Fórum do futuro regressa ao passado para questionar o presente
Ágora club é o título da 5.ª edição do programa, que vai decorrer de 4 a 10 de Novembro. “Por que razão não nos conseguimos libertar do cânone da Antiguidade?” – é a pergunta a que vão responder mais de meia centena de convidados de todo o mundo.
Houve um tempo em que a ágora, em Atenas, ou o fórum, em Roma, eram os lugares próprios para a manifestação da cidadania, o espaço público por excelência, em que se discutiam as questões sociais e políticas, mas também se faziam os julgamentos populares. Essa tradição, e toda a cultura que lhe está associada e que genericamente designamos como Antiguidade Clássica, tornou-se o cânone do Ocidente. “Por que razão não nos conseguimos libertar do mito e desse cânone?”. A pergunta é de Guilherme Blanc, comissário do Fórum do Futuro, e foi sobre ela que elaborou o programa da 5.ª edição desta iniciativa da Câmara Municipal do Porto que vai decorrer em diferentes palcos da cidade entre os dias 4 e 10 de Novembro.
O tema do fórum é, este ano, Ágora club, precisamente a recuperar o espírito desse lugar e desse tempo antigo, criando a oportunidade para o Porto “se confrontar com nomes fundamentais do pensamento contemporâneo e descobrir alguns discursos que marcam a produção de conhecimento actual, na arte, nas ciências sociais e humanas, e não só”, disse o presidente da autarquia, Rui Moreira, na apresentação do programa, na manhã desta quarta-feira, no Teatro Rivoli.
Com um calendário que vem crescendo anualmente em número de convidados estrangeiros – este ano serão 52, de 17 países – e em orçamento (225 mil euros), a iniciativa lançada em 2014 pelo antigo vereador da cultura Paulo Cunha e Silva (1962-2015) vai nesta edição contar com a participação de artistas, performers, músicos, compositores, dramaturgos, filósofos, cientistas, economistas, arquitectos, documentaristas… E, mais do que conferências – “O fórum nunca foi pensado como uma conferência; o país sofre de conferencite aguda, e nós quisemos ir numa direcção diferente”, justificou Rui Moreira –, vai ter encontros, “art talks”, concertos, teatro, cinema, almoços-palestras, performances...
Um debate em vários actos
Guilherme Blanc apresentou detalhadamente o programa de Ágora club, realçando que ele vai abrir e fechar, à imagem do teatro grego, em vários actos. No dia 4, no Rivoli, depois de uma intervenção do artista libanês Ali Cherri, Water blues, a reflectir sobre “o poder que a lama exerce sobre nós”, e de um vídeo do chinês Guan Xiao, Hidden Track, uma das integrantes da banda russa Pussy Riot, Nadya Tolokonnikova, irá falar sobre o activismo artístico na Grécia Antiga e de como “a essência da sabedoria reside na acção”.
A fechar, no dia 10, no mesmo teatro municipal, além de um novo vídeo de Xiao, sobre a famosa estátua de Miguel Ângelo, David, pretexto para falar da reciclagem da iconografia clássica no nosso tempo, a arquitecta e curadora catalã Eva Franch irá falar de ruínas, e o escritor e jornalista indiano Pankaj Mishra irá reflectir sobre “a Ásia na era pós-ocidental”.
Durante a semana, e à razão de três a cinco sessões diárias, poder-se-á acompanhar as visões e reflexões de vários convidados de renome. Por exemplo, do astrofísico suíço Michel Mayor (dia 5), o primeiro a detectar a existência de um planeta fora do sistema solar, a teorizar sobre como a evolução tecnológica nos poderá fazer aceder (ou ainda não) à existência de vida noutros planetas.
Na terça-feira, dia 6, o colectivo britânico Art & Language, em diálogo com Carles Guerra, director da Fundação Antoni Tapies, abordará a possibilidade de diálogo entre a arte contemporânea e a retórica da Antiguidade.
No dia seguinte, o Porto receberá a primeira visita portuguesa do arquitecto japonês Toyo Ito, Prémio Pritzker em 2013, a analisar como intervir e reconstruir ruínas resultantes de desastres naturais na perspectiva de um novo modelo para o espaço público.
Ainda na terça-feira, o Teatro Carlos Alberto acolhe o dramaturgo britânico Martin Crimp, em resultado da habitual parceria do Fórum do Futuro com o Teatro Nacional São João (TNSJ). No Rivoli, Nuno Carinhas, que em Março de 2019 irá encenar a peça The Rest Will Be Familique To You From Cinema, que Crimp escreveu a partir de As Fenícias, de Eurípedes, explicou que esse encontro será uma oportunidade para avaliar a relação que o teatro contemporâneo ainda mantém com a dramaturgia clássica.
Também Serralves é parceira habitual do fórum, e este ano propôs a vinda de Christian Boltanski (dia 8). Apresentado por Denise Polini, coordenadora do Serviço Educativo da fundação, o artista francês (representado na colecção do MACS) irá falar no museu sobre “a transmissão”, ou seja, de como as obras de arte se constituem como “memória e conhecimento de um dado momento histórico”.
No mesmo dia, a escritora canadiana Margaret Atwood, autora de A História de Uma Serva ( The Handmaid’s Tale no original), revisitará o papel da mulher no mito clássico à luz da sua própria obra. Já o filósofo e curador espanhol Paul B. Preciado (dia 9) irá “esboçar uma genealogia das mudanças do regime patriarcal arcaico” até à actual configuração dominada por aquilo que designa como “tecnologias de poder farmacopornográficas”. E, de regresso ao Porto – onde, no ano passado, foi o compositor em residência no Ano Britânico na Casa da Música –, Sir Harrison Birtwistle abordará com a jornalista-editora de Cultura do jornal The Guardian Charlotte Higgins as relações do mito com a música. António Jorge Pacheco, director artístico da Casa da Música, antecipou que o compositor britânico aproveitará a ocasião para dirigir também um workshop com voluntários sobre como trabalhar um coro grego na representação de uma tragédia.
A atravessar o programa da semana, a artista romena Alexandra Pirici irá apresentar, nos dias 7, 8 e 9, no Pátio das Nações do Palácio da Bolsa, a “performance contínua” Parthenon Marbles, a inquirir o tema da pilhagem patrimonial no decorrer da História.
Já a Mala Voadora repete também a ligação ao fórum, primeiro (dia 6), com um almoço-palestra do arqueólogo alemão Vinzenz Brinkmann a explicar como a perda das cores originais das esculturas da antiguidade mudou a nossa percepção da sua originalidade.
O colectivo portuense aproveita também a ocasião para assinalar (dia 9) os seus 15 anos (e cinco anos de instalação na actual sede na Rua do Almada) com uma performance-instalação intitulada As Metamorfoses de Ovídeo, com que se propõe “recriar a história do mundo através de um conjunto de corpos pintados”, num elogio da “instabilidade das formas”, como referiu o seu co-fundador Jorge Andrade.
O programa completo do Fórum do Futuro 2018 pode ser consultado aqui.