Tudo como dantes no Quartel de Abrantes – A Política Científica em Portugal
Que falta que nos faz uma Associação de Ciência para a Excelência, que represente as unidades de investigação tanto no MCTES, como na FCT.
Em 2013, as unidades de investigação classificadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) como Excelentes reuniram-se para fazer uma associação que as representasse junto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), assim como da FCT – a Associação de Ciência para a Excelência (ACE).
Pretendia a ACE “ter voz ativa na definição das políticas estratégicas, de financiamento e de avaliação, junto das entidades dependentes do ministério que tutela a ciência, assegurando a articulação efetiva com a FCT e promovendo a equidade na composição e na intervenção dos respetivos conselhos científicos”. Uma vez criada, a ACE abrir-se-ia à integração de outros centros, especificamente aos centros avaliados com Muito Bom.
A iniciativa partira de dois investigadores da Universidade do Porto, um, António Fernando Silva, da Faculdade de Ciências e diretor do Centro de Química; o outro, Luís Melo, da Faculdade de Engenharia e diretor do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente e Energia. Mas a Associação não chegou a concretizar-se. A FCT convocou as unidades de investigação para um novo ciclo de avaliação (2013/2014). E as unidades desarticularam-se, acabando por desmobilizar.
Havia razões ponderosas para que os centros de excelência quisessem fazer-se ouvir, quanto às políticas públicas para a ciência. Os Laboratórios Associados reconhecidos pelo Estado, muitos deles resultantes de fusões entre centros de investigação classificados como excelentes e centros classificados como muito bons, tinham uma estrutura representativa, que se fazia ouvir diretamente, tanto pelo MCTES, como pela FCT. Além disso, eram contemplados com cerca de dois terços do financiamento público para a ciência. E não eram avaliados por painéis de investigadores externos. Em 2013, existiam 26 Laboratórios Associados, tantos quantos os que hoje existem. Na altura, os centros de excelência andariam pelas quatro dezenas. Hoje, são 62 (com a bizarria de neste número estarem incluídas 11 unidades classificadas como “excecionais”).
Entretanto, o Governo de Passos Coelho criou, em 2012, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), coordenado pelo professor António Coutinho, então diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência. Era objetivo deste Conselho dar parecer ao Governo em matérias transversais de ciência e tecnologia. Em novembro de 2011, Passos Coelho, que na altura já era primeiro-ministro, havia explicado assim, à agência Lusa, a sua política científica: atribuir-se-ão os apoios financeiros às unidades de investigação “onde eles são cientificamente mais rentáveis”.
Sendo esta a política científica do governo PSD/CDS, não era nada surpreendente que os Conselhos Científicos da FCT, que nunca haviam servido para grande coisa, fossem agora completamente irrelevantes. Cinjo-me ao Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades (CSH). Em 2012, era um Conselho, para cuja presidência começou por ser proposta uma bióloga, da Universidade de Coimbra, a professora Eugénia Maria Antunes da Cunha. E foram seis as associações científicas que denunciaram, publicamente, a sua composição, por não se sentirem representadas pelos investigadores que a FCT escalara para as representar. Relembro as associações em questão: Associação Portuguesa de História Económica e Social; Associação Portuguesa de Ciência Política; Associação Portuguesa de Sociologia; Associação Portuguesa de Psicologia; Associação Portuguesa de Antropologia; Associação Portuguesa de Geógrafos.
Com efeito, a metodologia para a constituição dos Conselhos Científicos da FCT, então como agora, está errada. A FCT escolhe os representantes das áreas científicas, quando devem ser as comunidades científicas, que se organizam em associações nacionais, a indicar os investigadores que as representem. Veja-se o caso do Brasil, apesar do pântano em que atolou a civilização, até se estatelar. Acabo de ler a notícia de que as Ciências da Comunicação designaram Eduardo Meditsh para as representar no CNPq (a nossa FCT), juntamente com Angela Prysthon, Antonio Fausto Neto e Cicilia Peruzzo.
Em 2011, com a chegada do PSD/CDS ao governo, a política científica de Nuno Crato opôs-se à política socialista de Mariano Gago, e deixou de estar associada ao desenvolvimento de Laboratórios Associados. É certo que devemos a este último ministro “a entrada de Portugal no mapa da investigação”. Mas foi Mariano Gago quem fez publicar, em março de 2011, um despacho que atribuiu ao Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do ISCTE-IUL o estatuto de Laboratório Associado. E em maio desse ano, o presidente da FCT, João Sentieiro, notificou o ISCTE-IUL dessa decisão, a qual não veio, todavia, a ser implementada por Passos Coelho. Se tal tivesse acontecido, seria o terceiro laboratório associado de Sociologia do país. Como Lisboa já contava com o Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa (UL), Portugal passaria a ter nesta cidade um segundo laboratório de Sociologia no ISCTE-IUL, ou seja, praticamente na porta ao lado do ICS.
O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho (UM), classificado como excelente, juntamente com o Laboratório de Comunicação e Conteúdos Online (Labcom/UBI), classificado como muito bom, haviam feito uma proposta de Laboratório Associado à FCT. Fazia parte da sua proposta o compromisso de integrarem, progressivamente, no laboratório os vários centros de Ciências da Comunicação do país. Mas a política do governo socialista era outra. Embora já em gestão corrente, por se ter demitido, o governo de José Sócrates criou, em Lisboa, como assinalei, o Laboratório Associado de “Sociologia e Políticas Públicas” e mandou “arquivar provisoriamente” a proposta de laboratório apresentada pelas Ciências da Comunicação, por não ter sido possível à FCT “identificar o seu caráter distintivo”, enquanto “entidade cuja atividade se reporte à prossecução de políticas específicas”.
Entretanto, em 2013/2014, os Laboratórios Associados foram avaliados como unidades de investigação, à semelhança de todos os outros centros do país. Os dois Laboratórios de Sociologia, o ICS da Universidade de Lisboa teve a classificação de excelente; e o CES da Universidade de Coimbra foi classificado como muito bom. Por sua vez, o CIES do ISCTE-IUL obteve a classificação de muito bom; e o CECS da Universidade do Minho foi avaliado como excelente. O financiamento anual, para estes centros, foi o seguinte: ICS (UL) 1.098.563,00 euros; CES (UC) 1.303.114,00 euros; CIES (ISCTE/IUL) 474.819,00 euros; CECS (UM) 233.071,00 euros.
Passaram quatro anos. Nos últimos tempos do governo PSD/CDS e com a entrada em funções do governo socialista de António Costa passou-se em revista a política científica do executivo de Passos Coelho. Em 2015 foi mesmo publicado o Livro Negro de Avaliação Científica em Portugal. Acabo agora de ler na imprensa o seguinte: o presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC-TEC), da Universidade do Porto, professor José Manuel Mendonça, em representação dos 26 Laboratórios Associados, encontrou-se com o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. Falaram sobre o financiamento dos Laboratórios Associados. E, curiosamente, quando todas as unidades de investigação, mesmo as excelentes, esperam a chegada dos painéis de avaliação externa da FCT, em mais um ciclo de avaliação, José Manuel Mendonça refere “as novas responsabilidades para as instituições” (leia-se, para os Laboratórios Associados), como a de criarem “sistemas internos de avaliação”.
Neste contexto, quem é que representam os Conselhos Científicos da FCT? Acresce também que no caso das CSH o seu Conselho é presidido por um professor auxiliar. E, ainda por cima, praticamente nem sequer se reúne.
Ah! Que falta que nos faz uma Associação de Ciência para a Excelência (ACE), que represente as unidades de investigação, tanto no MCTES, como na FCT!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico