Os 100 anos do Armistício da Grande Guerra
Um século após a Grande Guerra, e se há ensinamento a retirar, é que não se devem humilhar os vencidos.
“Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro.”
Friedrich Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal
Klara Pölzl deu à luz às 18h30 minutos de 20 de Abril de 1889, na “Gasthof zum Pommer”, em Braunau am Inn, uma localidade a 60 quilómetros a norte de Salzburgo. Era o quarto filho. Os três primeiros, Gustav, Otto e Ida, morreram pouco depois de terem nascido. A criança tem como progenitor um funcionário alfandegário, Alois Schicklgruber. Os pais registam o nome do menino: Adolf. O resto do percurso é mais ou menos conhecido.
O “pintor arquitectural”, o “agitador de cervejarias” de Munique tornar-se-á no Führer, senhor todo-poderoso do Terceiro Reich, um dos homens-monstro da História, competindo com Mao e Estaline como os maiores “genocidopatas” do século XX.
O mais pessimista dos filósofos alemães não imaginaria que a humanidade tombasse duas vezes por causa do mesmo erro. A Grande Guerra e a Segunda Guerra Mundial ceifaram 56 milhões de seres humanos.
A Europa conheceu momentos terríveis entre 1914-1918. Foi uma guerra rural, das trincheiras e que provocou o colapso de quatros impérios. Foram 1560 dias de batalhas, de sangue e de lama. Alemães chacinavam Franceses; Franceses matavam Alemães; Alemães gaseavam Ingleses; Ingleses estilhaçavam Alemães. O ciclo, de vítimas e de danos, era infernal. Portugal, que vivia a instabilidade da Primeira República, entrou no conflito.
Assinala-se em 11 de Novembro de 2018 os 100 anos da assinatura do Armistício que pôs fim à Grande Guerra. Quando a Alemanha aceitou o “acordo”, era possível vender a ideia de que a guerra tinha terminado com um empate honroso. Porém, as exigências territoriais e indemnizatórias foram de tal maneira elevadas que geraram uma nova guerra em menos de uma geração.
A Grande Guerra foi um choque “trágico e inútil”, conclui John Keegan.
Inútil porque a política, a diplomacia e os decisores poderiam ter travado a escalada que ficou à espreita de um pretexto e trágico, como são quase todas as guerras, pelo desperdício de recursos, vidas interrompidas, feridas abertas, cemitérios infindáveis e de valas comuns onde jazem os restos de carne humana inocente.
Um século após a Grande Guerra, e se há ensinamento a retirar, é que não se devem humilhar os vencidos. Os vencedores, na crença que tinham lutado a guerra das guerras, a última, celebraram durante anos os novos tempos, da “paz podre”. O Armistício continha em si o gérmen da segunda hecatombe.
A Segunda Guerra Mundial seria o ajuste de contas com a Primeira, ou a sua continuação. As imposições do Tratado de Versalhes de 1919 foram ultrajantes e alimentaram a ascensão dos totalitarismos.
Vivemos ainda hoje no mundo gizado pela Primeira Guerra Mundial. Tendo um profundo impacto na sociedade de então, esta guerra provocou o colapso de quatro impérios e mudou de forma radical o mapa da Europa e do Médio Oriente e o modo de vida de milhões de pessoas. O multilateralismo, o humanismo, o progresso económico e científico e a redescoberta da arte são a face positiva das sombras do pós-1918.
Numa União Europeia tão conturbada onde o fim da era Angela Merkel se anuncia, com os nacionalismos e os populismos a recrudescerem por toda a parte, convém refletir para que, numa versão otimista, uma Terceira Guerra Mundial não se produza ou, numa versão pessimista, que se trave esta “guerra” que já está em marcha, ainda que sob subtis roupagens.
A União Europeia é uma utopia tornada realidade e, por isso, uma conquista admirável que celebra a paz, a fraternidade e a concórdia entre os povos europeus e combate a ascensão dos monstros e as suas vinganças figuradas por Hitler que, já no desfecho da Segunda Guerra Mundial, ordenou às SS a destruição da carruagem onde os Aliados e a Alemanha assinaram o primeiro Armistício de Compiègne.
Neste dia simbólico é bom recordar que unidos podemos subsistir e vencer, mas que divididos podemos tombar e, uma vez mais, perecer.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico