Trump e as duas Américas
A radicalização foi uma armadilha para os democratas. É Trump quem melhor sabe explorar a polarização.
Diz-se que o grande fracasso de Donald Trump é não conseguir unir o país em torno da sua presidência. Seria mais correcto dizer que é exactamente na polarização da sociedade americana que assenta a sua força. A divisão não é inédita. O que é novo é a intensidade da polarização que conduziu a uma fractura, esta, sim, inédita. Não foi Trump que produziu o fenómeno. Ele apenas vive dele — e radicaliza-o.
Há diferenças históricas, geográficas e sociais num país-continente como os Estados Unidos. Mas a maior oposição entre aquilo a que alguns chamaram as “duas nações” diz respeito a valores e comportamentos. O ressentimento dos eleitores brancos, em termos económicos e de insegurança, foi decisivo na eleição de Trump em 2016. No entanto, mais determinantes do que os factores socioeconómicos, são as variáveis ideológicas que deram lugar à “guerra cultural”. A sociedade polarizou-se entre atitudes antagónicas — sobre as elites políticas e o papel do Estado, as minorias e os imigrantes, as mulheres e a família, os costumes e a religião. As fontes de informação das “duas Américas” não são as mesmas.
Radicalização
Esta polarização projectou-se na cena política com efeitos devastadores. A irrupção do Tea Party em 2009, no início do primeiro mandato de Obama, e a eleição de Trump, em 2016, são momentos marcantes. Os adversários políticos passam a ser “inimigos”. O Partido Republicano lançou-se num processo de radicalização a que os democratas responderam com paralela inflexão à esquerda. Liberais e conservadores afastam-se velozmente do “centro”, que tende a esvaziar-se.
Por sua vez, a radicalização política agrava a polarização social. Um inquérito do Pew Research Center, de Novembro de 2017, revela a intensidade da radicalização das elites dos dois partidos. As suas “vanguardas”, os militantes mais fiéis e influentes, vêm ambas do topo da pirâmide social, da elite social e cultural americana. E são quem mais fortemente recusa a coexistência com “o outro”.
A radicalização foi uma armadilha para os democratas. É Trump quem precisa da polarização e melhor a sabe utilizar. O Partido Republicano acabou domesticado. Os seus candidatos e representantes temem perder eleitores, se divergirem do Presidente. A separação dos poderes e os mecanismos de controlo do executivo foram abalados. O regime “presidencializou-se” e gira cada vez mais em torno das eleições presidenciais. E, numa América insegura, Trump é um hábil gestor do “negócio do medo”.
A importância destas eleições não se mede hoje, mas no futuro próximo. A conquista da Câmara dos Representantes pelos democratas pode ter efeitos contraditórios. É susceptível de abrir um crise institucional, pois Trump será tentado a radicalizar os conflitos com o Congresso, usando-o como “bode expiatório” para os seus fracassos. Por outro lado, pode restabelecer um relativo equilíbrio dos poderes, limitando o arbítrio presidencial. Se isto acontecer, será um indício de resistência das instituições e um factor de revitalização da democracia americana.