Pensões e Espartilhos
Portugal é um dos países com menores barreiras legais a este envelhecimento ativo. No entanto, é também o país da União Europeia onde as perceções sobre o trabalho dos mais velhos são mais negativas
Portugal será, em alguns anos, um dos países mais envelhecidos do mundo. Qualquer que seja a proposta de futuro para o nosso sistema de pensões, teremos que começar por avaliar de que forma essa proposta resolve o desafio fundamental de serem cada vez menos os que produzem os bens e serviços que todos consomem. O aumento automático da idade da reforma não chega para compensar o efeito deste envelhecimento.
De acordo com a OCDE, a idade de reforma em Portugal será, em 2050, de cerca de 68 anos; mas teria que ser de 75 para fixarmos o atual equilíbrio entre ativos e inativos. Fica assim claro que privatizar o sistema – reduzindo o peso do atual sistema de repartição (em que as pensões atuais são pagas com as contribuições atuais para a segurança social) em favor de uma maior relevância de um sistema de capitalização (em que cada geração poupa para a sua própria reforma) - em nada contribui para a solução deste desafio-chave. Independentemente de quem financia a sua pensão, quem irá produzir os bens e serviços de que necessita?
Certamente que, sendo menos, podemos procurar ser mais produtivos. Portugal tem ainda uma importante margem de melhoria na educação da sua força de trabalho. Uma em cada duas pessoas em idade ativa não completou o ensino secundário. É o pior desempenho da União Europeia – incluindo todos os (ainda) 28 países - apenas igualado por Malta. É também possível fazer progressos adicionais na qualidade do ensino, capitalizando nos progressos das últimas décadas. Mas dificilmente será suficiente. Um pouco por todos os países da OCDE, a evolução da produtividade – mesmo na era da tecnologia e da globalização - tem sido dececionante. Os mais otimistas dizem ser uma questão de tempo, os mais pessimistas defendem que nenhum dos progressos de hoje se compara com a revolução da invenção do motor a vapor ou da eletricidade. O que se segue é ainda desconhecido para nós.
É por isso importante pensar noutras soluções. Uma delas é o chamado envelhecimento ativo, ou seja, garantir que os mecanismos de reforma são suficientemente flexíveis para permitirem, por exemplo, o adiamento da reforma ou uma reforma progressiva. Acontece que o conjunto de pessoas com idade para se reformarem é muito heterogéneo, e sê-lo-á cada vez mais, devido à diversidade crescente de percursos durante a vida ativa. Sendo verdade que grande parte dos ganhos na esperança de vida foram acompanhados por aumentos dos anos em boa saúde, não podemos ignorar que as desigualdades socio-ecónomicas – nomeadamente o rendimento e o nível de educação - se traduzem em diferenças importantes na saúde na velhice e, por isso, em diferenças na nossa capacidade de trabalho.
A resposta das políticas públicas tem que procurar resolver essas desigualdades tão cedo quanto possível, começando no pré-escolar e continuando em toda a vida adulta, por exemplo com um sistema de saúde inclusivo. Mas, uma vez atingida a idade da reforma e mantendo-se essas assimetrias, a segurança social tem que, por um lado, garantir proteção aos mais desfavorecidos e, por outro, criar condições para que quem tem saúde e vontade possa permanecer - a tempo inteiro ou parcial, nas mesmas funções ou noutras - no mercado de trabalho.
Em comparação com os nossos pares, Portugal é um dos países com menores barreiras legais a este envelhecimento ativo. No entanto, é também o país da União Europeia onde as perceções sobre o trabalho dos mais velhos são mais negativas. De acordo com o Eurobarómetro, cerca de quatro em cada cinco inquiridos consideram que os mais velhos são vistos de forma negativa pelos empregadores. E metade considera que as pessoas deviam ser forçadas a deixar de trabalhar quando atingem a idade da reforma.
Estes preconceitos resultam de um engano, relacionado com a justiça entre gerações: o de que o emprego dos mais velhos implica desemprego dos mais novos (argumento também usado, erradamente, na discussão sobre imigração). A economia não é uma realidade estática com um número fixo de empregos onde, para dar emprego a uns, ter-se-ia que retirar esse mesmo emprego a outros. A economia é, isso sim, uma realidade dinâmica, e uma maior mão-de-obra trará mais procura e mais produção. Recuemos alguns anos e pensemos na entrada das mulheres no mercado de trabalho. Não só não ficaram os homens no desemprego como foi possível melhorar os padrões de vida e o bem-estar de todos, homens e mulheres.
Espartilhar a discussão do futuro das pensões num conjunto de ideias-feitas – tantas vezes erradas – é um dos obstáculos maiores ao desenvolvimento de soluções verdadeiramente eficazes e justas.
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