A Antiguidade clássica também pode assentar aos corpos do presente

A par das conferências, a quinta edição do “festival de pensamento” Fórum do Futuro aposta nas performances. Até sexta, há no programa acções-criações de Alexandra Pirici e da mala voadora.

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Parthenon Marbles está até sexta-feira no Palácio da Bolsa, entre as 12h30 e as 15h30 DR

“A dança e as finanças partilham um ritmo”, diz-se na recta final de Parthenon Marbles, a performance da artista e coreógrafa romena Alexandra Pirici que está desde esta quarta-feira, e até sexta, no Palácio da Bolsa (12h30-15h30), integrada no programa da quinta edição do Fórum do Futuro. A comparação “bastante improvável” foi feita pelo bailarino e sociólogo Randy Martin, conta-nos Pirici – “tanto a dança como as finanças podem produzir valor através da movimentação e da circulação de coisas” –, e em boa parte resume as ideias basilares de Parthenon Marbles: olhar para o mundo da arte em relação com a economia, “desmistificando a ideia de que os objectos artísticos estão desligados da esfera económica”, e propor formas de desmaterializar e fazer circular o “património cultural global”.

A prática artística de Alexandra Pirici, que tem sido um dos nomes mais requisitados no actual circuito da performance, passa muito por pensar, actualizar e performar a história através do corpo, questionando a fixação da memória e da herança patrimonial num determinado tempo e espaço. O que não poderia ir mais ao encontro da linha de reflexão deste Fórum do Futuro – a ideia de que a Antiguidade é activada, negociada e reinterpretada na cultura contemporânea, ultrapassando perspectivas meramente arquivísticas.

Em Parthenon Marbles, Pirici debruça-se precisamente sobre a Grécia, mais concretamente sobre a polémica dos mármores do Parténon, um conjunto de esculturas provenientes da Acrópole de Atenas que está desde 1817 no British Museum e que o governo grego tenta há décadas reaver, tendo já endereçado a Londres vários pedidos de restituição das obras, inclusive para as colocar naquele que muitos consideram ser o seu devido lugar: o Museu da Acrópole, inaugurado em 2009. O debate voltou a reacender-se com o "Brexit" e com as declarações do líder trabalhista Jeremy Corbyn em defesa da devolução das esculturas, que considera terem sido roubadas – o aristocrata Lord Elgin, então embaixador da corte britânica em Istambul, retirou os mármores do Parténon com a suposta, e muito discutida, autorização do Império Otomano, que à época ocupava a Grécia.

É uma história “muito complexa”, repleta de questões sobre a propriedade cultural e as relações de poder dentro do mercado da arte, que Alexandra Pirici aborda criticamente, não só através dos corpos de cinco intérpretes de várias nacionalidades – corpos que vão tomando formas de esculturas, sem nunca ficarem estáticos –, mas também por meio de uma forte componente textual. “Há uma reflexão sobre a relação entre arte e economia como um campo de possibilidades, mas claro que também existe uma crítica”, assinala. “Grandes museus e as suas grandes colecções surgiram a partir de projectos coloniais. Não é dizer ‘OK, dêem tudo de volta’, até porque toda a questão da restituição é bastante complicada, mas é importante sublinhar estas assimetrias de poder”, nota a artista. O que lhe interessa aqui, mais do que a problemática concreta da restituição dos mármores do Parténon, é mostrar como se pode “fazer circular” estes ou outros objectos do património mundial enquanto “algo imaterial”, enquanto “acções performativas”, e assim “torná-los mais acessíveis e partilháveis, produzindo valor noutros contextos e para outras pessoas”.

Cores e metamorfoses

À quinta edição, as conferências continuam a ser o eixo principal do Fórum do Futuro, mas é evidente a aposta crescente nas performances e até no formato palestra-performance, como será a intervenção da artista canadiana Kapwani Kiwanga esta sexta-feira, no Rivoli. Além do coreógrafo americano Trajal Harrell, que regressou ao Porto com duas peças, e de Alexandra Pirici, também a mala voadora marca presença nesta edição com uma performance, As Metamorfoses de Ovídio, apresentada esta sexta-feira em noite de festa do 15.º aniversário da companhia, na sua sede na Rua do Almada – e porque a ocasião é especial, o elenco é composto por vários colaboradores da mala voadora, de actores a designers, de músicos a produtores.

Esta nova criação partiu do livro Metamorfoses, de Ovídio, “uma espécie de história do mundo, mas uma história do mundo contada com base em tudo o que são processos de transmutação de seres noutros seres”, diz José Capela, cenógrafo e director artístico da companhia juntamente com Jorge Andrade, que dirige esta performance. Outra das referências foram as investigações do historiador e arqueólogo Vinzenz Brinkmann, que na terça-feira orientou um almoço-palestra no Fórum do Futuro sobre as cores originais da estatuária grega e romana. Na verdade, estas tinham vários pigmentos, indo muito além do tão simbólico e venerado mármore branco. Esta concepção branqueada das esculturas da Antiguidade Clássica foi sendo imposta e normalizada no século XX, refere José Capela, estando intimamente ligada “aos nacionalismos”. “Na performance, o Jorge [Andrade] decidiu cruzar as histórias de metamorfose do livro com esta questão cromática.”

O Fórum do Futuro continua até sábado com conferências de pensadores internacionais de várias áreas, entre eles Margaret Atwood, Paul B. Preciado, Eva Franch e Pankaj Mishra. A entrada é gratuita.

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