Do fascista ao politicamente correcto
Nas últimas semanas há sinais de que certamente não estamos imunes ao vírus da polarização e nem sequer é preciso convocar o exemplo do futebol, esse espaço de absoluta intolerância, para explicar isso.
É um sinal dos tempos, dizem-nos. As pessoas vivem polarizadas, agarradas às suas convicções, sem grande capacidade para ouvir os outros, ponderar argumentos, equilibrar posições. Sem essa disponibilidade, perdem-se os consensos com que se constroem as comunidades saudáveis, em que deve imperar a capacidade de concertação, para lá de podermos ter opiniões e posições diferentes sobre os mais diversos assuntos.
A culpa, dizem-nos, é de um ambiente de intolerância alimentado pela forma como funcionam as redes sociais, que se tornaram presença ubíqua nas nossas conversas, na nossa vida. Mais do que um local de encontro, este novo espaço público tende a construir comunidades fechadas em torno dos mesmos interesses, num processo de autovalidação que só serve para nos afastar de quem não pensa o mesmo que nós. Assim se vão construindo acontecimentos como a eleição de Trump, Bolsonaro ou o “Brexit”, em que países se partem ao meio, como irmãos que vivem na mesma casa, mas se recusam a partilhar a mesma mesa.
E dizem-nos que em Portugal as coisas não estão bem assim. Afinal até vinga uma solução política em que, para surpresa de todos, foi possível conciliar o que sempre tinha andado desavindo. Só que nas últimas semanas há sinais de que certamente não estamos imunes ao vírus e nem sequer é preciso convocar o exemplo do futebol, esse espaço de absoluta intolerância, para explicar isso.
Olhem para a forma como muito boa gente se lançou a crismar de “fascista” qualquer apoiante de Jair Bolsonaro e mesmo a pedir que aqueles que, em Portugal, tinham votado no candidato de extrema-direita abandonassem o país, como se as pessoas não tivessem razões atendíveis para as suas opções, mesmo que erradas. Ou olhem para a forma como as posições da ministra da Cultura sobre as touradas foram arrumadas sob o anátema do “politicamente correcto”, como se não existissem argumentos válidos em recusar um divertimento baseado na crueldade sobre os animais, como se a discussão fosse um problema de modernidade e não um debate com décadas.
E é assim que começa. A arrumarmos pessoas debaixo de chavões, a retirar-lhes complexidade, matizes, a colocar tudo a preto e branco, a fazer disto um “nós” contra “eles”.
A sério, digam o que nos disserem, pensemos duas ou três vezes antes de sermos nós a apelidar alguém de “fascista” ou a denunciar os abusos do “politicamente correcto”. Vão ver que se respira muito melhor.