Quando a política reduz a fraude a uma “questiúncula”
Rui Rio diz que o que se passou não é bonito, mas, na sua nova visão da política, a latitude da exigência ética passou do rigor extremo a uma misteriosa complacência. Convém perguntar porquê.
Não é preciso conhecer a fundo o pensamento de Rui Rio para se perceber que ele não expressa com precisão o que pensa quando resume o caso que envolve o seu secretário-geral, José Silvano, a uma banal “questiúncula”.
O Rui Rio presidente da Câmara do Porto olharia o comportamento de Silvano como mais um sinal de decadência da política partidária. O Rui Rio que existiu fora dos altos cargos partidários invocaria logo a mais alta exigência ética de quem representa os cidadãos para desancar o deputado que fez o registo na plataforma electrónica do Parlamento e depois se evaporou. O Rui Rio que se fez eleger para o cargo de presidente do PSD prometendo um “banho de ética” condenaria qualquer deputado que desse um salto a correr ao Parlamento para sair logo após com o desgastado pretexto do “trabalho político” em que tudo cabe.
Rui Rio diz que o que se passou não é bonito, mas, na sua nova visão da política, a latitude da exigência ética passou do rigor extremo a uma misteriosa complacência. Convém perguntar porquê. Depois das polémicas com Elina Fraga, com Salvador Malheiro ou com Feliciano Barreiras Duarte, a sua margem de manobra para sobreviver a um partido autofágico e dilacerado pela intriga recomenda que se ponha à defesa.
Se Silvano cair, é provável que as hostes revoltosas se animem e infernizem ainda mais a sua vida. Mas, ao manter por exclusivas razões de sobrevivência política uma tolerância para com comportamentos que envergonham a política e arrasam a credibilidade do Parlamento, Rui Rio afunda o PSD e acaba por destruir o capital político que acumulou nos últimos anos: o de um homem de valores inflexíveis, movido exclusivamente por princípios.
A política de casos sucessivos tem o condão de lavar mais branco e é provável que daqui a um mês ou dois já ninguém se lembre da desfaçatez (para ser simpático) de José Silvano. Mas este episódio serve para reforçar a ideia de que o discurso moralista que Rui Rio usou na prática política, tantas vezes reforçado com farpas contra os magistrados ou os jornalistas, começa a soar a falso.
O Rui Rio que se construiu em grande parte a partir de uma base moral da qual ele próprio era o exemplo perdeu sentido. Sem este argumento para se distinguir, e à míngua de ideias, projectos ou até de um partido mobilizado e coeso, o que sobra a Rui Rio para oferecer ao país?