trump. A Casa Branca não comentou os fundamentos da decisão, mas já anunciou que vai continuar a lutar nos tribunais para limitar o direito ao pedido de asilo.
O advogado que representou a ACLU no processo, Lee Gelernt, congratulou-se com a decisão, dizendo que a ordem em causa "faz soar o alarme sobre o desprezo do Presidente Trump em relação à separação de poderes".
"Não há nenhuma razão justificável para se negar totalmente o direito ao pedido de asilo, e nós não podemos enviá-los de volta para o perigo com base na forma como entram. Há décadas que o Congresso tem sido claro nesta questão", disse o advogado.
Todos os anos, cerca de 70 mil pessoas pedem asilo nos EUA depois de passarem a fronteira fora dos pontos de entrada oficiais, evitando semanas ou meses de espera em acampamentos improvisados no lado mexicano, como o que deverá acontecer aos que partiram há quase dois meses das Honduras e que estão agora a chegar à cidade de Tijuana.
Assim que passam a fronteira, entregam-se aos agentes norte-americanos e passam a ficar à guarda dos Estados Unidos. A partir desse momento, são submetidos a uma primeira inspecção, breve, e são postos em liberdade com ordens para se apresentarem num tribunal numa data posterior, para saberem se o seu pedido de asilo é ou não concedido.
A Administração Trump diz que muitos dos requerentes de asilo que são postos em liberdade fogem das autoridades e nunca chegam a apresentar-se no tribunal, um processo dificultado pelas longas esperas no sistema de imigração do país. Os dados mais recentes indicam que há 351 juízes de imigração para um milhão de processos por tratar, um aumento de 225 mil desde Janeiro de 2017, quando Donald Trump tomou posse como Presidente.
Segundo a lei norte-americana, um estrangeiro que esteja fisicamente presente nos Estados Unidos, seja qual for o seu estatuto, pode pedir asilo.
Juízes mais "ousados"
Até meados de Outubro, segundo uma análise do jornal Washington Post, entre 40 e 50 juízes federais norte-americanos tomaram decisões contra ordens da Administração – a maioria em questões relacionadas com as políticas de imigração.
Em quase todas as situações, há um padrão: os advogados da Casa Branca vêem-se nos tribunais, perante os juízes, a argumentarem a favor do Presidente Trump com pouco mais do que os seus decretos presidenciais ou os seus tweets. Uma tendência que a Casa Branca diz ser resultado da inclinação política dos juízes nomeados por Presidentes do Partido Democrata, e que poderá mudar à medida que Trump vai nomeando novos juízes.
"Alguns especialistas acham mesmo que o poder judicial sente-se mais ousado", diz Fred Barbash, editor da newsletter Morning Mix, do Washington Post, num texto publicado em Outubro. O jornalista aponta para um texto escrito pela antiga juíza federal Nancy Gertner, intitulado "Decidir na era Trump", em que se sublinha que "o contexto tem importância" para as decisões dos juízes.
Mas o professor Anthony S. Winer, da Faculdade de Direito Mitchell Hamline, no Minnesota, diz que o problema não é a politização dos juízes, mas sim "a tendência da Casa Branca para se apoiar na reacção emocional e na identificação emocional da sua audiência".
"Quando estamos num tribunal, o que interessa são os factos em causa, e esses factos não suportam as justificações do Governo para aquilo que se pretende fazer", conclui Winer.